tag:blogger.com,1999:blog-41799336778133364972024-03-19T04:29:51.669+00:00BolinasManuel Rochahttp://www.blogger.com/profile/06353136825479182750noreply@blogger.comBlogger127125tag:blogger.com,1999:blog-4179933677813336497.post-62369510824314384232010-12-14T18:02:00.004+00:002010-12-16T15:56:37.150+00:00Economia Social e Solidária<div style="text-align: justify;">A crise instalada tem trazido à discussão a necessidade de abordagens inovadoras para a economia. A preocupação central de alguns desses ensaios vai no sentido de evitar ou diminuir os inconvenientes do granel a que se convencionou chamar economia de mercado, e nesse aspecto merecem-me incondicional adesão.</div><div style="text-align: justify;"></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Um dos discursos que tem vindo a fazer caminho, apela para a responsabilidade social e para a solidariedade das empresas. Diz que as empresas devem ultrapassar o primado da remuneração do capital investido e incorporar na sua postura preocupações de carácter social relativas ao bem-estar dos seus colaboradores e de solidariedade para com as comunidades em que se integram. Fala-se então de Economia Social e Solidária. Mas há neste discurso alguns aspectos sobre os quais julgo que vale a pena reflectir.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">O primeiro é a ênfase na distribuição, na necessidade de reflectir socialmente os resultados da actividade empresarial. Tudo indica que quando se diz “resultados” se pretende dizer “produto”. O pressuposto é, supõe-se, que se considera insuficiente a distribuição feito pelos salários e pelo Estado, nomeadamente pela via da tributação dos lucros das empresas e pela consequente prestação de serviços públicos. Então, além do eventual reforço da remuneração do trabalho e em lugar de um maior peso da carga fiscal, e por conseguinte do papel redistributivo do Estado, preconizam-se também esforços acrescidos de intervenção social directa das empresas. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">A ideia é simpática. Remete para uma maior peso da sociedade civil e das economias regionalizadas e de pequena escala na governação. Nada a opor, tudo a favor. Mas há uma questão: é que subentende-se garantido o sucesso das empresas. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Na verdade os discursos a que tenho tido acesso são omissos no que respeita à solidariedade com o insucesso das empresas ou com a possibilidade de repartição de prejuízos, e não mencionam o que quer que seja no que se refere à questão de reflectir socialmente os riscos associados à iniciativa empresarial. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">No subtexto dessa dupla omissão pode-se ser levado a intuir um certo género de preconceito, fundado no pressuposto de que todos os empresários são capitalistas e, por conseguinte, o risco é algo inerente à sua actividade. Bem, talvez não seja descabida a hipótese de que a maioria dos empresários não sejam capitalistas. Aqueles que estão vocacionados para exercer duradouramente actividade a nível local e regional, menos o serão. E para estes, talvez faça sentido questionar se será legitimo esperar-se deles níveis de suplementares de solidariedade social, quando em contrapartida não se vê que haja quem se chegue à frente para discutir a partilha dos riscos e prejuízos que, quando ocorrem, os empresário assumem a titulo exclusivamente particular.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">O segundo aspecto que gostava de abordar é a aragem de "novidade" dos discursos sobre economia social e solidária. A linguagem inovadora pode levar a esquecer ou a não reparar que há muito as ideias que incorpora estão instituídas e em lugar de relevo no nosso sistema politico-económico. Ou seja, talvez não fosse necessário pedir às empresas que se comportem como misericórdias, uma vez que as soluções institucionais para enquadrar o ideário da economia social e solidária já foram inventadas e existem. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">O direito à constituição de <strong>associações e de cooperativas</strong>, que são por excelência entidades onde se plasma na integra o ideário da economia social e solidária, há décadas que está consagrado na Constituição da República e regulamentado na Lei. E em rigor não se pode dizer que as associações e cooperativas não tenham expressão no tecido económico e social português. Outra questão é perceber que razões têm obstado a que o movimento associativo e cooperativo não se tenham reflectido de forma mais evidente na equidade e na solidariedade social que se desejam.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">O hábito instalado de questionar e responsabilizar os Governos pelos insucessos da sociedade fará sentido neste domínio ? Talvez não faça. É possível que as pessoas não se associem na procura de vantagens colectivas estruturais, mas de benesses individuais. É possivel que apenas condições de absoluta necessidade sejam capazes de promover a cooperação. Esta hipótese talvez encontrasse suporte em estudos de caso da relação temporal que associados e cooperantes têm com as suas organizações mutualistas em Portugal. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">A desresponsabilização ostensiva de sócios e cooperantes pela gestão mutualista, remete tem remetido essas organizações para modelos de gestão profissional. A partir dai são empresas como as outras, frequentemente dotadas com estruturas profissionais mais empenhadas em manter a porta aberta em nome da preservação do posto de trabalho dos quadros , que na procura do bem comum. Talvez não fosse dificil de verificar a facilidade que o cooperante típico da adega ou da caixa agrícola, vende a alma à concorrência por um cêntimo de alcavala no revenue da uva ou dos juros. Para a cooperativa ( a quem os cooperantes se referem sempre na terceira pessoa - "eles" ! ) fica a uva com míldio que o mercado não quer e os empréstimos de risco que a banca comercial recusa.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Os resultados da banalização desta atitude terão tido papel decisivo na reduzida notoriedade e contributo do mutualismo no tecido sócio-económico português, ao ponto de quase se esquecer que existe e procurar-se reinventá-lo? Não faço ideia. Mas uma coisa é certa: <strong>o neoliberalismo capitalista não é obrigatório</strong>. Por isso me atrevo a sugerir que talvez fosse pertinente reflectir sobre o seu sucesso a par da dificuldade cultural que temos revelado para agir colectiva e duradouramente em abordagens da economia que privilegiem objectivos sociais. </div>Manuel Rochahttp://www.blogger.com/profile/06353136825479182750noreply@blogger.com9tag:blogger.com,1999:blog-4179933677813336497.post-84774182104839804712010-12-13T12:59:00.001+00:002010-12-13T17:32:47.067+00:00(Re)PISA !<div style="text-align: justify;">Quando eu pensava que sobre o PISA já se tinham dito todos os dislates possíveis, surprise, surprise !</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><em>«Um conselho, em especial àqueles colunistas que foram mesmo jornalistas há muito tempo e que há muito tempo confundem jornalismo com telefonemas, almoços e jantares: façam algum trabalho de campo… descubram que escolas participaram no PISA 2009, comparem com as de 2006 e 2003 e depois digam-me lá se desta vez o ranking médio das escolas não foi mais elevado. Não sou dos que acham que a amostra foi maltratada; pelo contrário, acho que desta vez é que a coisa foi tratada com o devido cuidado. Não são estes resultados que são uma enorme surpresa, talvez os anteriores é que tenham sido abaixo do possível.»</em> <a href="http://www.blogger.com/goog_2084910911">Paulo Guinote!</a></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Esta autoridade insinua pois, preto no branco, que as amostras anteriores não foram aleatórias. Que de algum modo elas teriam sido manipuladas para revelar resultados fracos numa primeira fase, para depois usar a “realidade” como coroa de louros para as suas politicas. Não estou em condições de discutir a substancia técnica da questão, também não fiz o trabalho de campo nem o de casa sobre a amostragem utilizada. Mas é evidente que se a douta opinião estivesse de facto interessada em questionar a influência nas médias e nos rankings das técnicas de amostragem utilizadas e da sua eventual manipulação, em coerência metodológica e cientifica, teria de tornar o duplo pressuposto extensível a todos os países participantes no inquérito, certo ? Então porque não refere isso ? Será que tem em seu poder um “cabo”ainda secreto sacado do Wikileacks revelando que Portugal foi o único criativo do estudo que subornou a malta da OCDE para nos ajeitar as amostragens em conformidade com uma elaborada cabala? Ainda haverá quem consiga defender que há seriedade neste debate ? Ou será que nos transformamos numa sociedade de inimputáveis e não dei por isso?</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div>Manuel Rochahttp://www.blogger.com/profile/06353136825479182750noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-4179933677813336497.post-16687050158277085482010-12-10T14:08:00.000+00:002010-12-10T14:08:20.704+00:00O PISA e o Ridículo<div style="text-align: justify;">O desconforto de quem protagonizou a oposição à ex Ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, com os resultados agora publicados pelo <a href="http://www.oecd.org/document/61/0,3343,en_32252351_32235731_46567613_1_1_1_1,00.html">PISA 2009</a>, tem sido notório. Se fosse uma reacção digna, seria apenas isso – um desconforto. Mas não. Como os resultados não estão conforme as teses de descalabro eminente do sistema, então abundantemente defendidas para justificar a oposição às medidas propostas, os seus autores resolveram agora afanar-se na contestação ao PISA. </div><div style="text-align: justify;"></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">A maioria, básicos, começaram por atribuir os resultados ao facilitismo da avaliação sem cuidar de perceber que a avaliação é idêntica em todos os países participantes. Os sofisticados, a minoria, optaram por atribuir os resultados ao acaso. A óbvia fragilidade dos argumentos de uns e outros, oportunamente esquecidos de que antes usaram outros PISA como sólido suporte de contestação, foi salva pelos sindicatos, que vieram a público explicar em definitivo o fenómeno: os professores teriam resolvido dar uma chapada de luva branca na Ex-Ministra, arregaçando as mangas e trabalhando ( ?!) .</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Poderia ilustrar o texto com vários links mas não gosto de contribuir para potenciar o ridículo de quem a ele assim se expõe. Quando se trata de classes profissionais inteiras, além de desgostoso fico também preocupado. Mas tratando-se de uma classe profissional que tem responsabilidades acrescidas na sociedade do futuro, “desgostoso” e “preocupado” não descrevem cabalmente o que sinto perante a imbecilidade desta reacção.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Considero que na Escola a falta de exemplos de referência é pior que quaisquer insuficiências de preparação cientifica ou pedagógica de muitos professores. Na verdade interessam-me menos os comparativos, sejam os resultados do PISA em ciências, matemática ou literatura , que a formação cívica e humana das criaturas que estão “condenadas” a passar na Escola uma parte muito significativa das suas vidas. A sensatez auto-critica que evita a exposição ao ridículo é uma parte importante dessa formação e cultiva-se pelo exemplo. Mas não com exemplos como este que os professores de novo nos deixam. Não me surpreenderam porque são coerentes com as invectivas ad-hominem em que usavam à saciedade o epíteto de “vaca” ( versão soft ) para nomear o adversário politico. Não me surpreendem, mas continuam a envergonhar-me!</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div>Manuel Rochahttp://www.blogger.com/profile/06353136825479182750noreply@blogger.com13tag:blogger.com,1999:blog-4179933677813336497.post-50623910524018649572010-11-18T13:56:00.001+00:002010-11-21T11:37:01.168+00:00A Guarda Verde<div style="text-align: justify;">Quando nos finais dos anos sessenta do século passado Mao-Tsé- Tung achou que a sua revolução estava a descambar, convocou os chinocas mais novitos, passou-lhes para as mãos um livrinho com a sua versão dos mandamentos e mandou-os “reeducar” o povo pela nova cartilha. Ficaram conhecidos por “guardas vermelhos” e a sua intervenção na sociedade chinesa para repor a revolução nos carris que Mao idealizara está bem documentada . </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Tal como muitos outros personagens, nem todos célebres, também Mao percebeu que a juventude é um campo fértil para cultivar doutrinas. Como naturalmente lhe falta experiência de vida e tem pressa de mundo, a rapaziada é mais receptiva a soluções idílicas do que a dúvidas concretas. Aprender a questionar sempre dá mais trabalho e requer mais tempo do que a papaguear ideias pré-fabricas. Por isso, independentemente do seu valor intrínseco, qualquer proposta inovadora constitui um <em>plus</em> para a incontornável vocação catequista do activismo juvenil. E daí não viria mal de maior ao mundo se nele não houvesse quem tivesse percebido como usar essa disponibilidade para dar corpo a agendas no mínimo questionáveis.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Poderia pensar-se que actualmente o mundo estaria mais sensato e evitaria esses abusos da idade da inocência, mas não é o que parece. A demonstrá-lo está aí um <em>remake</em> da actuação da guarda vermelha em horário nobre e na televisão pública. Armada de uma cartilha pseudo-científica e motivada pela fantástica ideia de que o planeta precisa de ser salvo, uma simpática miúda camufla-se de tonta e entra pelas casas da malta a etiquetar a eito de “culpado e eco-criminoso” o desprevenido consumidor. E o coitado pasma! Boquiaberto, nem sequer consegue questionar como é que a mesma caixinha que passa o dia a incentivá-lo a comprar tudo e mais alguma coisa, tem o topete de o vir insultar às dez para as dez quando o gajo finalmente se senta em frente ao televisor e se prepara para rematar mais uma esgotante jornada de produção consumindo o telejornal da Felgueira ! Não fosse a estupefacção e decerto punham a moça na rua. Mas não. Revelando um notável estoicismo, submetem-se. E a procissão lá foi fazendo o seu caminho sem que o Sr Paquete de Oliveira dê mostras de ter algo a dizer. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">O programinha chama-se <a href="http://tv.rtp.pt/programas-rtp/index.php?p_id=26315&e_id=&c_id=121&dif=tv&hora=15:15&dia=07-11-2010">“desafio verde</a>” e não é novo mas mudou de atitude! Uma mudança que não passaria de mais um desvario televisivo se não se desse o caso de várias escolinhas e muitos professores fofinhos apoiarem e <a href="http://www.scribd.com/doc/40247089/Passatempo-Desafio-Verde-nas-Escolas">promoverem </a>a iniciativa. Acham, dizem, que estão a fazer educação ambiental. Mas o que assim revelam é que são uns imaturos semi-instruidos que não percebem nem o que é educar nem o que é ambiente. Levianamente, estes kidos estão apenas a fazer da escola uma variante verde aos campos de treino onde se doutrinavam as juventudes maoistas. E a contribuir activamente para que o<a href="https://simp.pgr.pt/dciap/denuncias/"> <em>site</em></a> recentemente criado pela PGR para recuperar a tradição pidesca dos bufos, possa também vir a revelar-se um enorme sucesso para a denúncia verde anónima. