sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Os Apóstolos


Quando J Cristo quis divulgar pelos povos a sua concepção do mundo, escolheu para mensageiros os seus melhores discípulos. JC acreditava, com razão, que os melhor colocados para difundir a sua verdade eram, claro, aqueles que melhor a tinham assimilado.
Hoje, quando a economia neo-liberal procura perpetuar-se como modelo de gestão social, os seus principais actores reúnem nos templos do capitalismo os discípulos e escolhem entre os que melhor assimilaram as suas verdades os seus apóstolos.

Mudam os tempos, os templos e as verdades, mas mantém-se o método. Só que, nesta nova ordem, os "evangelhos" estão escritos a cifrões, e os heróis do nosso tempo já não libertam donzelas cristãs prisioneiras em fortalezas pagãs - passeiam-nas de Ferrari pelas marginais. Eles são o produto sem defeito duma linha de montagem de criaturas sem dúvidas, tão cheias de certezas que invocam Deus e a Ciência com a mesma fé dogmática.Nem os modelos "T" da Ford saíram tão iguais das linhas de montagem que inauguraram a produção em série. E as Universidades que os produzem, que eram os lugares da Terra onde o conhecimento avançava pela capacidade de se questionar permanentemente a si próprio, transformaram-se nos templos do capitalismo de mercado onde a excelência se define pela capacidade de assimilar e reproduzir com fidelidade a ordem estabelecida, papagueando as sebentas assinaladas.

São os perfis destes "primus inter paris" que, findo o processo iniciático, aparecem estampados nas páginas centrais dos jornais de referência. Paramentados com o fato e gravata ou o "tailleur" da regra, debitam para a posteridade os clichés e lugares comuns que deixam em êxtase babado progenitores e mestres. Nem um só pensamento original ou dissonante; nenhuma dúvida; nem um pingo de irreverência.
No currículo, além das grandes notas das faculdades de economia, pontuam autênticas pérolas: "catequista desde os 17 anos". Comovente, tanto amor a Deus e ao próximo. Apetece perguntar se quando chegarem aos quadros do Banco cujo CEO frequenta a Missa das 7 na Igreja da mesma paróquia (onde, de resto, já se catequiza o jovem CEO Júnior the Third) irão recuperar o secular ódio de Cristo pelos agiotas ...

Eles, os "Primus inter paris", são a prova provada do sucesso da minha geração. Nós, trocamos os ideais pelo recheio das contas bancárias, a moral por BMW's de função e a ética por vivendas em domínio público marítimo. Eles, seguem-nos os passos. Mais, serão ainda melhores que nós. Porquê ? Porque os expropriamos da história. Por isso só sabem conjugar o tempo na 1ª pessoa e no presente do indicativo. Assim, sem os pruridos de consciência que nós ainda tivemos a atrapalhar-nos a voragem burguesa, assumem a intervenção social como mero instrumento do seu próprio sucesso individual.
Se nos restasse uma réstia de discernimento e bom senso, talvez nos inquietássemos quando os ouvimos oferecer à plebe indiferenciada a opção democrática da escolha: "eles" ou o caos da barbárie! Mas não! Abrimos o sorriso de orgulho imbecil típico do dono do cachorro que aprendeu a dar a pata.
Nós, fomos insubstituíveis porque instalamos a mediocridade no poder. Eles, irão sê-lo porque tudo farão para a perpetuar. Portanto, Amém!

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

O Factor Sopas

Nota prévia: Quando há anos começaram a ser publicados estudos sobre as alterações climáticas e o aquecimento global, publiquei no semanário regional Barlavento uma crónica que, por não ter perdido actualidade, transponho na integra.

Nunca soube ao certo como é que ele se chamava. Mas fosse onde fosse todos o conheciam. Pela alcunha, claro. Chamavam-lhe “O Sopas”. Ninguém sabia porquê (nem o próprio) nem isso era relevante.

Havia dois aspectos responsáveis pela grande notoriedade do Sopas: a sua proverbial boa disposição e a proeza de nunca ter caído com a motorizada dentro do canal de rega.

Chegados a este ponto, há explicações que têm que ser dadas.

Desde logo que no sistema vascular do Sopas circulava álcool, mais propriamente aguardente de medronho. Esclareça-se, também, que o Sopas era cantoneiro do perímetro de rega, responsável pela abertura e fecho dos pedidos de água dos agricultores do planalto. No cumprimento dessas funções, o Sopas deslocava-se a alta velocidade sobre as veredas das bermas dos canais de rega (essas mesmas em que é proibido circular de velocípede com ou sem motor, e a pé só com cuidado) montando numa “Casal de 5ª”. O Sopas nunca se atrasou na abertura de qualquer adufa, nem nunca caiu ao canal. Essas são certezas na memória popular.

Para arredondar o fim do mês, o Sopas tinha um biscate e uma avença. O biscate era a pesca ao sargo, tarefa de fim-de-semana cujo produto revertia para os restaurantes das redondezas ou para épicas caldeiradas, se houvesse quem entrasse com o vinho, o pão e as batatas (por esta ordem). A avença, que tinha sido arranjada por intermédio do engenheiro, era o posto meteorológico: competia ao Sopas a manutenção, a recolha diária dos dados e o seu envio mensal para o Instituto na Capital. O envio mensal dos mapas de dados nunca falhou. A recolha diária desses dados, bem, isso era outro assunto.

É que o posto ficava fora da volta e longe de casa. De Inverno, desde que não estivesse a chover e a nortada não fosse rija, até não tinha dúvida, sempre sobrava algum tempo dos serviços de manutenção das infra estruturas. Mas no Verão, com a azáfama da distribuição da água a ocupar as manhãs e as tardes, o que sobrava era a hora do calor, mais que imprópria para tais desempenhos. As avarias do material também não eram fáceis de resolver. Lembrem-se que ao tempo ainda não havia telemóveis, e por um capricho dos TLP, telefonar da taberna do Pacheco para a vila era uma interurbana.

Um dia, ia eu a despacho na Vila, quando à saída do Monte me cruzei com o Sopas. Por descargo de consciência perguntei se precisava de alguma coisa, ao que ele respondeu que, fazendo eu esse favor, pedisse ao Engenheiro que informasse o Instituto que o termómetro de máximas e mínimas estava avariado. O que o Sopas queria mesmo dizer é que o dito se tinha partido ia para quinze dias. O novo demorou uma semana a chegar, mas, claro está, não foi pela falta de termómetro que o mapa mensal de máximas e mínimas daquele Julho deixou de seguir para Lisboa com casas decimais e tudo.

Conheci um colega de avença do Sopas , o Cebola ( de apelido, não de alcunha). Era um cabo-de-mar natural de Serpa e durante anos e anos foi o guardião dos bons costumes da mais conceituada praia algarvia contra os desmandos das bifas que, trajando à margem do regulamento, começavam a aparecer a banhos por estas latitudes, e a quem ele repreendia com ar sério e mímicas irreproduzíveis, num inglês de praia que transcrevo em estilo livre (à falta de léxico adequado):“Madame, Madame: Ai beach boss look sérvice. Biquinu, não like; fato-de-banho, very like ! "

Cebola tinha para com os dados da estação meteorológica que tinha avençada uma relação em tudo idêntica à do Sopas: extremo rigor e pontualidade no preenchimento e envio dos mapas de dados; muita intuição, em larga experiência fundada, para inferi-los. Exemplo: se hoje esteve mais calor que ontem, e ontem tinha estado mais fresco que o dia anterior, sendo que anteontem, por acaso, o Cebola até tivera vagar para ir ao posto e o termómetro marcava 25,1 ºC ( mais ou menos, claro), tal queria dizer que a temperatura máxima de hoje apontava para os 25,6ºC e ontem fora de 23,7 ºC.

Nas semanas chuvosas de Novembro, o pluviómetro podia passar dias a transbordar que nunca haveria a pluviosidade de atingir os 94 mm em 24 horas (a capacidade do dito era 1 litro). Porquê? Precaução elementar: não dar nas vistas. É que, além da “regularidade” das visitas, nunca ficou determinado com rigor qual a influencia da carga etílica nos erros de paralaxe na leitura das delicadas escalas. Portanto, nada de números redondos.

