A generalidade das ideias que têm sido propostas para ultrapassar o que tem vindo a ser diagnosticado como ‘estado anémico’ da economia nacional, referem habitualmente a necessidade de obter ganhos na produtividade, de melhorar a competitividade, de desenvolver o potencial de crescimento da economia e por aí, espera-se, fomentar o emprego. Quando se fala destas questões, isso é feito como se fossem obvias para todos as origens dos problemas que se pretende resolver. Ora a discussão especifica mostra que não é bem assim. O debate politico-económico bloqueia na descrição dos factos macroeconómicos, e revela claras insuficiências no entendimento critico das dinâmicas sociais que as politicas concretas induzem a níveis mais desagregados.
Concretizo.
Há dias foi inaugurada em Ferreira do Alentejo (FA) uma unidade industrial que é descrita como um dos maiores e mais modernos lagares de azeite do mundo. Uma capacidade instalada para processar mais de 900 t de azeitona por dia produzindo qualquer coisa como 200 mil litros de azeite, são números impressionantes. Para se ter uma ideia do que isto significa repare-se que junto à Estação do Crato está em funcionamento um lagar convencional, que era modelar há 25 anos, mas que processa numa campanha o que este de Ferreira poderia processar num dia. E, dado importante, enquanto o lagar do Crato dá trabalho permanente a uma dezena de empregados e temporário (durante a campanha ) a outros tantos, ao de Ferreira do Alentejo bastam quinze pessoas para operar a unidade !
Portanto, por comparação, os ganhos de produtividade são inquestionáveis e, por arrasto, a competitividade do produto final só pode beneficiar por isso. Mas e o emprego ?
Por si só a desproporção observada nas necessidades de mão de obra bastaria para fazer soar algumas campainhas de alarme quanto ao real impacto da produtividade e da competitividade da industria, neste tempo das novas tecnologias, na resolução de problemas estruturais de excedentes de mão de obra. Mas o caso é que os efeitos das novas tecnologias no emprego na fileira do azeite, não se limitam ao sub sector da transformação.
Os 10.000 ha de novos olivais intensivos que irão alimentar o lagar de Ferreira, também estão naturalmente desenhados para maximizar a produtividade e a competitividade. Quer isto dizer que só no que à apanha diz respeito, um operador e a respectiva máquina de nova geração colhem num dia o que uma equipa de 12 pessoas colhe numa semana num sistema de mecanização convencional ( vibradores, aspiradores, crivos mecânicos, toldos…) que há 25 anos representava o topo de gama.
A comparação poderia prosseguir para montante ou para jusante porque tem inúmeras ramificações. Deixo apenas uma para exemplificar. O método de controlo de infestantes nestes olivais intensivos já não são as ovelhas , mas os herbicidas aplicados mecanicamente pelo mesmo operador que antes andou a fazer a colheita, e que é o mesmo que controla a fitossanidade e a fertirrigação. Não havendo ovelhas, além dos pastores, também tenderão a desaparecer os tosquiadores, os “roupeiros” ( fabricam o queijo ), os veterinários e por aí adiante.
Então não se mudava nada ? A questão não é essa. A mudança é inevitável. O que não é inevitável é que seja liderada pelo modelo económico vigente como se fosse uma entidade com vida própria impossível de controlar.
Enquanto nos anos sessenta e setenta do século passado a industria e depois os serviços foram autenticas ‘esponjas’ para absorver o excedente de mão-de-obra que a mecanização gerou na agricultura, a automação e a informatização que entretanto se desenvolveram estão também elas a gerar excedentes de empregos. Só que agora afectam todos os sectores de actividade e desapareceram as antigas almofadas de amortecimento.
A demografia tem tempos lentos de resposta à mudança. Esse tempos têm sido claramente ultrapassados pela velocidade que a modernidade conseguiu instalar nos métodos de produção e nos modelos convencionados de organização da economia. No caso português, ainda que o potencial de crescimento da economia possa não ter ainda sido atingido, é possível que os reajustamentos nos desequilíbrios entre disponibilidades e necessidades de mão de obra já não possam ser feitos apenas pela (re) qualificação dos trabalhadores. A tendência do paradigma económico vigente tem sido consistente: cada vez precisa de menos gente para funcionar.
No limite, este desacerto entre a economia e a demografia, não se exprime apenas no desemprego e nos custos sociais directos que acarreta, nem se resolve apenas com mais crescimento capaz de gerar receitas bastantes para assegurar á população que não encontre colocação no mercado de trabalho subsídios que lhes permitam fruir de níveis de vida aceitáveis. Esse desacerto tem outros custos que aparentemente têm sido insuficientemente ponderados. Entre eles os custos culturais de longo prazo associados às rupturas que se têm produzido com saberes consolidados nas soluções tradicionais de ocupação e aproveitamento do território. Está por demonstrar se, a prazo, o somatório desses custos não irá ultrapassar os ganhos de competitividade e produtividade que actualmente se procuram.
Ou seja, confirmando-se o que já se sabia, isto é, que os modelos económicos liberais entregam à volatilidade emocional dos mercados a regulação dos desacertos entre a dinâmica da população e a gestão dos recursos, talvez fosse sendo tempo de trazer á discussão ideias inovadoras para dar corpo a um paradigma e a um modelo de governança que, tendo as pessoas como prioridade, fosse capaz de gerir com o mínimo de rupturas a velocidade a que se processa a mudança.
A aposta na manutenção e na melhoria das condições de operação dos lagares e olivais existentes, seguramente que não iria maximizar as possibilidades que as novas tecnologias implementadas em FA trouxeram ao sector do azeite. Mas muito provavelmente desempenhariam melhor o papel de gerir de forma optimizada o processo de mudança das regiões olivícolas em que se inserem.