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div>Manuel Rochahttp://www.blogger.com/profile/06353136825479182750noreply@blogger.com13tag:blogger.com,1999:blog-4179933677813336497.post-43878290501506117222010-11-16T16:33:00.000+00:002010-11-16T16:33:31.482+00:00A Propósito do Azeite<div style="text-align: justify;">A generalidade das ideias que têm sido propostas para ultrapassar o que tem vindo a ser diagnosticado como ‘estado anémico’ da economia nacional, referem habitualmente a necessidade de obter ganhos na produtividade, de melhorar a competitividade, de desenvolver o potencial de crescimento da economia e por aí, espera-se, fomentar o emprego. Quando se fala destas questões, isso é feito como se fossem obvias para todos as origens dos problemas que se pretende resolver. Ora a discussão especifica mostra que não é bem assim. O debate politico-económico bloqueia na descrição dos factos macroeconómicos, e revela claras insuficiências no entendimento critico das dinâmicas sociais que as politicas concretas induzem a níveis mais desagregados.</div><div style="text-align: justify;"></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Concretizo.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Há dias foi inaugurada em Ferreira do Alentejo (FA) uma unidade industrial que é descrita como um dos maiores e mais modernos lagares de azeite do mundo. Uma capacidade instalada para processar mais de 900 t de azeitona por dia produzindo qualquer coisa como 200 mil litros de azeite, são números impressionantes. Para se ter uma ideia do que isto significa repare-se que junto à Estação do Crato está em funcionamento um lagar convencional, que era modelar há 25 anos, mas que processa numa campanha o que este de Ferreira poderia processar num dia. E, dado importante, enquanto o lagar do Crato dá trabalho permanente a uma dezena de empregados e temporário (durante a campanha ) a outros tantos, ao de Ferreira do Alentejo bastam quinze pessoas para operar a unidade !</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Portanto, por comparação, os ganhos de produtividade são inquestionáveis e, por arrasto, a competitividade do produto final só pode beneficiar por isso. Mas e o emprego ? </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Por si só a desproporção observada nas necessidades de mão de obra bastaria para fazer soar algumas campainhas de alarme quanto ao real impacto da produtividade e da competitividade da industria, neste tempo das novas tecnologias, na resolução de problemas estruturais de excedentes de mão de obra. Mas o caso é que os efeitos das novas tecnologias no emprego na fileira do azeite, não se limitam ao sub sector da transformação. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Os 10.000 ha de novos olivais intensivos que irão alimentar o lagar de Ferreira, também estão naturalmente desenhados para maximizar a produtividade e a competitividade. Quer isto dizer que só no que à apanha diz respeito, um operador e a respectiva máquina de nova geração colhem num dia o que uma equipa de 12 pessoas colhe numa semana num sistema de mecanização convencional ( vibradores, aspiradores, crivos mecânicos, toldos…) que há 25 anos representava o topo de gama.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">A comparação poderia prosseguir para montante ou para jusante porque tem inúmeras ramificações. Deixo apenas uma para exemplificar. O método de controlo de infestantes nestes olivais intensivos já não são as ovelhas , mas os herbicidas aplicados mecanicamente pelo mesmo operador que antes andou a fazer a colheita, e que é o mesmo que controla a fitossanidade e a fertirrigação. Não havendo ovelhas, além dos pastores, também tenderão a desaparecer os tosquiadores, os “roupeiros” ( fabricam o queijo ), os veterinários e por aí adiante. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Então não se mudava nada ? A questão não é essa. A mudança é inevitável. O que não é inevitável é que seja liderada pelo modelo económico vigente como se fosse uma entidade com vida própria impossível de controlar.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Enquanto nos anos sessenta e setenta do século passado a industria e depois os serviços foram autenticas ‘esponjas’ para absorver o excedente de mão-de-obra que a mecanização gerou na agricultura, a automação e a informatização que entretanto se desenvolveram estão também elas a gerar excedentes de empregos. Só que agora afectam todos os sectores de actividade e desapareceram as antigas almofadas de amortecimento.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">A demografia tem tempos lentos de resposta à mudança. Esse tempos têm sido claramente ultrapassados pela velocidade que a modernidade conseguiu instalar nos métodos de produção e nos modelos convencionados de organização da economia. No caso português, ainda que o potencial de crescimento da economia possa não ter ainda sido atingido, é possível que os reajustamentos nos desequilíbrios entre disponibilidades e necessidades de mão de obra já não possam ser feitos apenas pela (re) qualificação dos trabalhadores. A tendência do paradigma económico vigente tem sido consistente: cada vez precisa de menos gente para funcionar.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">No limite, este desacerto entre a economia e a demografia, não se exprime apenas no desemprego e nos custos sociais directos que acarreta, nem se resolve apenas com mais crescimento capaz de gerar receitas bastantes para assegurar á população que não encontre colocação no mercado de trabalho subsídios que lhes permitam fruir de níveis de vida aceitáveis. Esse desacerto tem outros custos que aparentemente têm sido insuficientemente ponderados. Entre eles os custos culturais de longo prazo associados às rupturas que se têm produzido com saberes consolidados nas soluções tradicionais de ocupação e aproveitamento do território. Está por demonstrar se, a prazo, o somatório desses custos não irá ultrapassar os ganhos de competitividade e produtividade que actualmente se procuram. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Ou seja, confirmando-se o que já se sabia, isto é, que os modelos económicos liberais entregam à volatilidade emocional dos mercados a regulação dos desacertos entre a dinâmica da população e a gestão dos recursos, talvez fosse sendo tempo de trazer á discussão ideias inovadoras para dar corpo a um paradigma e a um modelo de governança que, tendo as pessoas como prioridade, fosse capaz de gerir com o mínimo de rupturas a velocidade a que se processa a mudança.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">A aposta na manutenção e na melhoria das condições de operação dos lagares e olivais existentes, seguramente que não iria maximizar as possibilidades que as novas tecnologias implementadas em FA trouxeram ao sector do azeite. Mas muito provavelmente desempenhariam melhor o papel de gerir de forma optimizada o processo de mudança das regiões olivícolas em que se inserem. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div>Manuel Rochahttp://www.blogger.com/profile/06353136825479182750noreply@blogger.com9tag:blogger.com,1999:blog-4179933677813336497.post-40587620711045342432010-11-13T14:50:00.005+00:002010-11-15T10:39:22.251+00:00Meio cheio ou meio vazio ?<span style="color: #333333; font-family: 'Times New Roman','serif'; font-size: 12pt; line-height: 150%; mso-ansi-language: PT;"></span><br />
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 150%; margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-family: 'Times New Roman','serif'; font-size: 12pt; line-height: 150%; mso-ansi-language: PT;">Há três formas<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>de descrever um copo meio de água: a realista, que constata <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>que o copo está meio; <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>a optimista , que o descreve como<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>quase <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>cheio; <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>e a pessimista. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Perante um copo meio, <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>o opinativo lusitano não tem dúvidas: ‘é evidente que o copo está <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>vazio’ - <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>dirá !</span></div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 150%; margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 150%; margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-family: 'Times New Roman','serif'; font-size: 12pt; line-height: 150%; mso-ansi-language: PT;">Exagero ? Veja-se <a href="http://economia.publico.pt/Noticia/um-terco-dos-investidores-acredita-que-portugal-entrara-em-incumprimento_1465894">aqui:</a> <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>62% dos investidores, pode deduzir-se, não acredita que Portugal entre em incumprimento de divida; mas a noticia é que <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>38% acredita que irá entrar em incumprimento!!</span></div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 150%; margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 150%; margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-family: 'Times New Roman','serif'; font-size: 12pt; line-height: 150%; mso-ansi-language: PT;">Ou seja, para a opinião publicada na<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Lusitânia, nunca irá <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>bastar que Portugal esteja a fazer uma boa prova na corrida do<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>paradigma de prosperidade em que nos inscrevemos. Não é relevante <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>que PT esteja no pelotão da frente, que se encontre no grupo dos países mais desenvolvidos e com melhores níveis de rendimento e qualidade de vida que, <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>de acordo com vários <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>critérios internacionais, tenha vindo a ganhar lugares <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>de forma consistente <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>nas<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>tabelas dos rankings que se inventam para medir essas coisas. Não! O que importa é que PT continua <span style="mso-spacerun: yes;"> </span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>entre os “piores” da Europa. E enquanto houver 1% de opinião negativa sobre qualquer coisa, ela terá <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>sempre prioridade nas agendas sobre <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>os restantes 99% de opiniões positivas.</span></div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 150%; margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 150%; margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-family: 'Times New Roman','serif'; font-size: 12pt; line-height: 150%; mso-ansi-language: PT;">Quem não conheça a alma lusa, poderia ser levado a olhar para esta<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>estranha disfunção <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>como uma coisa positiva. Pensaria: gajos exigentes, estes lusitanos, que só se dão por contentes com o pleno e o primeiro lugar de todos os pódios. Mas estaria <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>enganado. Se amanhã PT aparecesse em primeiro lugar nalguma coisa, o mesmo gajo que hoje brada que somos um ‘atraso de vida’, afiançaria “que isso se deveu a uma manipulação estatística” qualquer e a responsabilidade, claro, seria <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>dos “objectivos eleitoralistas do sócrates” que na altura estivesse de serviço. Ou seja, para o especialista na pinocada opinativa que prolifera na opinião publicada na costa atlântica<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>da Ibéria, o último lugar de Pt numa tabela qualquer é uma <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>espécie de certificado de garantia da qualidade e isenção de uma estatística. </span></div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 150%; margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 150%; margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-family: 'Times New Roman','serif'; font-size: 12pt; line-height: 150%; mso-ansi-language: PT;">A persistência desta postura, <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>não só deforma a realidade como actua sobre ela, criando um mal estar difuso em que assenta <span style="mso-spacerun: yes;"> </span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>uma percepção pessimista da história e do futuro. Pode haver má vontade ou interesses esconsos nesta abordagem. Mas estou convencido aquilo que melhor a explica é o <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>provincianismo. O pessimista luso à solta nos média, <span style="mso-spacerun: yes;"> </span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>é por definição um provinciano semi-instruído e sem mundo. </span></div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 150%; margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 150%; margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-family: 'Times New Roman','serif'; font-size: 12pt; line-height: 150%; mso-ansi-language: PT;">Nos últimos anos essa sub-espécie <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>de gente <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>que tem do mundo a ideia do seu <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>próprio <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>umbigo, que diz que conhece a Alemanha porque esteve num fim-de-semana de chuva em Berlim, e que conhece França porque no regresso o avião fez escala em Orly, deu um salto evolutivo: deixou o sofá onde costumava mandar bocas sobre a táctica de Jesus nos clássicos no Dragão, sentou-se em frente do computador e descobriu o meio ideal de reprodução assexuada com que sempre tinha sonhado para evacuar sem grande esforço as suas frustrações: a <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>blogosfera e as caixas de comentários.</span></div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 150%; margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 150%; margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-family: 'Times New Roman','serif'; font-size: 12pt; line-height: 150%; mso-ansi-language: PT;">Para alguns lusitanos, a <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>blogosfera está para a cidadania da mesma forma que a travessia a pé da Ponte 25 de Abril está para a maratona de Lisboa: não se precisa correr, quanto mais treinar . Basta aparecer, mandar umas bocas, <span style="mso-spacerun: yes;"> </span><span style="mso-spacerun: yes;"> falsear <a href="http://classepolitica.blogspot.com/">isto</a>, <a href="http://joshuaquim7.blogspot.com/2010/11/o-desprendimento.html">insultar</a> os do costume, </span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>para se fazer prova de vida. Outros que se cansem a fundamentar o que argumentam que a fina-flor da bloga lusa cá ficará à espera <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>para dar a sua opinião. Avalizada, claro, pelos consensos dos 38% .</span></div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 150%; margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 150%; margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 150%; margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;"><br />