Lembro-me do Sopas e do Cebola sempre que me cruzo com estudos climáticos realizados com pretensões de inquestionável rigor científico. No caso do Algarve, por exemplo, é impossível fazer qualquer estudo do clima dos últimos 35 anos sem levar em consideração os contributos do Sopas e do Cebola. E se o “rigor” desses dados é irrelevante para a caracterização do clima, o mesmo já não se poderá dizer quando deles se pretende tirar ilações quanto a tendências da sua dinâmica. A minha perplexidade é maior quando esses dados são utilizados (e até 1994 não podem deixar de o ser) para fundamentar uma tese de aumento em 0,7 ºC da temperatura média do ar nos últimos 30 anos! Aquecimento global? Será. Mas, para variações tão pequenas, qual foi a ponderação que o "factor Sopas" mereceu na construção do algoritmo que suporta essa conclusão?

Quando interlocutores ilustres partilhavam com ele reflexões que mereciam ao Sopas a maior incompreensão ou a mais absoluta das reservas, havia um comentário tipo com o qual ele rematava a conversa com grande solenidade: " Pois não tenha vossemecê dúvida nenhuma!"
É isso mesmo!

Nota final: como é usual dizer-se nestas circunstâncias, sendo este texto é uma obra de ficção, qualquer semelhança entre as personagens aqui descritas e a realidade será mera coincidência.

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Incompetência ou Má-Fé ?


O Jornal Público de ontem, citando uma organização britânica, dava conta de um aumento assustador, durante os últimos trinta anos, daquilo a que chama “catástrofes climáticas” e que, para não variar, eram atribuídas às “alterações climáticas”.

A propensão jornaleira para a noticia catastrofista já é conhecida e por si não merece mais comentários.

O facto de existirem organizações que fazem destas coisas modo de vida e razão de existir dos seus protagonistas, também não é novidade.

O que merece referência continua a ser algo bem mais prosaico, a saber, a veleidade com que estas leituras se publicam sem sequer o dever de informar ter o prurido elementar de as sujeitar ao contraditório.

Se essa regra essencial na informação já não faz parte dos cânones jornalísticos, seria interessante que fossemos devidamente informados da ocorrência. Mas se ainda faz, das duas uma: ou a incompetência grassa em toda a estrutura editorial do Jornal, ou então há evidente má-fé e temos o Jornal objectivamente ao serviço de interesses afectos à tese das alterações climáticas.

No caso da notícia em referência as razões são óbvias. A realidade geográfica sobre a qual se abatem os fenómenos climatológicos não permaneceu constante ao longo dos últimos trinta anos. As últimas décadas têm assistido a migrações em escala faraónica para os litorais e para as periferias de grandes metrópoles. Nesse processo, o povoamento desordenado e precário em situações de óbvio risco, tem crescido descontroladamente. Veja-se o caso dos morros adjacentes ao Rio de Janeiro. Noutros casos, uma confiança desproporcionada na técnica força o povoamento para situações limite, como é o caso de Nova Orleães, construída em zona de delta e abaixo da cota do rio e do mar.

Ou seja, a probabilidade de impactos consideráveis sobre as populações em virtude de ocorrências climatéricas extremas é maior pela simples razão de que há muito mais gente em situação de risco.

Neste como nos outros casos, a tese das alterações climáticas é apenas um óptimo pretexto para os responsáveis sacudirem a água do seu capote.

O ano passado, por esta altura, houve uma antiga povoação piscatória no Algarve, entretanto transformada em meca turística, que mais uma vez meteu água. Onde? Na que apropriadamente é chamada “Rua do Barranco”, ou seja, que era um barranco (regionalismo para linha de água temporária) mas que agora é a principal rua do burgo. Mais, as casas maioritariamente comerciais que aí se construíram até caves têm. Resultado, quando chove um pouco mais que a conta e a maré está cheia, a água não escoa e é inundação garantida. Mas instado a pronunciar-se sobre a ocorrência, o ilustre Edil não se coibiu de mencionar as alterações climáticas como estando na origem do sinistro.

No caso, o jornalista de serviço assinou a peça e partiu para outra. Mas o Público, que não é um jornalzinho regional, deveria funcionar noutros patamares de exigência até por razões de respeito pelo seu público.

Se não o faz em situações tão flagrantes é por mera incompetência ou estará assalariado por interesses inomináveis ?

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Apareço...logo, existo !

Apesar de continuarem a ser muito citados por tantos quantos pretendem credibilizar a sua erudição, não me parece que os clássicos da filosofia, desde Sócrates a Kant, merecessem o crédito que lhes é atribuído, inclusive por quem nunca os leu, se vivessem nos nossos dias.

Isto por uma razão simples, eram “generalistas”, condição que se tornou sinónimo de incompetência neste universo de “especialistas”.

Do tempo em que a filosofia se definia a si própria como "ciência dos seres, dos princípios e das causas" passou-se em pouco mais de um século para um ambiente de conhecimento compartimentado, ainda que para isso tenha sido muitas vezes necessário forçar por arrombamento as fronteiras do bom senso.

Deste modo a contradição que alguns notam entre o acréscimo de quantidade de conhecimento disponível e o uso que dele se faz, é apenas aparente, porque a especialização tem um efeito de afunilamento que conduz a uma perda de perspectiva.

Num tempo em que a globalização convidaria a uma perspectiva macroscópica da Vida, o que mais se encontra são imagens panorâmicas, sim, mas obtidas pela objectiva do umbigo de quem as fotografa e ainda por cima desfocadas com a preciosa ajuda dos lentes que pululam pelos média.

Vivemos num clima de inusitado frenesim de cópula mediática. Para a imensa parafernália de especialistas do nosso tempo, um muito prosaico "apareço logo existo" há muito que relegou para as calendas gregas o clássico "penso, logo, existo". Por isso eles se desdobram em entrevistas em que, mesmo quando não abrem a boca, servem na perfeição o objectivo central da iniciativa: credibilizar uma notícia que segure audiências e obter para si próprios a credibilidade só acessível a quem já apareceu na TV. Mas fazem mais que isso: contribuem decisivamente para cultivar as imagens cada vez mais redutoras com que olhamos o mundo.

Mill espantar-se-ia como as teses utilitaristas que estruturou foram potenciadas. E nem mesmo nos seus dias de maior euforia criativa, Smith se teria permitido viajar tão longe nas concepções liberais da ordem económica.

De facto, uma espécie de utilitarismo hiper liberal é o que melhor define este tempo de globalizações em que vivemos, súbditos de um império mediático que nos formata desde a roupa que vestimos até ao que pensamos sobre a relação da Angelina Jolie com o Brad Pitt!

Não é pois de admirar que incorporemos o que se mediatiza com a mesma facilidade com que uma esponja seca absorve a água. Se os média dizem que a terra está a aquecer e que o clima está a mudar, é porque é assim. Se os especialistas aconselham a usar biodisel, é isso que se deve fazer - venha o biodiesel, os carros movidos a biodiesel e fica tudo resolvido. E do mesmo modo que a produção de lixo e de poluição se transformou numa indústria de sucesso de tratamento de lixo e combate à poluição, também as alterações climáticas estão a dar origem a uma bem sucedida indústria de conservação climática. É assim que se preserva o essencial. E o essencial é o modo de vida que temos. Daí que os especialistas nos aconselhem a “transformar as dificuldades em novas oportunidades”. Mais utilitário que isto, nem Mill.

Portanto dispensam-se Spengler’s, Suntag’s, Harendt's, Soljenitzin’s e outros pretensos pensadores do nosso tempo. É verdade que eles viraram o funil ao contrário e observam que temos um problema não de forma mas de conteúdo. No entanto, como estão catalogados c
omo "generalistas", são naturalmente tidos por utópicos e incompetentes, e nessa medida as prosápias que destilam sobre questões tão pouco mediáticas como o declínio do Ocidente ou sobre ser a auto-limitação o principal vector da liberdade, aparecem como extremamente inconvenientes aos olhos de todos os "especialistas" que existem apenas porque aparecem!

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Verduras Famosas



Há algum tempo uma professora das minhas relações lamentava-se da grande dificuldade que sentia em conseguir obter resultados palpáveis das suas actividades escolares de Educação Ambiental.

Fui logo de opinião de que se tratava de um problema de estratégia. E expliquei: se em lugar de investir em educação se investisse em publicidade e marketing, seguramente que os resultados ambientais pretendidos seriam alcançados muito mais rapidamente. Dei exemplo: o Cristiano Ronaldo em horário nobre a recomendar para fechar a torneira quando se lava os dentes, produziria muito maior poupança num só dia que dois anos lectivos de esforços educativos a alertar para a necessidade de contenção no uso da água.

