O desenho conceptual das tecnologias associadas à exploração energética das fontes ditas renováveis, encaixa num modelo de cultura e organização social e económica que não tem nada a ver com o funcionamento do actual paradigma civilizacional do ocidente.
Em anteriores oportunidades coloquei a tónica nas questões de escala, ou seja, da dimensão física que lhes seria requerida para corresponderam às enormes produções que lhes seriam exigidas para se afirmarem como alternativa efectiva aos combustíveis fósseis, bem como dos impactos inerentes. Mas elas têm outras limitações. Particularmente uma natureza caprichosa, que tentarei esclarecer e ilustrar dentro das limitadas possibilidades do meu domínio destas matérias.
O caso é que a gestão convencional da produção de energia da modernidade ocidental assenta num esquema simples. De um lado coloca-se um reservatório onde se acumula a fonte (montanha de carvão, barragem cheia ou super-petroleiro) e do outro o mecanismo que a transforma (central térmica, turbina hidráulica, motor de combustão) em electricidade, calor, movimento. Desde que os reservatórios estejam abastecidos, a produção decorre de acordo com as necessidades do utilizador.
Como é que o utilizador estabelece essas necessidades? Segundo pressupostos de disponibilidade permanente. Isto é, a lâmpada deve acender independentemente da hora a que eu resolva accionar o interruptor. Apenas isso? Não! Além dessa disponibilidade permanente, exige-se ainda elevada performance, quer dizer, elevada capacidade de produzir trabalho, o que implica não apenas um fluxo contínuo, mas um fluxo contínuo de elevada potência. Ou seja, o sistema tem que estar preparado para responder à minha decisão aleatória de neste momento ter apenas uma luz acesa ou, ao mesmo tempo, as máquinas de roupa e loiça, a TV e o ar condicionado.
Ora neste aspecto o abastecimento de electricidade não é como o abastecimento de água! Neste, basta controlar o nível do reservatório, pois com a rede em carga eu uso a água (abro e fecho a torneira) à medida das minhas necessidades igualmente aleatórias, mas a água só corre quando eu abro a torneira ( sistema fechado) e só depois disso se enche de novo o depósito. No caso da electricidade não é assim, pois não há “reservatório” cheio de electricidade. De facto, embora o meu contador só se mova quando eu acciono o interruptor, para que eu disponha de corrente no sistema a electricidade tem que estar a ser permanentemente gerada, seja usada ou não, acontecendo que a que não é não volta a qualquer reservatório – perde-se apenas ( sistema aberto )! Voltando à comparação com o subsistema água, seria como se para dispor de água eu tivesse que ter sempre a torneira aberta.
É em relação a este pressuposto de abastecimento ( fluxo continuo de elevada potência ), que é estruturante da produção de energia eléctrica, que as tecnologias mais em voga no uso das renováveis revelam o seu grande handicap: o temperamento caprichoso e aleatório das respectivas fontes. Ou seja, não é possível accioná-las á la carte de acordo com as necessidades do utilizador, pois não se encomenda vento, sol, chuva ou ondulação marítima.
A solução ideal seria armazenar a energia que se pode produzir quando Hélios, Éolo ou Neptuno estão para aí virados. Mas como ainda não foi inventada uma super-bateria capaz disso, os campos de aerogeradores ou de painéis fotovoltaicos arriscam-se a trabalhar inutilmente sobre “vazios” de consumo e a estar parados nos respectivos “picos”. Quer dizer, são sistemas que não dão quaisquer garantias de conseguir gerar fluxos contínuos de energia e por isso não são capazes de assegurar o funcionamento do modelo de consumo instalado.
De facto, o “metabolismo” energético do modelo de ordenamento vigente, centrado nas grandes aglomerações urbanas, não se compadece com o temperamento instável das divindades “alternativas”. Em 2007, por exemplo, o parque eólico da EDP ficou-se pela produção de 24% da potência instalada (cerca de 500 Mw). Desta produção não encontrei dados publicados relativos à sua distribuição sazonal e destino. Mas em Dezembro e Janeiro últimos ( período de pico de consumos devido à procura de energia para aquecimento ) é público que o parque eólico nacional esteve praticamente parado devido à permanência sobre o território de uma extensa crista anti-ciclónica. Estas são razões bastantes para colocar em questão a utilidade ( no sentido da oportunidade da produção ) da “capacidade teórica”das alternativas instaladas.
Para que se tenha uma ideia prática, veja-se que em 2005 o consumo eléctrico só de Lisboa (cerca de 3500 GWh) correspondeu a cerca de 40 % da produção nacional de todas as fontes de energia renovável (próxima de 9000 GWh). Teoricamente poderíamos então dizer que temos energia de fontes renováveis de sobra para abastecer a Capital. Mas teria a variabilidade da distribuição desta produção sido capaz de responder aos consumos constantes da cidade ? Duvido muito !
Por conseguinte as fontes de energia renováveis actualmente em exploração, devido à variabilidade intrínseca à sua natureza, estão vocacionadas para funcionar numa lógica de complementaridade, sim, mas na pequena e média escala em que a produção de um fluxo contínuo de elevada potência não seja imperativo. Nessa medida o seu uso pressupõe uma filosofia de vida e de ordenamento do espaço distintas da actual. Nessas condições, o biogás, a hídrica, a fotovoltaica, a aerogeração, a biomassa ou os biocombustiveis, poderão ser capazes de reduzir custos e entropias, optimizando o seu uso como fontes de energia. Mas numa sociedade alternativa. Não nesta.