</div>Manuel Rochahttp://www.blogger.com/profile/06353136825479182750noreply@blogger.com18tag:blogger.com,1999:blog-4179933677813336497.post-68128321544556943042010-11-11T10:54:00.007+00:002010-11-13T16:08:38.339+00:00O Desenvolvimento Humano segundo a ONU<div align="justify">Desde 1990 que o principal instrumento de divulgação da actividade do PNUD passou a ser o seu Relatório . Nele, além das bases filosóficas que norteiam a Instituição e das estratégias a que recorre para as implementar, o PNUD tenta aferir a evolução do estado do mundo através de um índice que cunhou com a designação de IDH ( índice de desenvolvimento humano ).<br />
<br />
Inicialmente este índice foi construído com três indicadores centrais :<br />
.longevidade (da esperança média de vida infere o estado da saúde );<br />
.conhecimento ( aferido pela taxa de alfabetização para refectir a capacidade de cada um potenciar o seu governo);<br />
.padrão de vida (estimado pelo PIB per capita, para dar conta da produtividade e do poder de compra )</div><div align="justify"><br />
Resultava da natureza destes indicadores que os países com maiores IDH eram naturalmente os ricos cujos cidadãos chegassem alfabetizados a velhos.</div><br />
<div align="justify">O reconhecimento de que esta trindade era claramente insuficiente para exprimir as fundações filosóficas do paradigma do PNUD, que remete também para a equidade, sustentabilidade e autonomia, levou a progressivas alterações das suas bases de cálculo. O Rendimento Bruto per capita substituiu o PiB per capita, o conhecimento passou a incluir a escolarização, e foram introduzidos outros factores de correcção, nomeadamente para a equidade e para a sustentabilidade.</div><br />
<div align="justify">Contudo, ainda assim, o IHD continua a ser melhor nas favelas do Rio de Janeiro que nas aldeias do Alto Xingu! E como a correcção da sustentabilidade se calcula com base em indicadores tão improváveis como as emissões de carbono, a percentagem de áreas protegidas e a poupança, Cabo Verde tem visto o seu IDH cavalgar posições a reboque de algo tão pouco sustentável como são as remessas dos seus emigrantes. Pela mesma lógica, não será por ter na exportação de recursos não renováveis ( petróleo ) a sua principal fonte de receita, que a Noruega verá em risco a sua liderança mundial do ranking IDH.</div><br />
<div align="justify">Por conseguinte, o que o Relatório publicado pelo PNUD faz, é produzir uma imagem do mundo a partir de um perspectiva ideológica standardizada pelo paradigma ocidental que adoptou. Pode-se discutir até à exaustão a objectividade dos critérios ou as boas intenções subjacentes, trabalhar na melhoria de indicadores ou dos instrumentos de medida. Mas nada disso retira à agenda do PNUD a sua propensão universalista, arrefece o ideário missionário de muitos dos seus mentores, ou dilui o carácter corporativo em que se tem enquistado. </div><div align="justify"></div><br />
<div align="justify">Apesar disso, seria de esperar algum pudor na facilidade com que, apoiado nos crescimentos do IDH, O PNUD decreta o que significa melhoria de qualidade de vida, bem estar social ou felicidade. Assumir que o conhecimento que importa tem na escolaridade a sua fonte de eleição, pressupor que a boa economia é a do consumo, acreditar que a saúde como conceito holístico se exprime na longevidade, além de ideológico é profundamente redutor. </div><br />
<div align="justify"></div><div align="justify">Não viria daqui mal de maior ao mundo se no limite este género de concepções não tivesse qualquer possibilidade de contaminar as decisões politicas. Ora como essa possibilidade existe, não será de estranhar que um destes dias alguém se lembre de transferir para as favelas do Rio de Janeiro os povos do Alto Xingu , com o argumento de os subir no ranking IDH. Infelizmente a história mostra que mesmo as narrativas absurdas, quando incansavelmente repetidas, tendem de algum modo a materializar-se.</div><br />
<div align="justify"></div><br />
<div align="justify"></div>Manuel Rochahttp://www.blogger.com/profile/06353136825479182750noreply@blogger.com8tag:blogger.com,1999:blog-4179933677813336497.post-53534504307896559032010-11-08T20:08:00.011+00:002010-11-11T11:30:43.706+00:00O Mundo Está Melhor ?<div align="justify">Este texto do <a href="http://www.publico.pt/Mundo/o-mundo-afinal-tem-melhorado-mais-do-que-pensavamos_1464488">Público</a> tem que se lhe diga. O Jornal tem em tão boa conta a autoridade da ONU que nem sequer se dá ao incómodo de ensaiar uma virgula de critica ao seu conteúdo. Já sabia que as várias corporações sediadas na ONU estão em sintonia e fazem lobby umas pelas outras. Mas é interessante verificar que até na dita periferia contam com zelosos colaboradores . Se o PNUD diz que o mundo está melhor, por que iria um jornal português tentar perceber por que o afirma? Se o PNUD garante que a única coisa capaz de pôr em causa o sentido desse melhoramento são as “alterações climáticas”, por que haveria o mesmo jornal de nos elucidar sobre os fundamentos de tão avalizada sentença? A verdade é que nem sequer nas academias se perde muito tempo a questionar a bondade destas “verdades”, mas não é disso que quero falar agora.<br />
<br />
O meu tópico é outro. Eu gostava imenso, confesso, que o <a href="http://hdr.undp.org/en/statistics/">relatório do PNUD </a>e as respectivas conclusões de que o mundo “melhorou”, fosse efectiva e não deixasse margem para dúvidas. Mas deixa. E deixa por duas razões. <br />
<br />
Em primeiro lugar porque, por muito boas que tenham sido as capacidades de comunicação de <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Amartya_Sen">Amartya Sen</a>, o conceito de desenvolvimento humano que propôs e a ONU adoptou tem inúmeras fragilidades. Em segundo lugar porque as politicas com que a ONU tem tentado implementá-lo e os critérios com que procura medi-lo ( Indice de Desenvolvimento Humano - IDH ), só têm contribuído para acentuar essas fragilidades. </div><div align="justify"><br />
</div><div align="justify">A principal fragilidade do conceito de desenvolvimento humano, é a sua carga ideológica. Sen pensou o desenvolvimento humano como uma versão melhorada de um paradigma concreto – o paradigma ocidental. Por isso não diverge da ortodoxia progressista e não questiona a ordem instalada como base aceitável para pensar o futuro.<br />
<br />
Nesse quadro cartesiano, não admira que Sen tenha dado à produtividade um papel central . É nesse pressuposto que ele propõe o reforço das capacidades do individuo. No entanto as capacidades a que se refere não podem ser vistas em abstracto. A capacitação em concreto perde sentido fora do paradigma que a produz. Ora Sen não assume em abstracto que pessoas mais capacitadas têm melhor acesso a oportunidades de realização. A ideia de <a href="http://knol.google.com/k/georgios-altintzis/entitlement-theory/5edbx55i80ae/6#">entitlement </a>como motor do desenvolvimento, deriva directamente da observação que nos processos vigentes sob égide no paradigma ocidental, as qualificações têm feito a diferença no acesso às novas oportunidades geradas pela industrialização e terciarização da economia e na mudança que o mundo tem tido. Mas reflectindo assim, Sen deixa subentender o mundo como uma espécie de feira de oportunidades inesgotáveis e pre-determinadas, onde basta o domínio dessas capacidades para aceder às oportunidades que correspondem às expectativas de cada um. </div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify">No entanto, as oportunidades não são infinitas. Elas são limitadas, nomeadamente pelas necessidades sociais e pelos recursos disponíveis. Não serve para muito ser-se profundamente capacitado em agricultura se não se tiver terra para cultivar. Além disso há a questão da conflitualidade entre as expectativas dos indivíduos e as necessidades inerentes ao funcionamento da sociedade. Uma sociedade não é mero somatórios de indivíduos que coexistem num espaço como ilhas sem relação. Ela cria necessidades próprias que implicam em maior ou menor grau sistemas de divisão do trabalho. Ora não há espaço para todas as expectativas nem todos os desempenhos são igualmente atractivos. <br />
<br />
A Europa já vive esse desfasamento entre capacidades, oportunidades e desempenhos. É natural que um licenciado em ensino de biologia que já não cabe no mercado de trabalho tenha relutância em aceitar oportunidades por preeencher na agricultura ou na construção civil, tradicionalmente menos atractivas. Mas a deriva que conduziu a esta estranha coexistência de desempregados de luxo sem utilidade no mercado de trabalho e a importação de mão de obra não qualificada para preeencher as necessidades básicas de funcionamento dos lideres do mundo dito desenvolvido, não aparece reflectida nos critérios de desenvolvimento humano.</div><div align="justify"><br />
Para a ONU, no entanto, as teses de Sen tiveram o mérito de gerar consensos fáceis. Como principio, o reforço das capacidades dos indivíduos não merece discordância. E o PNUD precisava de um paradigma consensual que servisse simultaneamente de justificação para quem lhe financia os projectos e para quem deles beneficia. <br />
</div>Manuel Rochahttp://www.blogger.com/profile/06353136825479182750noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4179933677813336497.post-85980032454173907922010-11-05T12:05:00.002+00:002010-11-05T12:09:08.528+00:00A banalização da asneira<div align="justify"><br /><br />O disparate cansa! A asneira tem vindo a transformar a discussão da generalidade das questões económicas e financeiras, numa canseira medonha. Pela parte que me toca, esse cansaço até não tem muito a ver com o habitual burburinho popular, quase sempre reflexo e impressionista . O que particularmente me incomoda é a produção sistemática dos discursos estupidificantes que lhe dão azo. É que essa produção é promovida por quem tem obrigação de fazer muito melhor.<br /><br />A ideia peregrina em circulação segundo a qual a despesa do Estado é toda ela um desperdício de impostos e um contributo liquido para o deficit das contas publicas, é uma delas. Esta tese deixa implícito que a moral é necessária às performances do capitalismo. Ora isto é pueril. O capitalismo não tem nada a ver com moral, as empresas não são misericórdias, e os seus resultados não têm qualquer relação com a ética das decisões económicas.<br /><br />A acumulação capitalista que todos reivindicamos para aceder ao paradigma de qualidade de vida que incorporamos, alimenta-se da circulação do capital e é perfeitamente alheia à natureza ou à utilidade material, social ou moral, do que se transacciona para o efeito. Haja mercado que a lógica intrínseca ao sistema trata do resto. Para a “prosperidade capitalista ” , é perfeitamente irrelevante se os meios financeiros que se geram resultam de despesas de investimento efectuadas na educação, na saúde, num bordel, na produção de minas anti-pessoal, ou no trafico de órgãos. Mas parece que ainda há quem não tenha percebido isso. Ou percebeu e faz de conta que não percebeu, por razões que não me interessam nem me merecem o mínimo respeito. Certo é que quando se criticam as jantaradas dos tipos das finanças, ou da malta da câmara de Oeiras, baralha-se tudo: deontologia do serviço público, economia capitalista, contabilidade pública e parvoíce qb.<br /><br />Do ponto de vista do capitalismo liberal, uma jantarada de qualquer repartição paga pelo orçamento, é apenas a economia à mesa a alimentar-se para produzir mais prosperidade capitalista. Isto é, dinheiro de impostos a pagar salários a cozinheiros e empregados de mesa, géneros a grossistas, retalhistas e produtores, rendas a proprietários, a fomentar o consumo, o mercado, a gerar receita para os empresários, juros para os bancos, a contribuir para o crescimento e para a cobrança de impostos para pagar mais jantaradas, ou auto-estradas ou cartazes de campanhas presidenciais, ou outra cena qualquer. Na verdade, para a boa performance económica e contabilista deste modelo em que vivemos, dá mais resultado gastar dinheiro com jantaradas de leitão na Mealhada, do que pagar tratamentos para a leucemia em Chicago a uma criança com essa doença, ou financiar bolsas de estudo para doutoramento em economia em Harvard. Chocante? Pois é, mas é assim mesmo. Os tratamentos médicos e as bolsas de estudo no exterior são importações, aumentam o deficit; as jantaradas de leitão são consumo interno de produto interno, contribuem para o crescimento desta economia. É para evitar esses absurdos que se diz que a economia deve estar ao serviço da politica, e não o contrário, como vem sucedendo. Mas não é com exemplos descontextualizados e discursos estupidificantes que isso se explica.<br /> </div>Manuel Rochahttp://www.blogger.com/profile/06353136825479182750noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-4179933677813336497.post-31401450034497040282010-11-02T11:37:00.002+00:002010-11-02T11:47:49.878+00:00"Portugal perde com Espanha"<div align="justify">“<strong>Portugal perde com Espanha</strong>” - titulava a primeira página do jornal. No desenvolvimento inferia-se que se tratava do resultado desportivo de um evento que teve lugar há umas semanas. Só lá para o fim da noticia é que se percebia que Portugal tinha perdido com a Espanha, sim, mas na final do campeonato da Europa de hóquei em patins. Portanto, a noticia poderia ter sido encabeçada com algo do género “Portugal de novo no Pódio” ? Podia, mas não era a mesma coisa. Ou seja, não servia a propensão instalada para menorizar qualquer aspecto da vida nacional, modalidade narrativa que se adequa perfeitamente à demonstração da tese fadista de que somos um atraso de vida. </div><div align="justify"><br />A coisa tornou-se tão consensual que até nos meios académicos o mais insuspeito <a href="http://blondewithaphd.blogspot.com/2010/11/o-que-e-que-eu-posso-fazer-pelo-meu.html">phd</a> já se dispensa de a fundamentar. De resto, se instado a isso, escapatórias não lhe faltam. As mais correntes são as “comparativas”, e aí a inteligência lusa segue duas vias complementares. A primeira investida é a impressionista. Nesta variante envereda-se por generalizações e comparamo-nos com a França ou com os Estados Unidos, como se a França fosse apenas Paris ou os USA Nova Iorque. Bem, quem conhece França sabe que a única coisa em comum entre o planalto central e a bacia de Paris é a língua. E o Utha tem tanto a ver com Nova Iorque como a Sicilia com a Lombardia ou Barrancos com Cascais. Confrontados com a falta de mundo que se expressa nessas comparações reducionistas, o fadista luso refugia-se então nos comparativos numéricos. Mas de que massa é feita a objectividade que se atribui a certos números ?<br /><br /><br />A necessidade de entender o mundo de uma forma tão objectiva quanto possível, levou à quantificação das narrativas que sobre ele produzimos. Os números têm a grande vantagem de constituírem uma linguagem que não necessita de tradução . Além disso são fáceis de representar, comparar, hierarquizar. Portanto vulgarizou-se o uso de indicadores e índices numéricos para representar certos fenómenos, e isso tem muitas vantagens. O problema é quando ao ler os números nos esquecemos que eles também servem para representar a realidade, mas não a esgotam. O desenho minucioso dos alçados e plantas de um edifício não dizem tudo sobre a sua habitabilidade. Quando esse equivoco acontece, abre-se a porta a uma infinitude de juízos qualitativos, nem sempre correctos, pois os magníficos edifícios de Gaudi têm tanto de impressionante como de inabitável.