Muito depois desta ocorrência, eis que surge o Senhor Al Gore a demonstrar a pertinência das minhas observações. Bastou que o homem dissesse que havia produção excessiva de CO2 para que a rapaziada tresloucasse à procura de árvores para agarrar o carbono que anda à solta por aí .

Como lhes compete, os jornais agarraram logo na deixa e, nesta incursão pelo verde em que têm andado, ei-los que se atiram à pesca de famosos que dêem a cara pela causa. E eles aparecem, desde o Redford ao Sting, que dão a cara não se sabe bem pelo quê, à Gisele B, que dá cara e corpinho pela água. O Leonardo de Caprio vai mais longe e informa-nos duas coisas igualmente relevantes: a primeira é que instalou painéis solares nas suas casas (percebe-se que deve ter pelo menos duas…) e a segunda, que deixou de viajar em jacto privativo e passou a frequentar os voos das companhias aéreas normais.

Portanto, como se vê, a coisa até está a pegar. Importa que a rapaziada faça qualquer coisa, mesmo que seja apenas por imitação e não saiba exactamente porquê – publicidade afinal é isso mesmo! O problema é que ainda assim, para que isto funcione, convém que os magos do marketing usem os famosos para nos sugerir coisas realizáveis, senão ficamos na mesma. Explico-me. Que sequência prática posso eu dar à informação de que o Leonardo deixou de dar uso ao jacto privativo e começou a frequentar as hospedeiras (uupps..corrijo: as cadeiras…) dos voos comerciais?! E quanto aos painéis solares nas “suas casas”: se já os tenho na minha devo comprar outra casa para que os passe a ter nas minhas?

É que se a ideia é promover comportamentos pró-ambientais concretos, por favor, venham com propostas acessíveis ao comum dos mortais. Volto aos exemplos. Se o Leonardo tivesse dito que tinha deixado de andar de carro e começara a andar só de combóio, teríamos um comportamento cuja imitação estaria ao acesso de muita gente. O mesmo sucederia se a Gisele declarasse que deve a sua impressionante silhueta ao uso inegociável de água da torneira! Mas se em vez disso tivermos o Al a declarar que só usa o Lexus-Hibrido, de que é que isso nos serve ?

Eu até era capaz de sugerir aos senhores que gizam esta publicidade que se assessorassem melhor, para que as suas campanhas tivessem resultados ambientais efectivos. Mas o caso é que tenho uma enorme desconfiança de que esta questão da efectividade é completamente irrelevante para a dinâmica neo-verde em que andamos enrolados! E pior: desconfio que ninguém dá por isso !!

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Manifesto Anti - Neo-Verde



Fruto de um casamento de conveniência entre os burgueses que somos e os cidadãos que gostaríamos de ser, nasceu um híbrido: o neo-verde !

O neo–verde, é o prematuro-mutante-viável de uma tentativa desconseguida de compreensão do sentido da Vida. Prematuro, porque não sobrevive sem um sistema exterior de apoio – os média e os congressos de educação ambiental; mutante viável, porque resulta da evolução possível de quem tentou perceber os fundamentos da ecologia, mas percebeu mal !

O neo- verde tem formação média ou superior e encontra-se disponível em duas versões: light e hard ! O neo-verde light, proclama sempre que pode que é preciso salvar o planeta, compra as fitas do novel-Nobel pela internet e é assinante da National Geografic. O neo-verde hard, vai mais longe: só consome produtos com certificação ambiental e quando trocar de carro quer comprar um Honda-hibrido ( o Lexus está fora do orçamento ).

O neo verde é a personificação de todas as pseudo-certezas imaturas que atingem os pós-adolescentes tardios . Confunde sabedoria com conhecimento e não distingue conhecimento de informação. Por isso, acredita hoje no aquecimento global e amanhã há-de acreditar no arrefecimento global. O neo- verde é evolucionista desde o Big Bang e além disso conseguiu a proeza de simplificar para dois a complexa fórmula dos três R’s – o entendimento neo-verde é que quem recicla, reduz !

Pode-se pois dizer que a cultura neo-verde se caracteriza por uma espécie de neo-provincianismo invertido. Explico: ele sabe exactamente o que é preciso fazer para salvar o planeta, mas não faz ideia de como se semeia um alho. No entanto, se colocado perante esta dificuldade, o neo-verde tem sempre a resposta pronta: “ esse tipo de questão não é linear, tem contornos mais complexos e outro tipo de implicações, e por isso não deve ser abordada de uma forma simplista sem antes se proceder a uma avaliação integral de todos os impactos”. E o alho, agradece!

O neo-verde não prescinde da janela panorâmica na marquise, mas quando tiver dinheiro quer equipá-la com vidro duplo. O neo-verde é consumidor de Actimel e está na expectativa de que brevemente a ciência torne biodegradáveis as respectivas garrafinhas. O neo-verde está em permanente dieta de hidratos de carbono, e por isso não vê inconveniente em que com trigo se produza etanol para os motores a gasolina.

Contrariamente ao demodé verde-contestatário, a personalidade neo-verde é por natureza conciliadora: acredita no valor do consenso como menor denominador comum para um futuro melhor, e pauta-se por princípios de uma saudável flexibilidade. Por exemplo: se tiver que optar entre qualquer questão verde e o cheque do fim do mês, o neo-verde encontra sempre forma de ficar com o cheque !


Ambientalmente falando, o neo-verde é ejaculador precoce, isto é, anda sempre tão excitado com a questão que ao mínimo estimulo debita verdura, deixando o interlocutor sempre insatisfeito. Exemplo: o neo-verde é exímio em conceitos éticos, mas chega sempre atrasado às reuniões.

Para além disso o neo- verde tem bons hábitos sociais e hobbies sustentáveis, tipo sócio de um moto clube que promove passeios de natureza. Assim, num fim de semana soalheiro, procura um pendura tão verde-alface quanto possível, e vão em caravana ver os golfinhos ao zoomarine ou ouvir os passarinhos ao sitio das fontes. Claro que se estiver de chuva, o neo-verde fará como o comum dos mortais: mete-se com a família no monovolume do pai e vai passar a tarde ao Fórum local. Foi exactamente numa dessas tardes em que arrastava indolentemente as solas recicladas pelos reluzentes pavimentos da catedral do consumo, que o neo-verde exultou com a novidade: acabava de ganhar o Nobel !!!

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Oportunismo Ambiental

No período de frenesim industrial que se seguiu à Segunda Grande Guerra, um senhor que dava pelo nome de Ivan Iliich, predisse que os malefícios da poluição galopante rapidamente se iriam transformar em benefícios da ordem económica instalada. Na linha do pensamento de Marx, também Illich identificava nos sistemas capitalistas a sua capacidade inata de se transformar por dentro, adaptando-se a tempos diversos e sociedades distintas, graças ao seu completo vazio moral.

De facto, foi com uma facilidade estonteante que se viu os mesmos grupos que ganharam e ganham dinheiro a poluir e contaminar, passarem também a ganhar dinheiro a despoluir e descontaminar. Tudo isto, claro, sem que fosse afectado o crescimento das empresas e das economias, a quem, na verdade, tanto faz que as mais valias geradas provenham de dividendos obtidos na educação ou na saúde, como na produção e exportação de minas anti-pessoal , pois o que basicamente se pretende é que a roda não pare de girar e que, enquanto gira, consiga manter uma paz social que não afecte em demasia o essencial dos interesses instalados, ou seja, que o mundo se mantenha divido entre os que são ricos e os que, não o sendo, sonham sê-lo.

Até aqui nada de novo.

Por isso, num tempo em que todos falam de alterações climáticas, e em que o capitalismo triunfou, é com naturalidade que se assiste ao advento de uma industria de “conservação climática”, com todo o marketing mediático que, nos tempos que correm, é condição intrínseca de existência de qualquer facto, quando não mesmo o facto em si.

Com o ex-futuro presidente dos USA à cabeça, engrossa a olhos vistos o número daqueles que são contra o aquecimento global, por Quioto, contra a desflorestação da Amazónia, pelo regresso da neve ao Kilimanjaro, contra o buraco do ozono e a favor das baleias de bossa, etc e tal...Engrossa e ainda bem que engrossa. É provável que o Planeta agradeça tanto deslevo, mas quem seguramente já está agradecido e muito, são tantos quantos já se posicionaram para as novas soluções de produção de energia, desde as eólicas ao bio diesel, para falar apenas destes.

