sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Árvores-Expresso e mantinhas-SIC

Fiel ao prometido, o Expresso informava numa das últimas edições, que foram plantadas em Mafra as 18.900 arvorezinhas que alguém muito douto considerou suficientes para compensar as emissões de CO 2 que terão sido produzidas pelas edições deste semanário, durante o mês que dedicou à problemática das alterações climáticas.

Uma fotografia do Dr Balsemão de pinheiro manso em punho, e a cópia de um “certificado de boa prática ambiental”, ilustram a valia da iniciativa. Com ela, o Expresso deve ter marcado muitos pontos junto dos seus leitores, sobretudo daqueles que em devido tempo navegaram ao largo das aulas de física e química que versavam estes assuntos gasosos.

O caso é que este brilhante trabalho de gestão de imagem, que se tornou recorrente, é propício à promoção pública de algumas noções que seriam bem capazes de tirar do sério o Sr Lavoisier.

A questão do “sequestro” do CO2 é uma delas. O leitor mais distraído pode ser levado a imaginar que o dióxido de carbono ficará armazenado dentro de garrafões de água das Caldas, reutilizados, claro, todos arrumadinhos nas caves do convento, à espera que o apetite das arvorezinhas-expresso esteja de feição para consumi-lo.
O caso, no entanto, é que não há sequestro de coisa nenhuma. Uma vez libertado, o CO2 vai para a atmosfera e para onde o levar a circulação aérea. É que isto da atmosfera não é um sistema de reservatórios estanques ligados por gasodutos. Por isso, os excessos de emissão de gases com efeitos de estufa, e entre eles do CO 2, não é uma situação que se resolva com “aprisionamentos “ intencionais, para depois ir libertando "à-la-carte”, como sugere a magnifica metáfora do “sequestro”. O que está em causa é um volume de emissões que aparenta ser muito superior à capacidade dos ecossistemas naturais para o reter. E é exactamente não haver onde o “guardar” que pode potenciar o chamado efeito de estufa.

Depois, há a questão das árvores que consomem CO2. Quem se distraiu no capítulo da fotossíntese, pode ser levado a supor que esta é uma capacidade específica das árvores, e que nenhum outro tipo de planta, desde as margaridas às couves, consegue esse milagre. Percebe-se que a plantação de uma árvore tem um valor simbólico especial e que não ficaria bem ilustrar a reportagem com uma fotografia do Dr Balsemão, de sementeiro a tiracolo, espalhando trevos por um terreno gradado na Malveira.
A verdade é que a performance fotossintética por unidade de tempo de um prado nada deve à de uma floresta, uma vez que se trata de um fenómeno que tem a ver com superfície foliar. Já agora, esclareça-se ainda que a fotossíntese não é um processo automático, ou seja, não é logo no dia, no mês, no ano, ou na década seguintes à plantação, que as árvores-expresso irão ser capazes de digerir o CO2 que as edições do jornal produziram.

Destas considerações deriva-se para a constatação de que na realidade em que vivemos tudo tem um preço. O problema não é tanto poluir, mas saber se a actividade poluidora é suficientemente rentável para comprar direitos de emissão, pagar a multa e ainda plantar umas árvores, e com isso assegurar um excelente marketing de imagem .
O princípio do poluidor-pagador é muito simpático, mas limita-se a reeditar a antiga prática cristã da remissão dos pecados contra o pagamento de uma determinada quantia ao Papa - as chamadas Bulas Papais. Houvesse dinheiro e não haveria pecado que não merecesse indulgência Pontifícia. Voltamos basicamente ao mesmo, com a substancial diferença de que os pecados aqui em causa parecem ser auto-remissíveis - plantem-se árvores e adquire-se o direito a produzir o CO 2 que se queira !

E isto remete-nos para a última questão - a mais valia de uma boa intenção.
A postura “ambientalmente correcta” do Expresso é a mesma do pacato cidadão amigo do ambiente que, embora não prescindindo da tipologia multiempacotada dos seus consumos standarizados, que classifica de “inevitáveis”, faz questão de separar as embalagens e as coloca nos locais certos da reciclagem. Uma e outra são atitudes louváveis, mas não passam de paliativos. Distingue-as o nível de responsabilidade social.O que de facto acontece é que aos cidadãos não lhes são imprescindíveis os incontáveis descartáveis do Expresso, muito menos o famoso saco de plástico “inventado” pelo Arqtº Saraiva.
A sequela de impactos ambientais associados a estas entidades supérfluas que submergem o nosso quotidiano, e que constituem o cerne dos problemas ambientais com que nos confrontamos, vai muito para além das emissões de CO 2, e não se resolvem nem com árvores nem com certificados! Muito menos se resolvem enviando a D Fátima Lopes com umas mantinhas-SIC anti-arrefecimento global para distribuir pelos meninos de um dos muitos países de África, para onde a nossa indústria envia para “sequestro” os resíduos industriais perigosos que não queremos co-incinerar em lado nenhum !



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