<br /><br /><br />O mesmo se passa com muitos edifícios numéricos: escodem por detrás da fachada detalhes nem sempre virtuosos. Percebe-se que uma média de resultados num exame nacional de matemática ou um PIB per capita, p.e., não são medidas com a objectividade do kilograma ou do metro linear. Dito assim qualquer um vê nisto uma evidência: 10 kg de laranjas não é uma medida com a mesma objectividade quantitativa de um 10 a matemática. Esse compreensão deveria levar a cuidados redobrados na leitura de informação de base numérica, fosse de um ranking de escolas em função dos respectivos resultados médios num exame de matemática, seja de um ranking de países em função do respectivo PIB per capita. Mas curiosamente a tendência mais comum não é essa. Pelo contrário. O mais frequente é atribuir automaticamente mérito às posições de topo e demérito às da cauda.<br /><br />Quando se verifica que a Noruega é líder europeu na riqueza e Portugal segue na cauda desse pelotão, passa-se imediatamente para as qualificações. E não se poupa na adjectivação: Diz-se então que a Noruega é um pais desenvolvido e Portugal, normalmente referido como “este país” um “atraso de vida”. Se questionado sobre a objectividade da qualificação, das duas uma: ou o opinador se refugia no silêncio ou atira à cara do perguntador a “autoridade” dos “critérios internacionalmente aceites”. Poderia prosseguir esta prosa implicando com a natureza desses “critérios” e respectivos mecanismos de “aceitação internacional”, que tinha muito por onde cortar. Mas para o que pretendo vou fazer de conta que os aceito como bons.<br /><br />Então, à luz dos tais critérios internacionalmente aceites para quantificar desenvolvimento e prosperidade, como o PIB per-capita, ou a escolaridade, ou o coeficiente de Gini ( para a pobreza ) , as actuais performances portuguesas são de facto inferiores às dos noruegueses. Mas será correcto inferir-se dessa diferença uma qualidade de vida inferior ou um atraso histórico devedor de uma superior capacidade liquida dos noruegueses para atingir os resultados em apreciação?<br /><br />Talvez não. Na realidade os países são muito diferentes. São diferentes em tamanho, em população, em recursos , em história, em cultura. E em cada momento da história essas diferenças exprimem-se de maneiras distintas que dificilmente se anulam nos indicadores e índices numéricos com que se caracteriza os seus percursos. Mesmo que o paradigma seja o mesmo, as diferenças objectivas que se referiram levam a trajectos e tempos diferentes para os alcançar. E mesmo que alguns dos resultados alcançados possam ser idênticos, não têm necessariamente o mesmo impacto. Note-se que para idêntica capacidade de produção bruta de riqueza, basta que um país tenha metade da população de outro para que o seu pib per capita seja o dobro. E quanto à formação dessa riqueza, note-se que os números do PIB são omissos em especificações que importam. Não é indiferente se a riqueza se acumula como receita da concessão da extracção de petróleo das respectivas plataformas continentais, ou se implica a captura racional, transformação e venda de sardinhas enlatadas. Raro é que se tenha em conta essas diferenças substanciais quando se envereda pelos “comparativos”, e percebe-se porquê: ficam em xeque as teses do “atraso estrutural português”.<br /><br />Tende-se a esquecer que a realização do paradigma de prosperidade com que Ocidente embirrou, fundou-se no capitalismo industrial. Para o promover, os países recorreram historicamente a dois tipos de recursos: energia fóssil e mais qualquer coisa. Quem entrou na corrida desse paradigma com o respectivo sub-solo recheado de energia fóssil , à partida já tinha meio percurso de vantagem; quem só tinha mais qualquer coisa, ou fez batota ou precisou de pedalar o dobro. Portugal, mesmo que possa ter-se sentido tentado a fazer batota, enveredando por exemplo por oportunismos à la suisse , ter-lhe-á faltado para isso a oportunidade ou foi acometido por algum assomo ético, não sei. Sei que nos sobrou pedalar. E quem faz desse processo leituras sérias isentas de contaminações ideológicas, não consegue deixar de se surpreender com a <a href="http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1223378018L3yZD2mf6Tb49RB6.pdf">performance portuguesa no século xx</a>. Reconhecê-lo publicamente é que é uma maçada, pois contraria a tradicional tese fadista a que nos habituamos. Há na alma lusa essa espécie de alergia às narrativas de sucesso em causa própria. A aposta provinciana nas narrativas miserabilistas, é um valor seguro, vende sempre, como é o caso da que empresta o título a esta prosa.</div>Manuel Rochahttp://www.blogger.com/profile/06353136825479182750noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-4179933677813336497.post-51644829868456095572010-10-17T16:18:00.002+01:002010-10-17T16:43:10.618+01:00Preservação<div align="justify"><br />Na actualidade, a gestão do território e as preocupações que lhe estão associadas, são devedoras dos problemas que acompanharam a colonização da América do Norte. Vagas de gente ávida de rápida riqueza colocada perante enormes mananciais de recursos quase inexplorados e equipada pela crescente potência que a revolução industrial disponibilizava, produziram uma pressão tal sobre o novo território que os efeitos da sobre-exploração se tornaram rapidamente visíveis e o seu controlo um imperativo. Há registos dessa preocupação pelo menos desde 1876. Elas conduziram ao primeiro documento legal conhecido na modernidade com um vincado cunho de conservação, o “Forest Resource Act”, de 1891, que levou, em 1905, á criação do actual <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/United_States_Forest_Service#History">USFS.</a> O lema desta instituição é claro quanto ao propósito da inciativa: "<em>Caring for the land and serving people</em>", que é como quem dizia que no interesse das pessoas e do futuro era imperativo cuidar dos recursos. Algumas décadas depois, na sequência do desastre ecológico que ficou conhecido como "dust bowl years", a situação repetiu-se, com o actual <a href="http://www.nrcs.usda.gov/about/history/story.html">URCS</a> , originalmente criado em 1935. Já não se tratava de cuidar apenas das florestas e de conservar a sua capacidade de se regenerar para continuar a produzir , mas de o fazer também em relação aos solos antes tidos por inesgotáveis mananciais agrícolas, para que pudessem continuar a permitir colheitas.<br /><br />Portanto, na modernidade, a<strong> conservação</strong> reinstituiu-se fiel à melhor tradição da antiguidade : <strong>manter os ciclos de produção ao serviço das comunidades humanas, introduzindo no uso do território regras pensadas para gerir os recursos de forma a que fosse possível continuar a usá-los para deles obter algo de forma duradoura.<br /><br /></strong><br />Politica distinta desta foi a adoptada em 1872 quando o Senado Estado Unidense aprovou a lei que instituíu o <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Yellowstone_National_Park#History">YNP.</a> Lendo a Lei, salta à vista a diferença do propósito . O que se pretendeu com o YNP foi evitar que, à semelhança do que ia acontecendo no caminho para oeste, a colonização também transformasse completamente aquele território . Yellowstone foi declarado território a <strong>preservar</strong>, i.é, a manter tal qual estava independentemente do eventual interesse económico na exploração directa dos seus recursos naturais.<br /><br />Ou seja, problemáticas e propósitos distintos deram corpo a ideologias e a estratégias de intervenção opostas: uma, <strong>a conservação, incorpora a mudança e procura geri-la</strong> ; a outra, <strong>a preservação, procura evitar a mudança</strong> . Nas décadas seguintes a gestão do território e o desenvolvimento do conhecimento, particularmente da ecologia, iria ser marcado por esta dicotomia.<br /><br />Por conseguinte, ao contrário da conservação, a preservação foi concebida com uma lógica conservadora e de não ingerência para evitar a mudança, e em seu nome empreenderam-se medidas no sentido da salvaguarda da possibilidade de um determinado território prosseguir o seu caminho à margem da intervenção do homem. Contudo, raramente os homens se têm limitado ao papel de observadores dos processos que pretendem preservar. Entre outras, por esta razão simples: cedo se percebeu que afinal a mudança também é independente da acção humana e muitas vezes essa mudança revela mesmo "ideias próprias" e segue caminhos bem diversos daqueles que os homens gostariam. De tal forma que se desencadearam e têm-se sucedido as intervenções de cariz “preservacionista”, isto é, tendentes a evitar que a natureza faça a aquilo que sabe fazer melhor: mudar. Na ressaca, a ideia inicial da preservação acabou por esvaziar-se do seu sentido original. A não intervenção como estratégia de gestão do território, transformou-se num mito disfarçado. E o conceito original de preservação entrou em mutação rápida para se adaptar a uma imensa parafernália de práticas de gestão de espécies, habitats, ecossistemas. Neste processo abunda quem procure reconstruir o conceito e legitimar a ingerência, referindo-se à "preservação" de ecossistemas ou da biodiversidade, no sentido de os manter. Mas faz sentido falar de preservação quando nos referimos aos <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Yellowstone_National_Park#History">projectos da LPN</a> no Campo Branco que envolvem a abetarda ?<br /> </div>Manuel Rochahttp://www.blogger.com/profile/06353136825479182750noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4179933677813336497.post-10934350838386723202010-10-03T14:32:00.001+01:002010-10-12T14:25:39.767+01:00Conservação<div align="justify">Quando se discute conservação, há algumas derivas que parece terem vindo para ficar. Julgo que elas têm a ver com um fenómeno de derrapagem para um estado muito particular do “conhecimento”, típico do nosso tempo. A aceleração que se instalou nas nossas vidas substituiu o conhecimento adquirido com o estudo e a reflexão, pela adesão ao marketing de ideias . De tal forma que, por muito bons que sejam os processos de raciocínio com que tentamos percepcionar o mundo, é frequente que deles resultem crenças erradas apenas porque não temos tempo para reflectir sobre as premissas.<br /><br />Saturadas de teses, explicações, polémicas, as pessoas querem resultados, reivindicam-nos, querem acção, e abrem as portas ao pragmatismo. É verdade que este pragmatismo já não é só empírico, reivindica-se cientifico. Mas não é por isso que se pode dizer que seja melhor que o outro. O problema do empirismo é que quando não se tem tempo para ponderar a acção e tudo o que fazemos é reagir aos acontecimentos, não é a qualidade da ferramenta disponível que usamos que faz a diferença, mas a sua adequação ao uso que dela pretendemos. Os martelos podem ser muito ergonómicos, mas não servem para aparafusar. Se esse desfasamento acontecesse de forma fortuita, talvez não viesse dai mal de maior. Mas quando tende a ser uma prática sistemática, tem como consequência que em lugar de a acção resolver os problemas passa a fazer parte deles. E à contemporaneidade falta sempre tempo.<br /><br />A falta de tempo e a preponderância dos midia, levaram a que a divulgação das bases gerais da ecologia fosse usada como plataforma de transformação do mundo dos sonhos. Em lugar de sonhos guerreiros em que se salvavam pátrias ou donzelas, ou dos sonhos missionários em que se convertiam almas nos confins da China, passou-se a sonhar com salvar baleias na Antárctida ou com a descoberta duma solução milagrosa para armazenar CO2 nas fossas Marianas. As candidatas a miss de qualquer coisa passaram a incorporar a salvação do planeta no seu discurso eleitoral. E os comuns mortais, naturalmente, replicam-lhes os ideais e organizam-se para os cumprir o melhor que podem. Surgem ONG’s de indução Ocidental por todos os quadrantes do mundo conhecido e a governança acompanha como pode esse movimento salvífico uniformemente acelerado até ao ponto em que, à semelhança do que sucedeu em muitos outros sectores, a gestão da coisa ambiental começou a transformar-se numa burocracia, teceu uma complexa teia de interesses , originou o seu próprio corporativismo, servindo-se para tudo isso de um saco de conceitos imprecisos de onde cada qual tira os que calha para usar como lhe dá mais jeito. Entre eles o de conservação.<br /><br />Como acontece em quase tudo, também não há unanimismo neste conceito, e ainda bem, acrescento , pois a diversidade dos pontos de vista é uma riqueza em si mesma. Mas conviria, julgo, que houvesse um eixo sólido em redor do qual fosse possível reflecti-lo, pois de outra forma parece difícil assegurar a coerência das politicas e a consequência da acção. A minha proposta tem sido no sentido de que esse eixo consista na intencionalidade de um certo tipo de prática na intervenção do homem sobre o território: nesta perspectiva, diria que a <strong>conservação reporta a uma prática consistente com a intenção de continuar a colher .<br /></strong><br />Há conservação nas politicas impeditivas da construção em solos agrícolas, nos princípios de afolhamento do espaço agrícola e das rotações de cultura, nos métodos de fertilização orgânica. Há conservação nas medidas aplicadas às bacias hidrográficas tendentes a assegurar a infiltração e a qualidade da água. Há conservação nas medidas de defeso tendentes a garantir o sucesso reprodutivo de espécies piscícolas. Não há conservação quando um grupo de linces ibéricos é mantido em cativeiro em Silves para posterior libertação na Serra Algarvia. Isso é outra coisa. Lá iremos.<br /></div>Manuel Rochahttp://www.blogger.com/profile/06353136825479182750noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4179933677813336497.post-40829643822811990452010-09-27T15:16:00.003+01:002010-10-12T14:26:48.383+01:00Novas Oportunidades<div align="justify">O Henrique Santos sugeriu-me a leitura do seu livro, “ <a href="http://nap-utad.blogs.sapo.pt/4183.html">Do tempo e da Paisagem – Manual para leitura de paisagens”</a>. Já encomendei. A ideia é ajudar-me na dificil compreensão de problemáticas e conceitos que obviamente não domino. Estão em causa ideias de património, cultura, paisagem, conservação. E está visto que tirei mau proveito das lições e leituras de O Ribeiro, G R Telles, M Feio , C Carvalho, G Guerreiro. De resto, suponho que para os critérios em uso estes gajos já estejam ultrapassados. E eu também, naturalmente. Um dos aspectos em que melhor se revela esse meu desfasamento face à realidade corrente, é no mau hábito de detestar a mania de usar as mesmas palavras para exprimir coisas diferentes. Há conceitos que se revelam insuficientes, errados, inadequados, e por isso têm de ser alterados. É assim, as coisas mudam. Mas herdei daqueles fulanos que referi a ideia de que até esses só têm a ganhar com palavras novas, para melhor se distinguirem do eventual disparate. Dessa forma, diziam eles, evitavam-se diálogos de surdos, como este que ( <a href="http://ambio.blogspot.com/2010/09/reestruturacao-do-icnb-e-os-fogos-nas.html">aqui</a>...caixa de comentários ) eu e o HPS protagonizamos.<br /><br />Foram ainda aqueles "dinossauros", maioritariamente extintos, quem me chamou a atenção para o que consideravam dois erros comuns no que diz respeito á forma como nos referimos ao património. O primeiro é pensar que património é sobre natureza ou sobre edifícios, quando é sobre as pessoas e o que elas investem em si, na terra ou nos tijolos. O segundo, é pensar que património é sobre o passado quando é sobre o futuro, sobre o que ficará depois de nós desaparecermos.Dai derivava a distinção que me explicaram entre conservação e preservação. Disseram-me que a preservação visava impedir que as coisas acontecessem , e que a conservação ( coisa ainda mais antiga que a <a href="http://lheiterer.blogspot.com/2010/09/politica-agraria-dos-gracos-lei.html">Reforma dos Graco </a>) tinha a ver com a gestão da mudança no sentido de permitir continuar a colher.