Energias limpas ? Não é tanto assim! Os componentes estruturais dos aerogeradores ou dos painéis foto voltaicos não são feitos a partir de minérios renováveis ou de minerações limpas, nem as oleaginosas a partir das quais se quer produzir o bio diesel deixam de ser um produto da agricultura industrial e esgotantes dos solos em que se cultivam, nem os biocombustiveis são isentos de emissões de gasos poluentes. Como qualquer outra actividade humana, também estas têm impactos, e os impactos tendem sempre a ser subestimados.

O que efectivamente se está a passar é que a acepção ecológica da sustentabilidade foi completamente tomada de assalto e reconvertida pelo discurso ultra liberal do capitalismo moderno, que lhe transmite uma acepção pragmática que a todos faz sentido: “sustentável” passou assim a ser a politica capaz de nos permitir ganhar muito dinheiro hoje, amanhã, e sempre, seja à custa do aquecimento global ou do arrefecimento global.

Neste “ambiente”, sempre que são chamados a intervir sobre estas questões, os ilustres “cientistas” em voga parecem afectados por dois fenómenos concomitantes: o primeiro é de falta de perspectiva, eventualmente ofuscada pelos projectores dos palcos para onde foram catapultados pelo interesse comercial dos média, e o segundo é uma irresistível deriva ovina que os inibe de tentar sequer remar contra esta maré de evidências mediáticas.

A propósito de questões paralelas a estas, Meira lembrava há tempos um provérbio popular da sua Galiza natal, segundo o qual “só os peixes mortos não nadam contra a corrente”. O caso é que existem algumas noções essenciais que deveriam ser transmitidas com alguma clareza e o rigor que a ciência deve exigir de si própria. Nomeadamente, que as variáveis climáticas não são constantes ( por isso mesmo se chamam variáveis), que trinta anos é o mínimo para caracterizar alterações consistentes no comportamento de um clima ( e ainda assim não é mais que um mínimo convencionado…), e que as alterações das técnicas, dos equipamentos ou dos contextos micro-climáticos em que os dados são recolhidos interfere necessariamente na sua natureza e portanto na sua comparação.

Se as coisas fossem postas nestes termos, provavelmente nem sequer haveria noticia, mas sejamos claros e honestos : a média das máximas do mês de Agosto de 1933, calculada com base nas leituras “a olho” de um avençado do Instituto Superior de Agronomia na Tapada da Ajuda, não é rigorosamente comparável à média de Agosto de 2006, obtida por leituras de terminais digitais na Portela de Sacavém, e os critérios que suportam a validação desses dados para integrar as séries estatísticas que alimentam os modelos matemáticos sobre os quais depois se extrapola, não são mais que isso - critérios! Da mesma forma não parece muito fiável a avaliação da performance da calote Árctica quando em cima da mesa estão elementos de monitorização tão dispares para a comparação como fotografias de satélite actuais e…coisa nenhuma ! A verdade é que ninguém faz ideia se em 1900 já havia buraco de ozono na Antártida, ou se no sec XVIII não terá havido um período qualquer em que a neve também desapareceu do Kilimanjaro !!!

Parece ser facto que o clima, como quase tudo na Terra, nunca foi estático ! Mas ainda assim as dinâmicas de mudança climática que se inferem em passados ainda recentes e noutros anteriores à presença do Homem, não conseguem ser explicadas senão por edifícios de hipóteses em que é impossível determinar com exactidão o peso relativo das varáveis em presença. A realidade é que o conhecimento concreto dos mecanismos que presidem a essas alterações, não existe.

Quer isto dizer que nada se passa e nada deve ser feito para reduzir os impactos das actividades humanas ? Nada disso!! E se a questão da motivação para a mudança pode considerar-se secundária face à amplitude dos problemas, o mesmo não sucede em relação à perspectiva em que se realiza essa mudança, sob pena de continuar tudo na mesma.

Sob a tremenda pressão humana que canaliza parte muito significativa dos recursos e da energia para utilizações perfeitamente supérfluas, ninguém questiona o modelo( leia-se, sociedade de consumo ), apenas os seus efeitos. Interpretando como problemas as suas consequências ( leia-se, eventual aquecimento global, por exemplo ), os sectores ditos esclarecidos das sociedades ocidentais, reagem com paliativos de consciência e aplaudem o Nobel de Al Gore com o mesmo tipo de atitude com que se põe o vidro no vidrão e o papel no papelão. Mas não se reformula uma virgula nas bases conceptuais que estruturam culturalmente os modos de vida, que é como quem diz, o consumo do vidro, do papel, ou da energia em geral. E isso sucede apenas porque desagrada ao comodismo corporativo que se generalizou ou também graças aos superiores interesses dos grandes grupos económicos que habitam nos meandros mais íntimos do poder e para quem o caminho da redução é uma parte inaceitável da estratégia dos três R’s ?

Sejamos claros: para a dinâmica da perspectiva capitalista da economia, reduzir consumos do que quer que seja, não é opção. E de cada vez que se chega a um impasse de crescimento, o marketing inerente ao sistema dispara avidamente na procura de outros patamares de retoma. Se se tiver que montar no aquecimento ou no arrefecimento global, é indiferente. Até pode ser que o Planeta agradeça os impactos marginais que dai decorram, mas não nos tomem por ingénuos! O oportunismo é o ADN do capitalismo. Foi esta a mensagem de Davos, foi esta a mensagem que o altruísmo ambientalista do senhor Al Gore deixou há tempos em Lisboa a troco da bonita soma de 200.000€ : a eventualidade das alterações climáticas é uma oportunidade de negócio e, portanto, chegou a vez do ambiente voltar a render! Seja especulando no mercado internacional do carbono, seja promovendo os modelos híbridos da Lexus, ou dando a cara por fitas catastrofistas na melhor tradição Hollywoodesca!

A grande maioria dos problemas ambientais que hoje se identificam, apresentam uma forte correlação com a actividade humana e, embora dessa correlação não seja legitimo inferir causalidade, eles são os mesmos que estando tipificados há décadas podem ter interferência directa naquilo que se perspectiva como “alterações climáticas”. Mas daí a preterir a solução de problemas concretos e bem identificados como a degradação dos solos e dos recursos hídricos, a desflorestação e a desertificação, a depredação dos oceanos, o sobrepovoamento, a pressão sobre os litorais, a gestão irracional da energia, nada fazer nesses domínios e, de repente, eleger o eventual aquecimento do clima como “o problema” por excelência, vai a toda a diferença que existe entre a hipocrisia e a honestidade, que é como quem diz, entre atacar a raiz dos problemas ou perder tempo e recursos discutindo o fait-divers das suas consequências.
Admito que haja quem se envolva nestas dinâmicas de boa fé e espírito de cruzada. Admito mesmo a existência de muitos especialistas que, na boa tradição do “funil pensante”, encaram estas questões com o mesmo entusiasmo idiota com que se dedicam a conjecturar sobre a forma física de eventuais criaturas que habitam os sistemas planetários que residem nos antípodas desta galáxia. Admito até que o comum dos mortais que se preocupa de forma abstracta com as alterações do clima encare pacificamente como inevitáveis a maioria das suas práticas diárias que contribuem para esses fenómenos. Mas não são essas as máquinas que fazem girar o Mundo em que habitamos. É o poder ! E o poder do tempo presente é capitalista. Como Illich já sabia, o capitalismo será tudo o que quisermos, menos ingénuo ! E no mundo da “ciência” como no mundo da “politica” ou dos “média”, são infelizmente muito poucas as consciências que não têm um preço, que até pode muito bem ser o Nobel !

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Evolui ou Morre

Por uma daquelas coincidências perfeitamente fortuitas e que não vem ao caso, há dias dei por mim folheando os manuais escolares de biologia e geologia para o 3º ciclo do ensino básico. E ontem mesmo, caiu-me nas mãos, em edição de bolso da Europa América sob o título “ Evolui ou Morre”, um trabalho de Phil Gates muito bem traduzido por Isabel Sequeira.

Goste-se ou não da ideia, o facto é que alguns de nós nascem ou crescem mais capacitados para certas tarefas que outros. E o exercício da criatividade na escrita, como em qualquer outra área, não é para quem quer mas para quem pode.

Por isso mesmo há pessoas excelentes em desenvolver trabalhos de investigação aplicada que são incapazes de vulgarizar convenientemente uma vírgula que seja, e outras que, incapazes da disciplina metódica necessária ao exercício da ciência, dominam as metáforas capazes de dizer o indizível.