</div><br /><div align="justify"><br />São noções deste tipo que me têm condicionado a reflexão. Por isso, quando ouço falar em politicas de conservação, só me faz sentido pensar nas couves no contexto das estratégias que permitam às pessoas continuar a colhe-las. Quando ouço falar em património, só me ocorre pensar naquilo que as pessoas têm produzido ( cultura - e tanto me faz se são Biblias, sinfonias ou lagares de azeite ) ao longo dos processos que empreenderam para se viabilizarem nos territórios que colonizaram. Estou convencido que Levi-Strauss, mesmo morto, ainda deve ficar de cabelos em pé de cada vez que se fala nesse contra-senso que se plasma na expressão de “património natural”. A melhoria das interacções das sociedades com o território, no sentido de fortalecer as dinâmicas de perenidade, não carece em nada que a natureza deixe de ser conceptualizada como sempre foi pela ecologia humana: como meio e recurso. Dizia-o o <a href="http://www.eoearth.org/article/Odum,_Howard_T.">H Odum</a>, outro dinossauro extinto, e eu, dinossauro desactualizado mas não extinto, até ver não encontrei abordagem que me fizesse melhor sentido.</div><br /><div align="justify"><br />Claro que tudo isto está prestes a mudar com a iminente chegada a esta casa da obra de HPS. Já abri na estante espaço para ela. Vai ficar entre o G. Hoyois e o Dolfuss, ao lado deixo o Zonneveld . Assim, se quiserem podem organizar-se para umas partidas de poker. Entretanto, na obvia falta de cv relevante ou de obra publicada capaz de recomendar a quem quer que seja, coisa facilmente constatadas pelo HPS ( e que qualquer aprendiz de mestre das nouvelle ciências de avant-garde como essa coisa extraordinária que dá pelo nome de biologia da conservação que me lesse estes dislates, corroboraria sem hesitações …. ) tudo o que me resta é procurar consolo nos escritos de velhos colegas de tarimba que pelos vistos, tal como eu, tb perceberam tudo mal. A d’Abreu e T Correia, por exemplo, produziram recentemente na UE por encomenda da DGOTDU, <a href="http://www.amde.pt/document/447750/450930.pdf">um trabalho </a>que intitulam de “Identificação e caracterização de unidades de paisagem em Portugal”, em que definiam a paisagem nos seguintes termos: “ A paisagem é na generalidade do território europeu, <strong>uma paisagem cultural</strong>, expressão dos diversos recursos ( e condicionalismos, acrescento eu… ) naturais existentes mas tb d acção humana sobre esses recursos. A <strong>paisagem natural</strong> é aquela onde a articulação dos factores ao longo do tempo não foi afectada pela acção humana, o que é raro na Europa. De forma directa ou indirecta existe em todas as paisagens europeias algum impacte de acção humana."</div><div align="justify"><br />O livro do HPS decerto será capaz de desmontar esta tese e evidenciar sem margem para dúvidas que as AP’s portuguesas são, não só paisagens naturais, como património natural, e que, por conseguinte, faz todo o sentido que a prioridade de conservação nesses territórios deva ir no sentido da biodiversidade, tarefa que cabe ao ICNB segundo os critérios do ICNB, e bitola pela qual se deverá medir a sua eficácia, goste-se ou não. </div><div align="justify"><br />Com toda a legitimidade, o HPS acha que a melhor forma de promover as interacções conservacionistas que reclama para as agora designadas AP, é através da centralização da decisão politica a implementar. Talvez seja. Mas não deixa de ser uma situação irónica. Durante séculos, houve pessoas maioritariamente analfabetas que, à margem da civilização, à margem da ciência, das academias e dos seus lentes, desenvolveram estratégias de conservação que deram origem a paisagens tão ricas e a formas de habitar tão interessantes que, chegadas ao nosso tempo, toda a gente, arquitectos paisagistas incluídos, acham por bem valorizar. Mas ao mesmo tempo que lhes reconhecem o mérito, declaram os criadores dessas paisagens incompetentes para continuar a fazer o que sempre fizeram – conservá-las! Estranho ? Talvez não seja. Não o será seguramente se, além do mais, se estiver também a confundir conservação com preservação. Mas só o poderei afirmar depois de concluídas as leituras que agora tão gentilmente me recomendam. Embora dinossauro sem obra publicada que me atreava a recomendar, continuo aberto a novas oportunidades. </div>Manuel Rochahttp://www.blogger.com/profile/06353136825479182750noreply@blogger.com10tag:blogger.com,1999:blog-4179933677813336497.post-19546689081374571772010-09-23T12:25:00.003+01:002010-09-23T12:30:12.774+01:00Conferência de Copenhaga - a versão de 1898“Em 1898, representantes de todo o mundo reuniram-se em Nova Iorque para a primeira conferência internacional de planeamento urbano. Não foi a habitação, a utilização da terra, o desenvolvimento económico ou as infra-estruturas que dominaram as discussões. Os participantes estavam desesperados por causa dos cavalos.<br /><br />Os cavalos não eram uma novidade na vida urbana. Mas no final do século XIX, o problema da poluição com origem nos cavalos atingia níveis sem precedentes. O crescimento do número de cavalos ultrapassava até o rápido crescimento do número de residentes urbanos. As cidades americanas atolavam-se em excremento de cavalo bem como noutros desagradáveis problemas: cheiro a mijo , moscas por todo o lado, engarrafamentos, carcaças abandonadas, acidentes de trânsito, a degradação publica da crueldade contra cavalos.<br /><br /> Em 1894, o jornal Times , de Londres, estimou que por 1950 todas as ruas da cidade estariam sob quase 3 metros de excremento de cavalo. Na cidade de Nova Iorque previa-se que por 1930 o excremento de cavalo alcançariam as janelas do terceiro andar dos prédios de Manhattan. Uma crise de saúde pública e de salubridade de dimensões impensáveis parecia inevitável.Não se vislumbrava qualquer solução. De facto, o cavalo tinha sido o meio de transporte dominante nos últimos séculos. Os cavalos eram imprescindíveis para o funcionamento da cidade do século XIX: para o transporte pessoal, para o transporte de mercadorias e até para força mecânica. Sem cavalos, as cidades definhariam.Todos os esforços para mitigar o problema revelavam-se desadequados. Sentindo-se impotente , a conferência de planeamento urbano declarou infrutíferos os seus trabalhos e acabou ao fim de 3 dias em lugar dos 10 que estavam previstos"<br /><br />Interessados ? Podem continuar a leitura <a href="http://www.uctc.net/access/30/Access%2030%20-%2002%20-%20Horse%20Power.pdf">aqui. </a>Vale a pena.Manuel Rochahttp://www.blogger.com/profile/06353136825479182750noreply@blogger.com8tag:blogger.com,1999:blog-4179933677813336497.post-12703898189831919412010-09-21T17:28:00.003+01:002010-10-12T14:33:33.151+01:00Decroissance ( II )<div align="justify"><br />Os limites do crescimento e a refundação das bases do capitalismo já ocuparam tanta gente e sobre o tema já se escreveu tanta coisa, que sempre que encaro o assunto não consigo evitar a sensação de perda de tempo. Há dinâmicas que parecem ter vida própria, e já dei por mim a questionar-me se nesses casos não faríamos melhor se nos chegássemos para o lado para as deixar fazer o seu caminho. </div><div align="justify"><br />Quem já meteu ombros à recuperação de antigas casas de família, percebe melhor do que estou a falar. Os edifícios antigos têm características concretas de construção que não se podem contornar. Qualquer renovação com vista a um uso diferente do original tem de obedecer de algum modo a essa matriz. Posso mudar portas, janelas, soalhos, telhas, rebocos. Mas não posso tirar paredes de travamento e fazer daquilo um <em>open-space.</em></div><br /><div align="justify">Passa-se algo do género quando se preconiza que a sociedade capitalista deveria abandonar o imperativo do crescimento económico. Não é que não seja possível pensar uma sociedade que não inscreva no seu projecto económico o crescimento continuo do PIB, possível, é. Mas não como remodelação do edifício capitalista, cuja estrutura não foi desenhada para suportar esse tipo de arranjo. </div><div align="justify"><br />Seria pois de esperar que quem pretende abandonar os condicionalismos do capitalismo, fundasse ao lado obra nova, isto é, que fosse dando corpo a um novo paradigma. Mas não. Então, de tempos a tempos , acontece o que é normal nos edifícios antigos. Aparece alguém para retocar os estuques e pintar de fresco paredes velhas. Eventualmente aproveita e muda também a decoração, mas é tudo.</div><br /><div align="justify">Foi o que aconteceu quando há cerca de vinte anitos uma <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Gro_Harlem_Brundtland">dona de casa norueguesa</a>, daquelas matriarcas capazes de qualquer coisa para manter a harmonia no lar , tirou da caçarola uma ideia peregrina de contornos imprecisos que teve na sua vacuidade ideológica o principal atractivo e por isso se tornou rapidamente consensual. Chamou-lhe <a href="http://www.sd-commission.org.uk/pages/a-brief-history-of-sustainable-development.html">"desenvolvimento sustentável"</a>. Um género de sopa da pedra, sabe-se que leva pedra, que não é a pedra quem lhe dá substancia, mas é tudo o que se sabe e para muita gente é quanto basta. Percebe-se. A sustentabilidade é o sonho ideal de todos os narcisos, pois ajuda-os na crença de que a juventude e a beleza eternas são possíveis. Como de narcisos todos temos qualquer coisa e como o capitalismo de parvo não tem nada, desde então que passou a servir-nos sustentabilidade a todas as refeições e lucrado com isso. A coisa chegou a pontos de até as famigeradas rotundas serem consideradas “sustentáveis”. Naturalmente os menos narcisos fartaram-se de tanta sustentabilidade e têm procurado variar a ementa discursiva. </div><div align="justify"><br />Uma das variantes mais recentes baptizou-se de <a href="http://decroissance.info/">decroissance</a>. É uma corrente anti produtivista e anti consumista que de novo só tem o nome. Preconiza consumir menos, produzir menos, reproduzir menos. Quer dizer, sugere que se retirem as paredes interiores do edifício em que vivemos, mas não explica como segurar o telhado. Ora a sociedade capitalista implode se lhe tiram o ai Jesus do consuminho, conforme tem sido evidente nos últimos tempos. E como o pessoal já percebeu isso, reage muito mal ás lógicas de decroissance. Dos ricos, que não querem deixar de o ser, aos pobres, que não entendem por que terão de continuar pobres, passando pelos remediados, que, finalmente, estavam quase, quase, a ser ricos, o decroissance constitui uma das raras matérias que conta com a oposição unânime de quase toda a gente. Portanto, não admira que até ver não haja quem faça a mínima ideia de como ir por diante com semelhante propósito.</div><br /><div align="justify">Tim Jackson tentou desatar essa nozada. Retomou a ideia de sustentabilidade para tentar demonstrar que ela se pode realizar sem crescimento económico, mas a ideia sai mal misturada, tipo azeite e água. Nada de original até aqui. Já outros o tinham tentado. A originalidade do TJ é que tenta marcar os golos em falta metendo a bola pelo lado de trás da baliza, tentando demonstrar que é possível <a href="http://www.sd-commission.org.uk/publications/downloads/prosperity_without_growth_report.pdf">conjugar crescimentos zero ou negativos com prosperidade </a>. Mas aí, a meu ver, espalhou-se !</div><br /><div align="justify">A verdade é que o discurso de TJ é redondo, e o livro lê-se bastante bem. Em termos de conteúdos, é uma espécie de salada mista de <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/The_Limits_to_Growth">Relatório Meadows </a>com <a href="http://www.olivreiro.com.br/livros/146580-convivencialidade-a">Convivencialidade</a>. Falta-lhe é qualquer coisa que ligue aquilo, qualquer coisa como uma teoria convincente apoiada numa alternativa clara ao conceito clássico de “prosperidade”, e este um dos seus pontos mais fracos.</div><br /><div align="justify">Para fazer vingar a sua tese, TJ recorre à etimologia da palavra, e recorda que prosperidade quer dizer de acordo com a expectativa. Assim é. Mas as expectativas de prosperidade globalizadas e em uso estão plasmadas nos modelos de bem-estar dos ocidentais de sucesso. Ignorar isso torna qualquer reflexão politica mero exercício académico, e TJ cai nessa esparrela. A ideia que se tem da prosperidade não é a que TJ gostava que fosse, é a que é, e só num cenário de prosperidade generalizada tal qual é entendida, é que as sociedades poderiam eventualmente estar disponíveis para aceitar discutir cenários de crescimento zero. As próprias sociedades de referência são elas próprias um terreno fértil em fragilidades estruturais que TJ faz de conta que ignora, como a dependência energética. Talvez tivesse sido por isso que TJ evita qualquer proposta de transição no sentido do crescimento zero para as instituições e para os sistemas que funcionam dentro da lógica do capitalismo vigente. Na verdade, mesmo desprezando prováveis alterações nos custos da energia, ninguém sabe como fazer a transição das modernas economias de bem-estar fundadas no crescimento económico e na energia barata para essa impossibilidade prática de conciliar uma economia próspera com um crescimento zero, ou negativo. </div><div align="justify"><br />Essa critica necessária às teorias económicas vigentes, fica pelo acessório no trabalho de TJ. Ele não se detém sobre o detalhe de que as teorias que suportam as politicas de crescimento económico foram desenvolvidas sob pressupostos artificias. Esses pressupostos estavam perfeitamente claros na mente de muitos dos seus autores, mas são têm-se revelado perfeitamente nebulosos para a generalidade dos economistas. São poucos os que reconhecem que as teorias de crescimento económico funcionam apenas porque os modelos matemáticos em que se apoiam são verdadeiros. Nas academias a ortodoxia impera e são ainda menos os que se aventuram a desbravar a noção de que os bens cuja produção, transacção e consumo se estuda, não são abstracções matemáticas. Os modelos de Walras e respectivos sucedâneos, aplicam-se a bens monetarizáveis, comercializáveis e reproduzíveis, quer dizer, a abstracções, pois os combustíveis fósseis, solos, metais, nutrientes, necessários para os reproduzir, não são eles mesmos reproduzíveis, não são renováveis. Walras percebia isso. Quem lhe usa os modelos acha que não precisa de perceber isso, e portanto atreveu-se na aventura da globalização sem ter antes percebido que a economia no fundo produziu teorias e modelos para um mundo físico ideal que não existe. Os economistas deixaram-se aprisionar nessa ficção de que as economias são desmaterializáveis. Depois, renderam-se ao presente, e mostram-se incapazes de se libertar das grilhetas da instrumentalização que inventaram para o descrever. TJ não foge à regra. Neste livro agora publicado terá feito o que pôde, mas sabe a pouco.<br /><br /><br /><br /></div>Manuel Rochahttp://www.blogger.com/profile/06353136825479182750noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-4179933677813336497.post-72956463349151244372010-09-19T13:24:00.002+01:002010-10-12T14:26:48.384+01:00Uma Pocilga no Rossio<div align="justify"><br /><br /><br /><em>“… <a href="http://ambio.blogspot.com/2010/09/mude-se-pois-esta-no-sitio-errado.html">o post </a>não é sobre quem está mal mude-se, é sobre as pessoas que querendo desenvolver uma actividade económica num sítio onde legalmente não podem (por exemplo, instalar uma pocilga no Rossio), usam esse facto para tentar obter vantagens em vez de fazer uma de duas opções: ou adaptar a sua actividade económica ao enquadramento legal existente; ou mudar para onde seja possível o desenvolvimento do que querem fazer da vida.”<br /><br />Henrique Pereira dos Santos</em><br /><br /><br /><br /><br /><br />O uso do argumento da “legalidade” para justificar um qualquer <em>status quo</em>, é uma das mais estafadas falácias de autoridade. A “legalidade” não é necessariamente boa, não é imutável, nem preexiste desde os princípios dos tempos. A legalidade é simplesmente a tentativa de circunstância de adaptar as regras ao tempo em nome de duma ideia de bem comum. </div><div align="justify"><br />Outra falácia, desta vez de falso dilema, é usar o argumento do bem comum como se se tratasse de um único caminho, oposto ao do mal comum. Tal como o mal também o bem tem vários caminhos possíveis . Mas nenhum deles corresponde a um conceito com uma objectividade intemporal inquestionável que abarque simultaneamente o bem de todos e de cada um. O bem comum é apenas a narrativa que num determinado contexto social e politico reúne o consenso com poder bastante para impor a sua visão das coisas. </div><div align="justify"><br />Ainda assim o processo politico para alcançar o bem comum raramente é linear. Mesmo quando o objectivo de bem comum venha a ser plenamente alcançado, isso não quer dizer que todos tenham sido beneficiados de igual modo e que nunca existam vitimas de percurso.<br /><br />Um dos pilares da nossa ordenação social é a propriedade privada. Não comento se é um pilar bom ou mau, constato que existe. Facto. O valor da propriedade, como a terra, é determinado por factores objectivos e subjectivos, ou seja, pelo valor de uso e eventualmente por mais qualquer coisa eventualmente fortuita, como a vista de mar . Mudanças nas regras de uso do território, implicam mudanças nos processos pré-existentes de valoração da propriedade e por conseguinte afectam inevitavelmente a vida dos terratenentes. Uma barragem que transforme terras de sequeiro em regadio vai valorizá-las duplamente - potencia a produtividade, a rentabilidade, e consequentemente aumenta o valor de mercado. Do mesmo modo, uma regra de ordenamento impeditiva da construção excepto onde ela já exista, valoriza o pré-edificado. E valoriza-o duplamente se a regra se impõe em relação a um território onde a apetência para a edificação já existia. Facto. Se o meu sonho é construir uma casa de férias com vista de mar, é absolutamente diferente adquirir para o efeito um lote de terreno com vista de mar mas integrado numa urbanização, ou um prédio misto isolado numa AP do litoral . Obvio que neste caso tenho a manutenção da vista razoavelmente garantida, enquanto no primeiro estou dependente das particularidades dos projectos circundantes. E, claro, tudo isto se reflecte nos preços.<br /><br />Para constatar que as coisas funcionam assim, não é preciso um estudo académico. Basta uma consulta ao cardápio da REMAX. Não foi por acaso que o preço médio do ha de sequeiro em Ferreira do Alentejo saltou seis degraus logo que se começaram a construir os adutores ao Alqueva.Como também não é por acaso que a REMAX não promove prédios rústicos no Portinho da Arrábida ou na Costa Vicentina. Dou de barato que a transposição de correlações para casualidades nem sempre é tão fácil. Mas não sejamos ingénuos. Qualquer intervenção sobre o território em contexto de propriedade privada da terra, é tudo o que se queira menos neutra. Altera os equilíbrios anteriores, produz mudança, e nas margens do processo acorrem beneficiados e prejudicados concretos. Seja o traçado de uma estrada ou a localização de um aeroporto, um perímetro de rega ou uma AP, qualquer dessas intervenções sobre o território constituem mudanças com impactos sobre a situação anterior. Será inevitável. O que não é inevitável é que se remeta esse tipo de fenómenos para a categoria dos azares do destino, como seria cair-me um raio em cima. </div><div align="justify"><br />Posto isto passemos à magna questão da pocilga no Rossio, tentando comparar o que é comparável. </div><div align="justify"><br />A possibilidade de construir pocilgas no Rossio está fora de questão há muito. Por isso a ideia só poderia ocorrer a um ET ou ao equivalente terráqueo capaz de qualquer coisa para aparecer no telejornal das 20. Para as pessoas normais, o simples enunciado dessa possibilidade numa discussão séria resume-se ao que é: um fait-divers pouco imaginativo inserido numa tipica falácia de derrapagem. </div><div align="justify"><br />De facto a hipótese colocada nada tem a ver com o caso do rústico a quem de um dia para o outro informam que vai deixar de poder criar porcos e de fazer mais uma série de coisas onde sempre o tinha feito. Bem, os tempos mudam e as regras mudam. Muitas vezes essas mudanças são decidas por todos menos por aqueles a quem vão afectar diariamente, mas tudo bem, deixemos isso para outra discussão. Para esta, o ponto é que o gajo é casmurro e teima em querer continuar a viver ali mesmo depois de lhe terem inviabilizado o modo de vida a que estava habituado. Sugerir a este tipo concreto que se adapte ou então que se mude, terá que ter uma ponderação diferente de idêntica sugestão feita ao verde-urbano em fuga ao stress citadino que resolveu mudar-se para o sitio já na vigência das novas regras mas que não gosta de algumas delas. Além disso, ainda em relação aos que já lá estavam, mesmo dando de barato a bondade da sugestão, importa perceber que nem todos os criadores de porcos a quem as novas regras vieram mudar a vida têm as mesmas condições para realizar a adaptação ou a mudança sugeridas. Deu-se a circunstância de que uns tantos tinham construído uma pocilgas de taipa em vez de simplesmente deixarem as porcas parirem a campo. Ora como quem proibiu a criação de porcos não proibiu a reconversão das ditas pocilgas em versões várias de romantismo rústico para veraneio urbano, houve ex-suinicultores a quem saiu literalmente a lotaria, enquanto os outros ficaram agarrados ao cajado. Ou seja, enquanto os primeiros se quiserem podem abrir uma pizzaria no Rossio e mudar de vida por cima, aos restantes que também se queiram mudar resta-lhes oferecerem-se para empregados de limpeza da dita, mudando de vida por baixo. </div><div align="justify"><br />As áreas protegidas não integrarão regulamentação que em si mesma se possa considerar mais ou menos promotora de desigualdades que outra regulamentação qualquer sobre o uso do território. Dou isso de barato. Mas as AP’s não foram classificadas ao acaso. Elas estabeleceram-se em contextos geográficos concretos cuja mais valia paisagística já existia e foi reconhecida. Além disso aconteceram num contexto de prosperidade económica concreto, propenso à valorização e à aquisição das “ultimas jóias”. Ou seja, a “promoção da desigualdade” não terá sido uma intensão ou um processo especifico das AP’s, mas não deixa por isso de ter sido particularmente acentuado nas suas áreas de influência, dadas as circunstancias concretas em que elas evoluíram. </div><div align="justify"><br />É a esta situação concreta que me referia na resposta em que disse que as pessoas não se adaptam ou mudam como querem, mas como podem. Nada mais que isso. Sugerir o contrário é apenas um dislate infeliz a que nenhum de nós está imune.<br /></div>Manuel Rochahttp://www.blogger.com/profile/06353136825479182750noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-4179933677813336497.post-72882677038372584992010-09-08T17:21:00.002+01:002010-10-12T14:33:33.152+01:00Decroissance<div align="justify"><br /><em>- Bom dia , Maria da luz !<br />- Alucinas ?! Achas que vou ter um bom dia sabendo o camarada Arnaldo Matos nos calabouços do COPCON ?!<br />- Mas não tinha sido libertado ontem ?...<br />- Mas foi preso outra vez por esses lacaios revisionistas a soldo do imperialismo soviético!<br /></em>E lá seguia, brusca, azul, desenvolta, guerreira, linda. Uma tentação. Mas, com o espírito assoberbado por uma militância compulsiva na ala mais radical do MRPP, chegar à fala com ela era o cabo dos trabalhos.<br /><em>- Maria da Luz, queres ir beber um cafézinho ?<br />- Esse hábito burguês que ignora a exploração do proletariado campesino pobre pelos grandes interesses do capitalismo agrário ianque ? Nem pensar !<br />- Não, Maria da Luz…este é do Nabeiro…vem de Espanha….de contrabando</em>…- Mas nem assim! E era uma pena. Ela bem tentava disfarçar a generosidade com que a natureza a tinha prendado. Usava uns trapos que eram o que de mais parecido devia haver com a indumentária dos guardas vermelhos. Mas perante aquela fluidez no andar nem a provecta idade do Mao ficaria indiferente. Acho que não houve adolescente daquele liceu a quem a Maria da Luz não tivesse povoado pelo menos uma insónia. Só que, a cores e ao vivo, népia, não havia registo do esboço de um sorriso que fosse, quanto mais do resto. Delicada como porcelana, Maria da Luz tinha pior feitio que o muro de Berlim e a muralha da China juntos, era duplamente intransponível. De modo que já me tinha conformado a alinhar no batalhão dos desistentes. Até que naquela manhã de Abril tudo mudou, como se fosse uma perestroika antecipada . </div><div align="justify"><br />O “trinta cabelinhos” tinha pedido para depois da Páscoa um ensaio crítico sobre qualquer coisa. Como o tema era livre eu resolvi escolher a crítica à escola. Não foi uma escolha tão criativa quanto possam estar a pensar, confesso. Na verdade o que sucedeu é que fui procurar a nova edição do Asterix à Casa Inglesa, ali ao Largo do Dique, e junto à caixa estava aquele livrinho em francês que me chamou a atenção: “ Une societé sans ecole”. Dei uma vista rápida, estava cheio de ideias giras, achei óptimo, tipo papa feita, de modo que comprei, li em diagonal, traduzi, adaptei, resumi, e quando chegou a minha vez subi ao palanque e proclamei: </div><div align="justify"><br /> "A escola parece estar destinada a ser a igreja universal de nossa cultura em decadência." </div><div align="justify"><br />Habitualmente alheada lá nos refundos da sala daquele mundo burguês que a enfastiava de morte, a Maria da Luz levantou os olhos. E á medida que eu prossegui debitando <a href="http://www.infed.org/thinkers/et-illic.htm">Illich</a> ela começou a sorrir. Como era motivador aquele sorriso! De modo que redobrei na convicção, embora admirado por ainda haver prosa de pendor revolucionária desconhecida da Maria da Luz, que dominava de cima a baixo toda a retórica marxista-leninista, e respectivos anexos. Só mais tarde vim a saber que ela não lia estrangeiro. Ora Illich não estava traduzido. Sorte a minha. Não convenci o “trinta” com o plágio, mas a Maria da Luz foi sentar-se ao meu lado logo ao segundo tempo, na aula de biologia, dando inicio a um intimidade que durou tanto quanto o permitiu a obra publicada do austríaco, ou seja, até ao fim do ano lectivo. </div><div align="justify"><br />Durante esse período, garanto que o Illich foi a única coisa que estudei. Tudo o resto, desde a matemática ao inglês, reproduzi de ouvido. Sobrecarregada pelos imperativos revolucionários, que não lhe deixavam tempo para mais nada, a Maria da Luz tinha acumulado um apetite voraz, e os meus desassete anitos só conseguiam dar conta do recado graças aos extensos intervalos que as discussões sobre o pensamento do Illich proporcionavam. Desde então criei uma dupla gratidão para toda a vida. Ao austríaco, por me ter facultado a senha de acesso a um jardim espectacular que de outra forma nunca teria visitado, e à dona do jardim, graças a quem li o Illich com um fervor que nunca mais dediquei a nenhum autor. </div><div align="justify"><br />Como tudo na vida tem consequências, também esta experiencia deixou mazelas. Fiquei com enorme dificuldade em ler ou ouvir determinado tipo de criticas ao capitalista liberal e respectivas variantes sem perder a compostura, desmancho-me a rir. É que, dos ecologistas aos verdes, dos sustentáveis aos decrescentes, há quatro décadas que todos se atarefam em seguir-me as pisadas quando preparei a tal apresentação para filosofia: plagiam descaradamente o Iliich. No entanto duvido que o <a href="http://www.ces-surrey.org.uk/people/staff/tjackson.shtml">Tim Jackson</a>, por exemplo, o tenha feito para merecer um sorriso da Maria da Luz, embora na verdade eu nunca mais tenha sabido dela. Depois das férias, quando voltei da campanha da cavala, ainda lhe telefonei. Eu ia mudar de poiso, ela possivelmente também e, sabia-se lá ?, podia ser que houvesse interesse na manutenção de certas pontes.<br /><em>- Olá Maria da Luz !<br />- Olá. Diz .<br />- Olha, queres ir comer um sorvete à Praia da Rocha ?<br />- És parvo ? Sabes em que condições trabalham os operários das multinacionais que monopolizam a industria burguesa de lacticínios ? –</em> Abalroado, ainda manobrei de emergência na tentativa de mudar de bordo rapidamente.<br />-<em> Olha, sabes, estive a ler uns textos interessantes ?<br />- De quem ?<br />- Henri Lefebvre…<br />- Já conheço. Não tem interesse. Adeus !</em> – E desligou ! Até hoje. Espero que ainda ande em busca de autores revolucionários desconhecidos capazes de lhe soltar aquele sorriso fantástico. Antes isso que ter descambado no ultra liberalismo do Durão ou no ressabiamento persecutório do Pacheco, ou da Morgado. Quanto ao Ivan Illich, encontrei-o por mero acaso uns anos depois, quem diria ! Ele dava uma conferência na velha Penn e eu andava perto de Filadélfia. Foi quando, 1988 ? Talvez, não interessa. O Possinger conhecia-o, soube do programa, convidou-me e lá fomos. No final apresentou-nos e eu aproveitei para agradecer-lhe - « Thank you ! ». O Illich correspondeu com um sorriso, deve ter ficado a pensar que tinha a ver com a palestra, mas estava enganado. O Jackson não sei se o conheceu pessoalmente, mas que diabo, bem que lhe podia ter-lhe deixado um " thank you" póstumo na nota de abertura desta pseudo-novidade que dá pelo titulo de <a href="http://www.earthscan.co.uk/SpecialBookProductPages/ProsperityWithoutGrowth/tabid/102098/Default.aspx">"Prosperity without growth", </a>pois lá por dentro o livro tresanda a razões para isso. E lá iremos. </div><div align="justify"> </div>Manuel Rochahttp://www.blogger.com/profile/06353136825479182750noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-4179933677813336497.post-46729504740921320952010-09-05T12:29:00.005+01:002010-10-12T14:26:48.385+01:00Há Pobres e pobres ...<div align="justify">O basófia do Almerindo era daquele tipo de pessoa que todos os dias tinha uma razão de queixa qualquer. Ou doía-lhe as costas, ou tinha uma vaca doente, que chovia, que fazia sol, enfim, qualquer coisa era uma boa razão para clamar, barafustar. Naquela tarde domingueira deu-lhe para embirrar com os ricos, que eram uns palhaços, uns filhos da tal senhora e de um senhor com dores de testa crónicas, e mais isto, e também aquilo, e que o mundo havia de ser sempre a mesma merda, com os ricos de um lado e os pobres do outro. </div><div align="justify"><br />Chagado a este ponto, o velho Rocha resolveu cortar-lhe o monólogo com um pergunta atirada lá do seu poiso habitual na ponta do balcão do café do Zé David , onde costumava inteirar-se do estado do mundo. </div><div align="justify"><br />-<em> Atão tu na gostavas de ser rique ?<br />- Omessa, Mestre Rocha ! Quem é que na gostava de ser rique ? !<br />- Atão já tás a ver como tavas a dizer disparates?…<br />- Por mom de quê , Mestre Rocha?! </em>– O velho Rocha dignou-se desencostar-se do balcão, endireitou as espáduas, virou-se, e rematou daquela forma indefensável que deixava em pânico quem quer que fosse que estivesse à baliza:<br /><em>- Tá bom de ver que o mundo na se divide nada entre riques e pobres, criatura ! O mundo divide-se entre os que já são riques e os que na são mas querem ser, come é o té case !