“Evolui ou Morre”, além de ser escrito por um comunicador nato, revela a necessidade de se compreender e dominar a matéria sobre a qual se escreve antes de partir à sua abordagem, e desmonta a tese de que uma imagem vale por mil palavras. Valerá! Mas ainda há palavras que valem por mil imagens!

Ora os manuais escolares que referi, embora profusamente ilustrados e com uma qualidade gráfica que deve ter orçado os olhos da cara, não revelam essa necessária sensibilidade para estabelecer claras fronteiras entre o essencial e o acessório, o que deixa supor sérias dificuldades de compreensão dos seus autores em relação ao que é efectivamente importante para que um jovem compreenda o mundo em que se insere. E isto numa fase da vida e num tipo de ensino em que a contextualização deveria ser bem mais importante que a especialização.
Será este o motivo pelo qual esses manuais se refugiam na imagem? Não sei. Mas preocupa-me quando se usa e abusa da imagem numa abordagem do ensino como se ele fosse uma gigantesca campanha de marketing e, como tal, atraente mas redutora.

E a pergunta impõe-se: estaremos assim a gerar um novo tipo de iliteracia em que o real só existe na medida do que foi ilustrado e descrito, mas que é simultaneamente inidentificável ao olhar?! É que cada dia mais me cruzo com pessoas “vidradas” em magníficos manuais ou guias de viagens, que são capazes de estar com o monumento “descrito e ilustrado” a um palmo do nariz e não o identificam! Mais: são capazes de percorrer meio mundo para ir “ver” algo que afinal também existe mesmo ao lado da casa onde moram, mas em que nunca repararam porque não está “documentado”!

A realidade é que, cada vez para mais pessoas nesta nossa cultura, o conhecimento se transformou apenas numa enorme abstracção! Estaremos nós a criar uma cultura de analfabetos do ver e do fazer? Será que os professores das novas gerações não se incluem já, eles próprios, nesse novo grupo? Será por isso que o ensino em Portugal anda como se sabe? Ou serão os decretos ministeriais que obrigam os professores a não perceber a realidade que os envolve e como tal a usar casos da Indochina para ilustrar e dissertar sobre o que é uma “zona húmida”?!

Nesta acepção “ Evolui ou Morre “ é também uma magnífica metáfora cuja leitura recomendo vivamente aos professores, nem que seja só para ocuparem os dias de greve!

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Paisagens Alternativas ?

Há por aí uns cromos chamados ecologistas que têm o mau hábito de mandar umas bocas sobre o exagero dos consumos de quase tudo e nomeadamente de energia. Isto para grande irritação de todos os progressistas que objectivamente não entendem como é que ainda pode haver quem se imagine a gastar menos do que quer que seja !
Se já assim somos os mais atrasados da Europa, que seria da nossa sociedade se o consumo não crescesse para nos tornar mais desenvolvidos, não é verdade ?! É por isso que estes cromos, os ecologistas, apesar de até poderem ser simpáticos, têm vindo a ser trocados por outros, muito mais razoáveis, que se chamam “neo-verdes” e que, sim senhor, trazem na bagagem um discurso mais razoável e uma infinita panóplia de soluções, ideias fresquinhas, acabadinhas de inventar, com as quais nos garantem que é possivel transformar os problemas ambientais em "novas janelas de oportunidade".
É o caso das energias alternativas !

Como se sabe, nesta corrida atrás do bem estar e do progresso, a sociedade ocidental atingiu necessidades e níveis de utilização de energia assinaláveis. E ainda bem!
Graças à santa aliança entre o marketing, a ciência e a técnica, tem sido possível descobrir e comercializar novas soluções de utilização de energia, sem as quais ainda estaríamos no tempo dos macacos. Falo de coisas tão imprescindíveis como os conhecidos descascadores-fatiadores-automáticos de batatas, só para dar um exemplo .

Só que com tanto uso, o petróleo mirra de dia para dia, e daí que haja quem se atarefe, e bem, a procurar alternativas para as fontes clássicas, cuja escassez ameaça o tal desenvolvimento sustentável da malta, seja lá isso o que for !

Portanto, tem sido com naturalidade que entrou no discurso corrente de qualquer frequentador de café a questão das energias alternativas. Os telejornais das oito aí estão para esclarecer a rapaziada de que não há nada que não tenha solução. Assim o Governo o queira e daqui a meia dúzia de meses teremos carros à vela, navios a biodiesel, jactos a energia solar e por aí adiante.

Paulatinamente, a cumeada das serras começa pois a ficar definida por aerogeradores, que fazem as vezes dos moinhos de vento, entretanto desaparecidos por entre escombros de ruínas ou reconvertidos para unidades de turismo rural. Onde ainda havia levadas e azenhas, vão haver barragens e centrais hidroeléctricas. Nos campos do Alentejo crescem painéis fotovoltaicos onde antes cresciam searas e, se depender da GALP, o que sobra está em vias de ser reconvertido à produção de girassol para biodiesel, girassol que, como se sabe, até tem flor, tendo por isso uma mais valia significativa em relação ao trigo, nomeadamente na perspectiva do turismo. Quem tem por hábito ir assistir ao pôr-do-sol no mar, não faltará muito para que comece a ir assistir ao pôr-do-sol … nos geradores de ondas ou nos aerogeradores em off-shore. E só não se vê de novo a rapaziada por essas serras a apanhar esteva para as centrais de biomassa porque, ao contrário do que acontecia antigamente, quando a esteva era apenas lenha e ainda não era uma fonte de energia alternativa, o esforço físico é coisa que nas sociedades desenvolvidas se deve fazer apenas nos locais próprios, que são os ginásios, como se sabe !

Estamos pois na iminência da refundação da própria poética. Sophia, se cá voltasse, já não poderia rimar com propriedade o mar que avistava da janela que se abria sobre o seu jardim, se não recorresse a qualquer metáfora alternativa relacionada com as várias soluções para a obtenção de energia que entretanto devem estar a crescer entre o jardim da Sophia … e a linha do horizonte !
Portanto, a paisagem, tal como a conheciamos, caminha a passos largos para a condição de cenário dos clássicos do cinema, sendo substituída pela projectada alternativa, já em parte executada, de cenário de argumento de ficção científica.

Toda a paisagem?

Toda, talvez não !

Tal qual na antiga Gália do tempo de Astérix, talvez se safem umas pequenas parcelas vedadas que poderão resistir aos invasores graças à poção mágica do estatuto de Parque Natural. Estes, estão a ser transformados numa espécie de museus ao ar livre, onde se poderá ver paisagens e vida semi-selvagem como quem vê pintura, escultura, o Monte de S. Michele, Treblinka, ou…qualquer outra coisa com interesse turístico. Assim haja com que pagar as entradas, que os bilhetes já estão a imprimir.

Sendo este o nosso paradigma , pois claro que estamos no caminho certo, e portanto venham daí as alternativas ! Sobra no entanto um pequeno problema . São os tais ecologistas que se metem a fazer contas e, dizem eles, mesmo todas juntas, as alternativas não chegam nem para abrir e fechar as portas automáticas, quanto mais para mover as passadeiras rolantes ou accionar as escovas de dentes ! E eu, que tenho para mim que onde há fumo há fogo, fico preocupado ! Diabo !... Será que estamos mesmo tramados quando o petróleo der o berro ??...

sábado, 3 de novembro de 2007

A GALP e o Biodiesel


Ferreira de Oliveira, CEO da GALP, deu há algum tempo longa entrevista ao Expresso. Falou da empresa e dos seus projectos de futuro e, entre eles, da utilização dos chamado biodiesel.

Ficou-se a saber que o Governo Português pretende atingir em 2010 o objectivo de incorporar no consumo de diesel 10 % de combustíveis de origem vegetal. E é ainda o Presidente da Galp quem informa que, para atingir na mesma altura o objectivo Europeu, ou seja, 5,75 % de incorporação, necessitaríamos de qualquer coisa como 600 mil toneladas de biodiesel , ou seja, e ainda segundo as contas da Galp, uma área cultivada de 500 a 700 mil hectares.

Trocando estes números por medidas identificáveis, chega-se a algumas conclusões interessantes. Desde logo que, para conseguir incorporar no consumo nacional de diesel 5 % de óleos vegetais, Portugal precisaria de cultivar anualmente com oleaginosas algo mais que…todo o Algarve! Por conseguinte, para o objectivo nacional de 10 % de incorporação em 2010, toda a superfície agrícola útil existente a sul do Tejo não seria suficiente!