<br /><br /></em>Lembrei-me deste episódio a propósito de um grupo de pessoas genuínas e bem intencionadas que partilha na blogosfera o sonho de acabar com a pobreza . É um sonho bonito, simpático, daqueles que geram adesões espontâneas de todos os genes altruístas por mais recessivos que sejam. Por isso a abordagem critica deste sonho é uma tarefa antipática. Tenho-a adiado por isso mesmo. Mas como a minha intenção não é destruir o sonho, apenas questionar a utopia, aqui vai o meu contributo. </div><div align="justify"><br />Pode-se definir a pobreza sem definir a riqueza ?Talvez não ! Onde não há termo de comparação a pobreza, isto é, viver com pouco, é a condição normal. No entanto, como a distribuição histórica dos bens raramente tem sido equitativa, o estado “normal” das sociedades é que coexistam uns poucos que têm muito e uns muitos que têm pouco . Mas basta isso para tipificar a pobreza ? Talvez não baste. Pode-se viver bem com pouco e mal com muito. È mais saudável ser magro ou obeso ? A resposta basta para ilustrar o meu ponto, que é a dificuldade de estabelecer uma grelha quantitativa, generalista, que enquadre a pobreza. Percebe-se isso nas várias tentativas de sistematização, como a deste <a href="http://contrapobreza.blogspot.com/2010/08/as-dimensoes-da-exclusao-social.html">post</a>. A modernidade de consumo e abundância sente-se na necessidade de redefinir as fronteiras da pobreza porque as expectativas mudaram. Ser pobre deixou de ser tipificado pela capacidade de resolver as necessidades básicas, já não basta dizer que é viver com pouco, tem de se dizer também o que se entende por pouco. Quando há uns tempos um governo qualquer resolveu aumentar o abono de família em não seis quantos cêntimos, não faltaram os beneficiários disponíveis para declarar aos telejornais que isso “nem para as fraldas” dava. Quer dizer, ser pobre já não é andar de cu ao léu ou de camisas remendadas, mas não ter orçamento para fraldas descartáveis, pois as outras, as que se lavavam todos os dias, são vistas como…não sei como, sei que já ninguém as usa, nem ricos nem pobres. </div><div align="justify"><br />Portanto, procura-se actualizar e incluir novas dimensões no conceito de pobreza. Mas a tentativa comete o pecadilho das fraldas: define as necessidades de acordo com um paradigma cujas fronteiras descolaram da utilidade das coisas e remete para o Estado abstracto a responsabilidade que é de todos e de cada um - fazer pela vida. </div><div align="justify"><br />A moderna luta contra a pobreza tem por objectivo a equidade universal na abundância. Ainda que relativa, é de distribuir a abundância que se trata. A adquirida e a por adquirir. Cá por casa, o próprio PCP não se inibe de incluir o crescimento do PIB no seu discurso. Percebeu que o que há não basta para satisfazer as suas reivindicações de mais de tudo para os do costume e alinha com os outros na necessidade, não só de melhorar a distribuição, mas também de aumentar a riqueza. Mas esta riqueza que se infere tem pés de barro. Ela avalia-se segundo critérios monetários transitórios e obtém-se com soluções intensivas de aprovisionamento energético cuja durabilidade não está assegurada. Ou seja, a abundância que consideramos possível mas mal distribuída, não é real nem está garantida. </div><div align="justify"><br />Quem gosta de angariar aderentes aos seus discursos incorporando na retórica as possibilidades de redistribuição do património concentrado nas mãos dos ricos, tende a esquecer que essa solução já foi ensaiada e que se saiba raramente correu bem. Entre nós o ultimo ensaio aconteceu no pós-74, por exemplo. Quem esteve atento percebeu que o património dos ricos só vale o que se apregoa quando há outros ricos para o comprar, mas o pessoal já se esqueceu disso. Quer dizer, não se vai longe redistribuindo fortunas. Coisas como iates nem para ir à pesca servem. E para os trocar por patacos, pois ou sobram ricos que paguem o que se convencionou que aquilo vale ou então não vale nada porque não serve para nada. Não se trata de pactuar com a amoralidade na obtenção ou na concentração da riqueza. Mas de reflectir que os luxos que pontuam na avaliação das fortunas são sobretudo coisas assim, inutilidades que criam a ilusão de prosperidade onde ela não existe. </div><div align="justify"><br />Por outro lado, aquilo a que se convencionou chamar melhoria geral das condições de vida, ou seja, o acréscimo significativo de facilidades que se têm registado nas ultimas décadas na obtenção de bens e serviços, não está ligado ao desenvolvimento de uma capacidade efectiva e duradoura de colheita e distribuição desses bens. Está sim ligado a soluções de aprovisionamento e uso de energia que não são racionais nem definitivas. E a paradigmas macroeconómicos que semeiam dependências disfarçadas sob roupagens surrealistas de interdependências globais. </div><div align="justify"><br />Quer dizer, abordar a questão da pobreza pelo lado da distribuição, talvez seja curto. Curto porque dá como adquirido o que se julga disponível sem cuidar de perceber se essa disponibilidade é real ou aparente, duradoura ou transitória, necessária, supérflua ou, simplesmente, inútil. Esta estreiteza de vistas pode ter a ver com outro género de pobreza essa sim deveras complicada, que é a cultural. A memória de saber viver no território que suportou a civilização que herdamos, tem vindo a degradar-se . Os arautos da mundividência criticam o provincianismo. Mas os Almerindos da pós modernidade já não são apenas ignorantes que querem ser ricos, são ignorantes letrados, impressionistas da vida. Eles sabem papaguear os problemas da fome em África, mas não são capazes de cultivar uma batata no quintal lá de casa. Ou seja, tal como certos luxos, têm mero valor decorativo, não servem para mais nada . E isso é pior que a pobreza, é uma miséria, porque revela falta de sabedoria para dar bom uso ao que se tem, seja pouco ou seja muito.<br /></div>Manuel Rochahttp://www.blogger.com/profile/06353136825479182750noreply@blogger.com8tag:blogger.com,1999:blog-4179933677813336497.post-22981831052976172052010-09-02T11:10:00.003+01:002010-10-12T14:27:17.319+01:00Teoria dos Erros<div align="justify">Tranquilos ! Não se segue nenhum prato pesado sobre filosofia da matemática. O tempo vai quente e as refeições querem-se leves. Portanto, vamos a uma recensão de lugares comuns sob a égide do erro.</div><div align="justify"><br />Em comentários ao post anterior falou-se da dificuldade em assumirmos os erros. E eu fiquei a matutar sobre o que é isso dos erros. Pode dar-se o caso de usarmos o conceito de erro de formas perfeitamente abusivas. São muitas as expressões que incorporamos nos nossos raciocínios e nos nossos discursos sem nos darmos ao incómodo de nos determos sobre o seu significado. Sobram as ideias que adquirimos automaticamente. Esse pragmatismo é necessário mas pode redundar em leituras simplistas das coisas, e o conceito de erro é daqueles que se presta a isso.</div><div align="justify"><br />Raramente separamos a noção de erro de um absoluto omnisciente, como se houvesse uma clarividência transcendente para aceder a tudo o que não se conhece ou ainda não aconteceu. No entanto o erro define-se em relação a uma convenção ou a uma norma, que são coisas mais que terrenas, elas mesmas sujeitas a erro. Daí que seria prudente não separar a ideia de certo ou errado da nossa inteligência das coisas e das limitações que estão sempre associadas a esses processos. A nossa compreensão do mundo e de nós mesmos, é apenas a que é possível. E o erro, mais que uma consequência de uma compreensão imperfeita ou de uma prática incorrecta, é um ingrediente da vida. </div><div align="justify"><br />Eventualmente, viver-se-ia melhor aprendendo a incorporar os erros nos nossos processos que procurando evitá-los. É que os erros que se cometem na vida não são do mesmo tipo de erro grosseiro que se pode cometer num procedimento químico sobejamente conhecido. Se as mulheres fossem água e os homens ácido sulfúrico, só cometia erros de diluição quem quisesse. O protocolo de diluição do ácido sulfúrico está bem estabelecido. Recomenda que se deve adicionar sempre o ácido à agua e lentamente. Inúmeras experiencias realizadas já demonstraram à saciedade que o contrário explode aquela merda toda nas trombas do criativo. Mas como as pessoas não têm as propriedades químicas e a previsibilidade do comportamento dos ácidos e das bases, é frequente que das respectivas misturas resultem reacções imprevistas. Talvez seja essa a chave para a compreensão da diversidade da vida. Mas temos o mau hábito de valorizar as experiencias bem sucedidas sem reflectir que por cada sucesso alcançado se cometeram carradas de erros. E esquecendo que para empreender pelo desconhecido é preciso algum atrevimento. O atrevimento é o motor da mudança. E o erro é inerente aos processos de quem se atreve. </div><div align="justify"><br />Portanto, quem é que errou ? A Felismina, que ainda não percebeu qual o papel do sonho na vida? Errou a vida que tem o hábito de se apresentar como um sonho ? Ou errei eu, que já na altura tinha a mania de que o que não calamos é o que melhor nos define ? Errou a minha parceira de deambulações pelas estradas toscanas por só me ter dito que era casada muitos dias depois daquele primeiro abraço que nos demos numa ruela de Orino? Ou errei eu, que acho que não tenho nada a ver com isso ? Se tivesse sabido que ela era casada, que devia eu ter feito ? Fugia, para prevenir posteriores acusações de responsabilidade num processo de divórcio ? Ou pedia uma batina emprestada ao vigário de serviço e assumia-me como paladino do mandamento segundo o qual não posso cobiçar nem perlimpimpar a mulher do próximo, mesmo que ela obviamente me cobice e me queira perlimpimpar a mim e eu não tenha das mulheres o conceito de propriedade do próximo nem conheça o gajo de lado nenhum ? </div><div align="justify"><br />Assumir os erros ? Sim, mas desde que não se atribua aos erros uma importância que não têm. Sobreavaliados, os erros fazem dos medos cobardias paralisantes, alimentando a crença insana de que a vida é um projecto que é possível executar com a perfeição dos santos. A procura da perfeição é legitima. Mas só me parece saudável se tivermos claro que é duma utopia que se trata. Quem não percebe isso faz da vida uma contrição permanente. Por mim, basta-me colher o que semeio e não fugir da merda que faço. Limpo a que posso, meto o resto na compostagem e é com isso que fertilizo a horta onde irão germinar com todas as imperfeições inevitáveis os dias que ainda estão para me acontecer. Mesmo sabendo que errei, só me arrependo do que não vivi. Quer dizer, prefiro os atrevidos, mesmo que revelem dificuldades em se assumir. Lamento é os idealistas que se deixam aprisionar pelo que “podia ter sido se….”. Esses, como a Felismina, fazem-me pena, pois disfarçam a falta de rasgo numa espécie de masoquismo penitente que é imagem de marca de todas as malfadadas “vitimas do destino”. </div><div align="justify"> </div>Manuel Rochahttp://www.blogger.com/profile/06353136825479182750noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-4179933677813336497.post-2892526805896018472010-08-30T18:12:00.002+01:002010-10-12T14:27:17.321+01:00Bodes ExpiatóriosOs antigos que habitam as serranias algarvias mantêm o hábito de informar que “foram ao Algarve” de cada vez que se deslocam ao litoral. Tomo-lhes a tradição de empréstimo para que se perceba que fui ao Algarve, sim senhor, teve de ser. É raro, no verão até pago para evitar a dose, mas aquela repartição não aceita procuradores, tem de ser o próprio, teve de ser.<br /><br />Estava então eu no Algarve de senha na mão na expectativa de ser atendido, quando da ré por estibordo me chegou um inesperado interpelo:<br /><em>- Rocha ?!</em><br />Virei a proa e liguei o histórico da base de dados fisionómicos. Como era cedo a ligação estava rápida, e aqueles olhos pretos como azeitonas ajudaram ao reconhecimento da colega de liceu que não via… desde que o acabei ! A minha base de dados, no entanto, tem um problema : não está etiquetada. Reconhecer caras é fácil: a legenda com o nome é que ainda está em arquivo de papel. Mas como já levo certa prática, normalmente consigo aguentar a conversa até chegar lá.<br /><em>- Oláá !!! Estás boa ??<br />- Então não vês ? Estou velha ! Tu é que estás na mesma !!<br /></em>Sempre que me dizem isto tenho de me conter. É que há uns anos sai-me com essa e lixei-me. Era um professor que já não via ia para mais de uma década, com quem ia partilhar a mesa de um seminário.<br /><em>- Mas que gosto em vé-lo !! O professor está na mesma !</em> - Aí ele puxou-me à parte e confidenciou-me num registo sacanóide que lhe era muito próprio.<br /><em>- Dizes isso porque não dormes todas as noites comigo</em>…<br />Ficava mal ter respondido o mesmo à Felismina. Isso , Felismina, descobri a etiqueta. Portanto contive-me e segui o guião da praxe, já com as legendas a funcionar.<br />-<em> Então, Felismina. Que é feito de ti ?<br />- Olha, agora estou de férias…<br /> - Mas estás cá de férias ou …<br />- Não, não, moro e trabalho cá, sou professora no nosso antigo liceu, professora de matemática…por tua culpa !<br />?!<br /></em><br />Faço um resumo senão ficámos aqui o resto do mês.<br />Éramos finalistas e a Felismina queria ir para medicina. Medicina na altura já requeria médias altas e á Felismina ainda faltavam uns trocos para chegar à que precisava. Andava a negociar caso a caso esses arredondamentos e pelos vistos as coisas até não lhe estavam a correr mal. O professor de biologia é que pelos vistos destoou. Em lugar de lhe dar ou negar o bónus que ela pedia e calar-se, resolveu colocar o caso à consideração da turma, imagine-se ! Estávamos em 75 e instalava-se um hábito estranho de desresponsabilização colectiva a que alguns ainda chamam democracia. Ao tempo eu já tinha o mau hábito de dizer o que pensava. Não tinha a experiencia dos efeitos desse género de atitude que hoje tenho, mas o hábito já lá estava. De forma que não me inibi de dar o meu contributo para aquele pusilânime processo de decisão, alegando que se íamos ter notas a pedido talvez fosse preferível perguntar a cada um a nota que queria para si em lugar de perguntar a todos que nota é que devia ter a Felismina. A Josefina, por exemplo, tb precisava de um empurrão para entrar no magistério. Mas como era um inibido pãozinho sem sal nem graça, nem se atrevia a pensar em semelhantes negociações, portanto, para que ali não houvesse filhos de deuses menores…. Na turma ouviu-se um murmurinho de aprovação. Mais ninguém falou, o professor resolveu não dar à Felismina o bónus de 3 valores que ela pretendia, e ela hoje é uma frustrada professora de matemática…por minha culpa !!<br /><br />De regresso ao meu eremitério, ocupei os quilómetros tentando recapitular que outras culpas do género posso ter por ai escramalhadas. E fiquei preocupado, confesso. Ponham-se no meu lugar e imaginem que daqui por uns anos eu reencontro num voo transatlântico a companheira de esperas de ligações pelas estradas toscanas, de quem vos falei no post anterior .<br /><em>- Manoele !!<br />- Helloooo !!!</em> - E enquanto lhe procuro o nome no tal arquivo que se calhar nunca hei-de carregar, largo a pergunta de circunstância - <em>How is life ??<br />- …Not so well !!... I’m divorced now…because of you !<br />- ?!