O potencial do biodiesel, para constituir uma alternativa credível ao diesel convencional, fica bem ilustrado nesta imagem: se o objectivo fosse o de suprir a 100% o consumo deste pequeno país periférico com apenas 10 milhões de habitantes que é Portugal, imagine-se toda a península Ibérica cultivada para o efeito e…não chegava !

Os assessores da Galp, do Governo, ou de UE, seguramente já fizeram estas contas e reportaram aos respectivos CEO’s que não há terras agrícolas que suportem sequer o objectivo dos 10 %. E não é só uma questão de área! É também a impossibilidade técnica de repetir ano após ano, na mesma parcela, uma cultura esgotante como é a das oleaginosas. Além disso, mesmo com fertilizações químicas consecutivas, não são todos os solos os que permitem as produtividades pressupostas para atingir o volume de produção pretendido.
No caso de Portugal e de todos os países do Sul da Europa onde impera o clima mediterrânico, acresce ainda que as poucas chuvas na época de cultivo das oleaginosas ( Primavera- Verão) colocam a questão da disponibilidade de água para viabilizar a cultura em extensões significativas.

Portanto, a pergunta impõe-se: onde andarão os terrenos capazes de realizar o “objectivo Europeu” ?

No que a Portugal diz respeito, a solução aparece logo a seguir, sob a forma de um acordo já firmado pela Galp com a Petrobrás para o cultivo de 700.000 ha no Brasil, estando ainda na calha projectos semelhantes para Angola e Moçambique ! Disso mesmo nos dá conta Ferreira de Oliveira.

Fica-se com a ideia de que nos referidos países a possibilidade de produzir culturas com potencialidade para serem utilizadas como bio-combustíveis é …ilimitada! Mas não é!
Passando ao lado de considerações sobre questões centrais de ordenamento e política agrícola de territórios e países que se debatem com problemas crónicos de auto-abastecimento alimentar, convirá recordar que a maioria dos solos do hemisfério sul, pela sua natureza geológica coadjuvada pelo clima, tendem para a “latrinização” quando submetidos às práticas típicas da agricultura industrial. Dito de forma simples, degradam-se rapidamente, pois quando perdem o coberto vegetal e são submetidos a trabalhos de mobilização e de adubação sistemática, tendem a formar à superfície uma camada impermeável à água, extremamente susceptível à erosão, e onde se concentram sais minerais tóxicos para a maioria das plantas – são as “latrites”, um género de certificado de inutilidade agrícola permanente!

Dir-me-ão que os CEO’s das petrolíferas não têm que se preocupar com estas minudências. Pois! Mas então quem tem ?

Quando se chega a este tipo de questões, a tentação de abordar o tema na perspectiva do neocolonialismo é incontornável.

De facto, a ideia de exportar as actividades que ao Ocidente não interessam e importar o que não temos ou não nos interessa produzir, não é nova e vem de longe. A solo ou em joint-venture com os interesses das nomenclaturas locais, desde há muito que o Ocidente aprendeu a produzir mais barato e com menos impactos directos nos países de além-mar, tudo aquilo que se constata ser caro ou perigoso demais para produzir nos nossos quintais. Com os resultados que se conhecem: delapidação consecutiva dos recursos desses territórios, impactos ambientais inenarráveis, acréscimo das dinâmicas de dependência, rotura social e perpetuação dos ciclos de pobreza.

O argumento habitual de que se está a “criar riqueza” e a “promover o emprego” nessas paragens, devia fazer corar de vergonha os ingénuos que ainda o utilizam. Todos sabemos quem fornece a tecnologia, de onde vêm os quadros dirigentes bem remunerados, e que o emprego local efectivamente criado ou é ridiculamente inexpressivo ou escandalosamente mal pago!

Com esta história do biodiesel, voltamos basicamente ao mesmo: maquinaria agrícola da Catterpillar americana ou da Volvo sueca, operada por meia dúzia de trabalhadores locais em empresas geridas por técnicos ocidentais, propõem-se produzir na América do Sul, ou em África, as sementes de oleaginosas que a Europa pretende transformar em óleo alimentar para … suprir 5,75 % do diesel que irá queimar em motores de combustão.

Na sua essência, a noção de “sustentabilidade” que anda por aí tão em voga, fica bem ilustrada por esta lógica, pois enquanto o critério para avaliar e valorizar os processos económicos, em lugar de ser determinado pelos seus fluxos energéticos, for resolvido unicamente pelos respectivos balanços contabilísticos, falar de sustentabilidade é uma inqualificável mistificação da realidade.

No caso vertente, a mistificação é tripla.
Desde logo porque se criou a ideia errada de que a queima de biocombustiveis não emite CO 2. Depois, porque a rentabilidade energética do processo produtivo do biodiesel (desde o cultivo das oleaginosas, passando pelo seu processamento industrial até ao circuito final de distribuição ) é reduzida, senão mesmo negativa. Por último, porque o protocolo técnico para a sua produção, tal como aparece gizada pelos interesses que a pretendem promover, pelos factores que envolve, pelas grandes áreas que implica e pelos consequentes impactos que suscita, e porque compete directamente com a produção alimentar, é dos melhores exemplos de insustentabilidade na prática agrícola.


Então, a produção industrial de biodiesel como suposta fonte "renovável de energia alternativa" é “sustentável” para quem ?! A única resposta que me ocorre, é que o possa ser para os accionistas da Galp…








sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Árvores-Expresso e mantinhas-SIC

Fiel ao prometido, o Expresso informava numa das últimas edições, que foram plantadas em Mafra as 18.900 arvorezinhas que alguém muito douto considerou suficientes para compensar as emissões de CO 2 que terão sido produzidas pelas edições deste semanário, durante o mês que dedicou à problemática das alterações climáticas.

Uma fotografia do Dr Balsemão de pinheiro manso em punho, e a cópia de um “certificado de boa prática ambiental”, ilustram a valia da iniciativa. Com ela, o Expresso deve ter marcado muitos pontos junto dos seus leitores, sobretudo daqueles que em devido tempo navegaram ao largo das aulas de física e química que versavam estes assuntos gasosos.

O caso é que este brilhante trabalho de gestão de imagem, que se tornou recorrente, é propício à promoção pública de algumas noções que seriam bem capazes de tirar do sério o Sr Lavoisier.

A questão do “sequestro” do CO2 é uma delas. O leitor mais distraído pode ser levado a imaginar que o dióxido de carbono ficará armazenado dentro de garrafões de água das Caldas, reutilizados, claro, todos arrumadinhos nas caves do convento, à espera que o apetite das arvorezinhas-expresso esteja de feição para consumi-lo.
O caso, no entanto, é que não há sequestro de coisa nenhuma. Uma vez libertado, o CO2 vai para a atmosfera e para onde o levar a circulação aérea. É que isto da atmosfera não é um sistema de reservatórios estanques ligados por gasodutos. Por isso, os excessos de emissão de gases com efeitos de estufa, e entre eles do CO 2, não é uma situação que se resolva com “aprisionamentos “ intencionais, para depois ir libertando "à-la-carte”, como sugere a magnifica metáfora do “sequestro”. O que está em causa é um volume de emissões que aparenta ser muito superior à capacidade dos ecossistemas naturais para o reter. E é exactamente não haver onde o “guardar” que pode potenciar o chamado efeito de estufa.

Depois, há a questão das árvores que consomem CO2. Quem se distraiu no capítulo da fotossíntese, pode ser levado a supor que esta é uma capacidade específica das árvores, e que nenhum outro tipo de planta, desde as margaridas às couves, consegue esse milagre. Percebe-se que a plantação de uma árvore tem um valor simbólico especial e que não ficaria bem ilustrar a reportagem com uma fotografia do Dr Balsemão, de sementeiro a tiracolo, espalhando trevos por um terreno gradado na Malveira.
A verdade é que a performance fotossintética por unidade de tempo de um prado nada deve à de uma floresta, uma vez que se trata de um fenómeno que tem a ver com superfície foliar. Já agora, esclareça-se ainda que a fotossíntese não é um processo automático, ou seja, não é logo no dia, no mês, no ano, ou na década seguintes à plantação, que as árvores-expresso irão ser capazes de digerir o CO2 que as edições do jornal produziram.

Destas considerações deriva-se para a constatação de que na realidade em que vivemos tudo tem um preço. O problema não é tanto poluir, mas saber se a actividade poluidora é suficientemente rentável para comprar direitos de emissão, pagar a multa e ainda plantar umas árvores, e com isso assegurar um excelente marketing de imagem .
O princípio do poluidor-pagador é muito simpático, mas limita-se a reeditar a antiga prática cristã da remissão dos pecados contra o pagamento de uma determinada quantia ao Papa - as chamadas Bulas Papais. Houvesse dinheiro e não haveria pecado que não merecesse indulgência Pontifícia. Voltamos basicamente ao mesmo, com a substancial diferença de que os pecados aqui em causa parecem ser auto-remissíveis - plantem-se árvores e adquire-se o direito a produzir o CO 2 que se queira !

E isto remete-nos para a última questão - a mais valia de uma boa intenção.
A postura “ambientalmente correcta” do Expresso é a mesma do pacato cidadão amigo do ambiente que, embora não prescindindo da tipologia multiempacotada dos seus consumos standarizados, que classifica de “inevitáveis”, faz questão de separar as embalagens e as coloca nos locais certos da reciclagem. Uma e outra são atitudes louváveis, mas não passam de paliativos. Distingue-as o nível de responsabilidade social.O que de facto acontece é que aos cidadãos não lhes são imprescindíveis os incontáveis descartáveis do Expresso, muito menos o famoso saco de plástico “inventado” pelo Arqtº Saraiva.
A sequela de impactos ambientais associados a estas entidades supérfluas que submergem o nosso quotidiano, e que constituem o cerne dos problemas ambientais com que nos confrontamos, vai muito para além das emissões de CO 2, e não se resolvem nem com árvores nem com certificados! Muito menos se resolvem enviando a D Fátima Lopes com umas mantinhas-SIC anti-arrefecimento global para distribuir pelos meninos de um dos muitos países de África, para onde a nossa indústria envia para “sequestro” os resíduos industriais perigosos que não queremos co-incinerar em lado nenhum !



"Bombas Inteligentes"

Se tivesse vivido os telejornais nacionais das vinte do verão passado, Kafka decerto consideraria de amador o enredo do seu tão celebrado “Processo” .

O despudor e o entusiasmo com que, sob a batuta dos pivots, as mais variadas figuras da nossa praça se entregaram à arte da adivinhação e da conjectura para elaborar complicadíssimos cenários a propósito do desaparecimento de uma menina inglesa no Algarve, mereceria ficar registado como case-study se o fenómeno não fosse recorrente.

Esta capacidade dos média de efabular e com fábulas preencher tempo de antena e resmas de papel, facilmente deriva o direito e o dever de informar, em condicionamento objectivo da opinião pública. Ao fazê-lo, acaba também por condicionar o trabalho das polícias. Mas, o que é bem pior, condiciona também a própria justiça.

Todos os Deuses do Universo livrem o comum dos mortais de ser atropelado por este género de “ conjugação persecutória” ao melhor estilo das caças às bruxas de outros tempos. Veja-se os casos da mãe e do tio da infelizmente célebre Joana, que estão “à sombra” por conta de uma condenação por homicídio …sem corpo de delito!

Quando a investigação e a justiça se fazem na praça pública por exclusiva conveniência dos superiores interesses comerciais dos média, dando boleia a sedes de protagonismo de incontáveis candidatos a “ justiceiros”, há pessoas concretas cujas vidas são desfeitas com a mais completa à-vontade. Recorde-se o caso do Dr. Paulo Pedroso. Ou então tente-se imaginar que futuro estará reservado ao Sr. Carlos Cruz, se o Tribunal o der por inocente no julgamento do processo Casa Pia.

Sobre determinadas práticas de investigação e da justiça, desde a obtenção de confissões à chapada, à prática de prender para depois investigar, passando pela necessidade medular de transformar em show-off a mais prosaica apreensão de tremoços, já estava esclarecido.

Mas era aqui que contava com os média, para desmontar estas derivas e auxiliar à instauração de uma mentalidade de primado do direito. No entanto, o que sucede é que sou confrontado com situações que me obrigam a questionar-me sobre o conceito de ética subjacente à actividade dos profissionais da comunicação social. Fiquei mais esclarecido quando aqui há tempos li uma entrevista dada a um periódico por uma celebridade do pequeno ecrã, em que declarava sem papas na lingua que, " neste mundo ( da televisão…) quem tem ética não come”. Esclarecedor!

Quanto à tão proclamada independência dos jornalistas, conviremos que mesmo que ela consiga iludir a necessidade do cheque do fim do mês, não é capaz de lidar com outros cheques. Veja-se o que sucedeu com o Arquitecto Saraiva quando resolveu meter-se com o Dr. Ricardo Salgado: xeque – mate!

Portanto, o que se pede essencialmente a um “bom jornalista da actualidade”, é que seja um bom ficcionista, que trate as questões da ética como couves, e venda o melhor possível os superiores interesses das eufemísticas mais-valias dos que o empregam, ainda que para tanto tenha que revisitar Kafka. Quais “bombas inteligentes”, o que possa suceder em consequência da sua actividade, é remetido para a categoria de “danos colaterais”.

O caso é que, por outras vias, os fascismos faziam o mesmo !

Abono de Família


O Papa bem que avisou!
Esta história da publicidade ao uso do preservativo e aos cuidados devidos à função, só podia ter dado nisto . Mais um pouco e, à semelhança do que já se passa nos maços de tabaco, ainda nos obrigam a tatuar com tinta fluorescente por cima dos genitais qualquer coisa do género do conhecido “ Fumar Mata “.
Não admira, portanto, que se nasça menos , pois , como dizia a Natália, o pessoal não “trabuca” sem o famigerado resguardo.
Não fosse isso e ainda se poderia pensar que a quebra da natalidade pudesse ter a ver com degenerescência da famosa libido latina. Mas como de qualquer modo esta tese careceria da necessária fundamentação científica, não irei propor como medida coadjuvante para a solução do problema da natalidade a distribuição gratuita pelos machos lusos da célebre cápsula azul. Tão pouco proponho que se abdique das camisinhas.
Ficaria num beco sem saída e rendido ao aumento do abono de família, se uma súbita inspiração não me levasse a reflectir esta magna questão por outros prismas.
Mas afinal, para que é que se precisa de mais gente ?!
Desempregados, fala-se em meio milhão; a carência de armazéns para velhos ou de estufas para gaiatos, é o que se sabe; os economistas, dizem que o futuro está é em actividades de alto valor acrescentado, i.é, com pouca ou nenhuma participação de mão de obra, tipo especulação bolsista; o Ministério da Educação , inclusive, já decretou que ocupações como passar a ferro ou arrumar chuteiras, não são futuro que se cheire; ao largo, há filas intermináveis de africanos a querer desembarcar numa praia qualquer da Europa ….
Então, falta gente onde e para quê ?
Para evitar a ruptura da Segurança Social ?!” Mas…qual é a diferença entre pagar reformas, subsídios de desemprego ou salários da função pública??!! Explicam-me ??
Com tanta dúvida, peguei no calhamaço da Constituição, pensando que numa das recentes revisões tivessem metido para lá um artigo que decretasse uma população mínima. Mas nada! Nem sequer a carta das Nações Unidas fala de uma quantidade de pessoas mínima para se formar uma Nação. Será o problema o abastecimento das Forças Armadas ? Não pode ser ! Pois se até se aumentou o potencial de recrutamento com a extensão da condição militar às raparigas !!
Portanto… qual é exactamente o problema de nascer menos gente ??!!
Não me digam que é de novo a questão da sobrevivência da raça ariana ??!!...
Será ??!!

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Maria Gambina


O sorriso do cartaz é bonito e está identificado como pertencendo a Maria Gambina. O décor da foto, é o de uma lavandaria. O cartaz, identifica-se como tendo sido produzido por um serviço qualquer do Ministério da Educação, está afixado nas entradas de estabelecimentos de ensino e informa quem o lê que a Gambina está ali de engomadeira porque…não concluiu os estudos!
Há Já algum tempo, uma publicidade institucional, tendo por protagonista o sr Carlos Queirós a fazer a manutenção de um recinto desportivo, e que culminava na declaração de que teria sido aquele o seu futuro se não tivesses estudado, tinha-me chamado a atenção. Tirei as minhas ilações mas, distraído, imaginei que se tratasse apenas de um daqueles fenómenos pontuais e efémeros que por isso não mereciam mais considerações. Não é assim. Estamos perante uma vasta campanha que desde logo nos ensina três coisas.
A primeira é que as profissões se dividem em dois grandes grupos: as meritórias, e as outras. A segunda, é que, quem não exerça uma das profissões constantes do inventário das “meritórias”, é um falhado. A ultima, é que a escola tem o monopólio das virtudes necessárias para alcançar o Santo Graal dos tempos modernos - menção na Forbes !
Deve-se então supor que o “sucesso” de personalidades como os Senhores Comendadores Joe Berardo ou Rui Nabeiro, advém dos seus impressionantes currículos académicos? É melhor não, pois pode supor-se mal ! Mas decerto concorda-se que uma formação académica adequada, na medida em que potencie a capacidade de especulação bolsista, a fuga ao fisco ou o contrabando, uma vez que estes são óbvios caminhos de “sucesso”, é meritória. Certo ?
Excepções à parte, está pois assente que, não há “saber”, não há “cultura”, não há “conhecimento”, que seja possível apreender fora do espaço da escola. Nem mérito que possa advir de conhecimentos adquiridos num espaço familiar cuja actividade profissional não se inscreva na lista “das de mérito” ! Portanto, deveremos interiorizar como normal que, na sociedade “desenvolvida” que pretendemos, constituída por cidadãos ”letrados” e de “sucesso”, haja tarefas e ocupações “menores” que, como tal, devem ser exclusivamente desempenhadas por emigrantes ucranianos ou cabo-verdianos. É isto ?
Se é, ocorre-me recomendar aos inúmeros licenciados que temos e que não conseguem encontrar colocação compatível no mercado de trabalho, que é preferível dar o nome para o subsidio de desemprego e ficar em casa do que…ganhar honradamente o sustento numa lavandaria ou na manutenção de um balneário e serem etiquetados de..falhados ! Correcto ?
Assumidamente, estamos pois a evoluir para um sistema de castas. Não me admiraria se a breve trecho a AR resolvesses legislar sobre quem deve ser considerado “intocável”, e respectivos conteúdos funcionais. Já sabemos que os varredores de estádios e as engomadeiras das lavandarias vão lá estar. Resta saber quem se segue. Os balconistas? Os empregados de mesa? Os agricultores?
Pois ! …
Como depreendo que quem afixou o cartaz da Gambina nas escolas, não tenha sido a Senhora Ministra da Educação, e como duvido que seja possível a permanência de cartazes nos espaços públicos das escolas públicas sem o conhecimento e anuência dos respectivos conselhos directivos, deduzo que estes subscrevem o subtexto do cartaz. E como não vejo que os professores que ali exercem a docência se manifestem em contrário, deduzo ainda que também assinam por baixo.
Fico perplexo, e explico porquê.
Então, a mesma classe, a dos professores, que se atira ao Ministério com tudo o que tem, exigindo o respeito que diz lhes ser devido, é a que convive pacificamente com esta absurda falta de respeito pelas profissões operárias?! Que ética é a de quem permite que a sementeira deste inqualificável estigma da marginalidade social seja culturalmente difundido dentro do espaço eminentemente democrático que devia ser a escola ?!
Estamos bem aviados, Maria Gambina !!!

Bellini, segundo Calado.

Bellini, segundo Calado !

Entrevistando Cecilia Bartoli, Jorge Calado, melómano confesso, admite a certa altura que, quando ouviu pela primeira vez a ária “Casta Diva” da Norma de Bellini, que ela interpreta de acordo com as anotações originais do compositor, não só quase não a reconheceu como…detestou !!
Mais para diante, esclarece-nos que a “audição repetida” o acabou por convencer, isto depois de reconhecer que o trabalho de Bartoli “recria o belcanto” como “ deve ter soado na altura”.
A leitura desta entrevista e dos artigos anexos, remeteu-me para reflexões sobre a apreciação estética da arte em geral. Afinal, gostamos genuinamente das criações artísticas que nos são propostas, sejam elas literárias, musicais, pictóricas, performativas, ou o que quer que sejam, ou…”aprendemos a gostar”? Mais: este “aprender a gostar”é ele próprio o resultado duma evolução da nossa sensibilidade ou…uma “construção” do “eu social” para uso das exigências específicas de uma época ou de um grupo ?
Confesso algumas dificuldades de isenção na abordagem desta temática, uma vez que sempre me irritaram solenemente as “vacas sagradas” em geral, e em particular as que ruminam nos complexos pastos da cultura que se auto-denomina “erudita”.
A necessidade de certos grupos em reconstruir permanentemente elementos de diferenciação que suportem as suas reivindicações elitistas, leva-os, nesse processo, a deitar a mão ao que quer que seja. Não é de estranhar, por isso, que formas de expressão artística que no seu tempo e contexto estariam para as elites ao nível a que hoje elas colocam a dita música pimba, se vejam, de repente, “reinventadas” e promovidas para patamares de excepção a reboque de adjectivações tão opacas quanto ocas, em que se especializam alguns dos guardiões do “bem pensar”.
O fado, à semelhança do jazz, ou como certa ópera, são bons exemplos. Há poucas dezenas de anos, o fado era pejorativamente conotado com uma marginalidade pouco recomendável. Hoje, a elite enfatuada veste-se de gala para aplaudir em pé nos CC’s, a artista que canta em tom sofrido e pose brejeira o drama de uma Severa de má fama; e no dia seguinte, acompanha com o bater do pé o swing que serve de moldura à versão coral da revolta negra contra a exploração que lhe era imposta pelos ilustres avós dos assistentes !
Nada nos garante, portanto, que o “Bacalhau” do Quim Barreiros não venha um dia a ser acompanhado pela orquestra sinfónica da Gulbenkian , com a mesma seriedade com que já acompanha as variantes escatológicas do legado de Mozart !
Se é verdade que se admite não ser razoável apreciar a produção artística apenas com base num crivo de qualidades objectivas, sejam elas técnicas ou estéticas, e que o “gosto”, sendo necessariamente cultural, também muito deve á sensibilidade de cada um, não deixa de ser um facto que, neste tempo de “prêt-à-porter, ”a ordem económica instalada vive de marcas, e a sociedade estrutura-se em função das respectivas etiquetas - é mais simples !
Um rabisco num guardanapo de papel deixa de ser apenas o que é – um rabisco – se tiver sido produzido pelo punho do Picasso ! E Picasso…é Picasso !!
Aqui há uns tempos, cometi a imprudência de comentar com uma amiga, que não sou admirador da obra poética de Pessoa ! Escândalo! Estive à beira do fuzilamento cultural!
- Pessoa ?! Por amor de Deus !!!...Pessoa é dos maiores expoentes da poesia!!!...Mas será que estamos a falar do mesmo Pessoa??!!
Retirei-me da contenda mas não me rendi, e passados alguns meses enviei-lhe a transcrição de alguns poemas tirados ao acaso da obra de Álvaro de Campos.
- Então, que tal ? – Inquiri casualmente alguns dias depois .
- Eh !...… é um estilo que não me diz muito…são de quem ??
Foi deste episódio que me recordei quando li as peças do melómano Jorge Calado. Não é difícil imaginá-lo num diálogo similar com a Bartoli.
- Gostou desta ária ??
- Não ! Para ser franco, detestei! É de quem ??
- É a “Casta Diva”, da Norma, de Bellini, interpretada por mim de acordo com as anotações originais…
- Bellini ?!...sim, claro…que disparate!!...posso ouvir outra vez ??

- Ah, sim, claro !!!..Bellini…que talento !!!..E que interpretação… a forma como sustenta aquele dó agudo duas oitavas abaixo do par do campo … Magistral !!
A sociedade GPS já não é capaz de reconhecer a Estrela Polar num céu de Agosto. Precisa de vozes, guias, intérpretes, setas, legendas. Por isso, durante os concertos, procuram-se avidamente nos textos de apoio oportunamente distribuídos, mais que razões para gostar das peças, que muitas vezes nada dizem às emoções, argumentos de suporte para a inevitável troca de comentários no foyer, durante o intervalo. Os concertos, não se ouvem – lêem-se! Pessoa, não se lê – aprende-se! A Guernika, não se vê – comenta-se! As revistas especializadas simplificam-nos a vida, listando os léxicos, os autores, as referências a que se deve recorrer para projectar uma imagem “up-date” em relação às mais variadas temáticas, pois é assim que nos distinguimos da mediania!
Esta a lição de Calado !