</em><br /><p><em></em> </p><p> </p>Manuel Rochahttp://www.blogger.com/profile/06353136825479182750noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-4179933677813336497.post-5875588693635774162010-08-25T11:48:00.002+01:002010-10-12T14:27:17.322+01:00O Poder dos Mídia<div align="justify"><br />A insónia instalou-se quando a exótica passageira do lado trocou a almofadinha da British Airways pelo meu ombro. Agora ajeita-se. No processo requisita-me também o braço direito e inunda-me de cheiros a ervas frescas. Conformo-me. Com o braço que sobra, envio um aceno de socorro à solicita assistente de bordo. Ela consegue-me some portuguese newspapers disponibilizados com um acent tão irish quanto o sorriso. São da semana passada mas que se lixe. Qualquer coisa é bem vinda para me distrair a noite do consistente ronronar morninho da sedosa desconhecida que já me dorme literalmente ao colo. </div><div align="justify"><br />Há meses que não sei noticias da terra. Mas pelo que a mão esquerda vai folheando, pouca coisa mudou nesta ausência. Entre polvos de faces por descobrir e revisões constitucionais por acontecer, o essencial permanece. E o essencial são as incontornáveis prosas dos opinantes articulistas regimentais. Quais pilares do edifício luso, eles dão provas de resistência a qualquer alteração climática. São homens e mulheres que nunca têm dúvidas e que nunca se enganam, autênticos gauleses desta pós-modernidade, irredutíveis na forma como se batem contra qualquer arroto que a ética possa libertar. </div><div align="justify"><br />Com uma criatividade mais assertiva que poção mágica, fazem noticia sobre o que não aconteceu… mas podia ter acontecido. Isto não é jornalismo, senhores, é arte ! E eu dou graças a tais artistas. Bem hajam! São eles quem me ajuda a fazer de conta que ignoro as deambulações das mãos da minha vizinha, que há dez minutos me percorrem sonolentas sem se aperceberem por onde andam, as malvadas. Exímio na arte de instrução, julgamento e condenação em processo sumaríssimo do mais pintado, o jornalista luso nada perdoa. O Sócrates é mentiroso, o Cruz pedófilo , o Lima assassino.<br /><em>- Se foi o ultimo a vé-la com vida…<br />- Ah sim ? Por isso ?! Quer dizer que têm a certeza que foi o ultimo ?<br />- Bem, a autopsia não foi conclusiva…. Mas no Brasil encomendar um serviço é barato, portanto ?…<br />- Portanto ?! E por que não eu o mandante, pá ? Sabias que o meu sonho era engatar uma velha herdeira para o golpe do baú e depois despachá-la?<br /><br /></em>O formato tablóide que contaminou a comunicação, é como uma inundação de falta de carácter, que alastra com uma virulência superior a todas as gripes conhecidas e por inventar. Nenhum agente se revela tão bom vector da mediocridade como o mau jornalismo. Foi ele que consagrou o principio de que todos somos culpados de qualquer coisa até prova em contrário. E insinuar essa culpa primordial é o fim que justifica todos os meios. Indigno-me, agito-me, incomodo a minha vizinha e ela muda de posição. Sorte madrasta ! Chega-se ainda mais e no processo abre-se-lhe outro botão do camiseiro. Esta é daquelas para quem as copas da Triumph são um acessório inútil, e eu já não sei onde me meter. Pena não ter por aqui o contacto de um destes jornalistas que sabem tudo e têm solução para tudo. Mas por que raios não se acaba com políticos, economistas, magistrados ou juízes, se temos jornalistas mais sábios e capazes que qualquer deles ?? Tento concentrar-me nesta tese mas não há condições. Salva-me a voz do comandante a avisar a malta da iminência da descida para Roma. A vizinha acorda, lânguida, demorada nos sorrisos:<br /><em>- Did I behave ?<br />- Believe me : you don’t want to know !</em><br />Ela olha-me, ainda demorada. Não sei se pondera a resposta se simplesmente a procura nos refundos do saco onde lhe desapareceu o braço, sem que o olhar se desvie . No espacinho entre a dúvida minha e a resposta dela, quem se desviou foram os meus olhos, teve de ser, pois reparo num identity press card que veio à tona, e onde aquele mesmo sorriso exótico pontuava lado a lado com uma sigla da BBC.<br /><em>- But I do want to know</em>.<br />E que lhe hei-de eu responder se ela é das que quer saber tudo, se me sorri com tudo, se até já sabe que perdemos o voo de ligação e que temos vinte longas horas para resolver pelo cafés di Roma ? Vinte ! Eram vinte e podiam ter sido longas, pois podiam, mas acabam por se passar tão depressa que falhamos completamente o voo seguinte, quer dizer, nem tentamos lá chegar, pois já era week-end, Roma estava caldissima, e ela achou que a Toscânia devia estar mais fresca, e agora fala-me de latadas verdes e de rosés de torpor, fala-me disso com sorrisos corados de frescura enquanto eu desatino com a falta da segunda na caixa marada deste restyling do Fiat Cinquecento da Destinia Car-Rental. Subimos para Orino, eu praguejo, ela ri, e quando se ri agita-se-lhe o decote onde as copas seriam ofensas, sobe-lhe a saia sobre as coxas para onde não posso olhar, atento às curvas, à segunda, ao ponteiro da temperatura a subir para o vermelho, espantado com a ideia absurda de ainda haver quem duvide do poder dos mídia. </div>Manuel Rochahttp://www.blogger.com/profile/06353136825479182750noreply@blogger.com9tag:blogger.com,1999:blog-4179933677813336497.post-6205718765351173062010-08-15T11:44:00.004+01:002010-10-12T14:30:12.736+01:00Evidência ou fé ?<div align="justify"><br />Basta uns dias mais quentes e , quais ursos polares hibernados durante os rigores do ultimo inverno, logo reaparecem eufóricos os defensores da teoria do aquecimento global antropogénico .<br />- Nós não dizíamos ?<br />Confesso-me farto desta retórica. Tinha prometido a mim mesmo que não ia contribuir nem com mais uma tecla para este peditório, mas ainda não vai ser desta. </div><div align="justify"><br />Percebe-se que as criaturas que vivem de vender papel e tempo de antena, precisem de matéria prima para variar a estafada ementa de Freeport’s e casos Maddie. Uma pessoa acaba a conseguir conviver com isso, que remédio. Ao que não me habituo é a que iniciativas de informação que deviam ter para consigo mesmas outras exigências, não se inibam tb elas de derivar para o simplismo redutor das análises típicas dos formatos tablóide. Vejam <a href="http://naturlink.sapo.pt/article.aspx?menuid=20&cid=22978&bl=1">esta noticia </a>na Naturlink para enquadrar o que se segue.<br /><br />Mudança climática é um conceito que pretende representar a ideia de uma alteração significativa das normais climatológicas de referencia ao longo do tempo num espaço territorial. O que se entende por normais de referência ? Entende-se as médias das observações verificadas num determinado conjunto de anos nesse espaço. Como é que se estabelece qual o conjunto de anos suficiente para definir essas normais? De forma fortuita. Como nos primórdios dos estudos climáticos as séries completas disponíveis eram poucas, começou por se usar grupos de 30 anos e a tradição manteve-se. Mas podiam ser 50 ? Podiam. E se fossem 100 anos ? Bem, quanto maior o numero de anos de cada série, menor a variabilidade entre séries. Dito de outra forma, a manutenção de séries curtas até dá imenso jeito ao desenvolvimento de teorias sobre a variabilidade do clima. Mas são representativas do clima?</div><div align="justify"><br />A qualidade daquilo que se entende por representativo, não é a mesma de algo a que se possa atribuir uma objectividade inquestionável. Ser ou não ser representativo é um critério como qualquer outro. Muitas vezes a representatividade define-se ao contrário, quer dizer, de acordo com o que temos disponível. Quando o orçamento ou o tempo disponível não dão para recolher mais dados, os que existem têm de bastar. Só quem nunca andou nestas andanças das investigações e dos trabalhos de campo e respectivo tratamento estatístico é que não sabe do que estou a falar. Ora a partir do momento em que o estudo consiga entrar nos circuitos regimentais, torna-se irrelevante se devia ter sido suportado em mais ou menos dados. O que é relevante é que as conclusões sejam aceites e gerem consensos. Isso basta para legitimar muita coisa na metodologia que noutras condições mereceria inúmeros reparos. Mas não basta para transformar um consenso numa verdade objectiva.</div><div align="justify"><br />No entanto as séries curtas continuam a ser usadas e com elas vêm as incontornáveis armadilhas. Imaginem que estudamos o fenómeno neve em Sevilha. Se as séries em estudo se reportarem ao período de 30 anos entre 1970-2000, não há registo de observações de neve em Sevilha. Conclusão : em Sevilha não neva ? Bem, em 2 de Fev de 1954 nevou e não foi pouco, e em 13 de Janeiro deste ano voltou a nevar à séria. Ou seja, se a série em estudo abrangesse o período 1954-2010, então a probabilidade de nevar em Sevilha já não seria zero. Dirá o crédulo: Ah, mas os cientistas prevêm essas coisas e é para isso que convencionaram os factores de correcção e outras ponderações estatísticas que tais! De facto. Mas continuamos a falar de critérios. E ainda que esses critérios sejam consensuais, repito-me, eles não são a realidade objectiva, apenas a aproximação possível com o actual estado da arte.</div><div align="justify"><br />O mesmo se passa em relação ao uso de médias estatísticas para o estudo dos fenómenos climáticos. Não é o local nem o autor está habilitado para uma dissertação sobre filosofia da matemática. Mas há nesta matéria coisas elementares que se tende a considerar como adquiridas e estão mal adquiridas. </div><div align="justify"><br />A ideia de medidas de tendência central, entre as quais se inclui a média, são abstracções com as quais se pretende representar a realidade e desse ponto de vista têm-se revelado bastante úteis. No entanto têm limitações. Não podem ser usadas indiscriminadamente, pois elas não são a realidade. Ontem, 14 Agosto, a temperatura média em Castelo Branco foi igual à de Faro, ambas as cidades com 24,5ºC. Mas enquanto em Castelo Branco essa média se obteve com uma máxima de 33 e uma mínima de 16, em Faro a máxima foi de 27 e a mínima de 22 ! Ou seja, quem se fie nas previsões médias para acampar ao relento, é capaz de acordar a meio da noite a bater o dente nos camping de Castelo Branco. O estudo do clima como parte da biosfera, não se compadece com abordagens estatísticas meramente quantitativas. Hoje, às 10 TMG, Faro e Castelo Branco estavam ambas com cerca de 25º . Mas enquanto em Faro se registava 70% de humidade, Castelo Branco ficava pelos 30%, o que em termos de habitabilidade da mesma faixa térmica faz toda a diferença.</div><div align="justify"><br />Qual a tese ? Esta: quando se pretende desenvolver estudos sobre o comportamento de fenómenos como as variáveis climáticas, são precisos indicadores para estabelecer comparações. Mas só se pode comparar o que é comparável. </div><div align="justify"><br />As médias de temperaturas são indicadores comparáveis. Mas os dados com que elas são construídas são comparáveis ? Dados como temperaturas, só se começaram a registar com o advento dos termómetros, uma ferramenta recente. Estamos a falar no máximo de 200 anos de observações, sendo que as sistemáticas são ainda mais recentes, o que, em termos da escala das coisas em que evoluem as variáveis climáticas, nos coloca na infância das observações. Acresce que essas ferramentas com que se recolheram dados durante este tempo, não têm sido as mesmas. Os termómetros abertos dos primórdios não registam o mesmo que os modernos, digitais. Além disso, a leitura a olho , sujeita a todos os possíveis erros, de paralaxe ou de desleixo, que imperou até há pouco mais de uma década atrás, não pode ser comparada com os métodos actuais. Mas essas diferenças são assim tão importantes que impeçam a comparação desses dados ? Os registos manuscritos dos idos de 1900 e as impressões informáticas dos registos digitais das observações de 2000, servem todos na perfeição para caracterizar os climas, para lhes esboçar tipologias. Mas quando se trata de estudar a variabilidade dentro dos climas, o caso muda de figura. É que a variabilidade intrínseca à qualidade dos dados, que está associada às ferramentas e aos métodos de recolha, pode <a href="http://www.scientificamerican.com/article.cfm?id=weather-or-not-last-winte">anular a pretensa variabilidade especifica das temperaturas, quando o que está em discussão são diferenças na casa das décimas de grau.<br /><br /></a>Existe ainda um outro aspecto que tem de ser tido em conta e que tende a ser ignorado nestas abordagens sobre a comparatividade dos dados. Refiro-me aos contextos. Podemos falar da temperatura de Lisboa às 15 TMG sem especificar em que local concreto a obtivemos ? Não ! Agora que até os carros já trazem termómetros, qualquer alfacinha sabe que se ligar a uns compinchas espalhados pela cidade para lhe lerem as temperaturas a uma hora certa, vai obter valores bastante diferentes conforme o local em que se encontrem. Esse aspecto tem sido tido em devida conta nos estudos de variabilidade térmica ? Os registos históricos de temperaturas para Lisboa foram sempre recolhidos no mesmo local ? E, ainda que o tivessem sido, nada mudou na envolvente do posto de observação ? Não existem mais edifícios a alterar as condições de circulação aérea, mais aparelhos de ar condicionado, mais automóveis , mais outros equipamentos que possam ter uma influencia significativa na alteração das condições locais em que se obtêm os registos ? E a ponderação que lhes foi atribuída, foi a suficiente para lhes anular os efeitos ? Como pôde ser objectivamente validada ? </div><div align="justify"><br />Até aqui estivemos a falar de registos directamente comparáveis, i.é, medidos com instrumentos. No entanto, como se verifica pelas afirmações contidas no artigo que deu mote a este texto, as comparações já vão muito para além disso. Quando se afirma que Moscovo registou nos últimos dias as temperaturas mais altas dos últimos 1000 anos, estamos também a usar aquilo a que os climatologistas chamam medições indirectas. Uma das mais popularizadas recorre ao estudo comparado do crescimento das árvores. Extrapola-se o crescimento observado num ano de temperatura conhecida e infere-se que todos os anos com crescimentos idênticos registaram aquela temperatura. Bem, em igualdade de outros factores de crescimento, como luminosidade e disponibilidade de água e nutrientes, até é possível que sim. Mas houve como monitorizá-los? É que se não houve, convinha não esquecer que não é só da temperatura que depende o crescimento de uma planta. O leitor urbano aproveite o verão e ponha duas couves iguais em dois vasos iguais aí na varanda. Regue uma e deixe a outra à sede, que percebe imediatamente do que estamos a falar.</div><div align="justify"><br />Existem ainda outras referências indirectas para avaliar climas passados. Uma delas são os registos históricos. Mas mesmo esses devem ser lidos com algumas cautelas. Um dos argumentos usados como prova daquilo a que se convencionou chamar o período quente medieval na Europa, são as crónicas relativas ao cultivo de vinha no Sul de Inglaterra. Em princípio isto queria dizer duas coisas para aquela região na alta idade média: ausência de geadas no período vegetativo e cúmulo de temperaturas suficiente para a maturação da uva. Podemos então usar esta informação como indicador de uma época com temperaturas mais elevadas que as actuais ? Podemos, mas como hipótese, apenas isso ! É que nem todas as variedades de videira têm a mesma exigência de carga térmica para a maturação da uva. No campo das hipóteses e sem outras informações adicionais, o cultivo da vitis naquela região, tanto poderia ter decorrido do uso de uma variedade adaptada como da existência de um período climático efectivamente mais quente.</div><div align="justify"><br />Concluindo que isto já vai longo. </div><div align="justify"><br />Quando me informam que nunca tinham sido medidas em Moscovo temperaturas tão altas como as dos últimos dias, eu não tenho por que duvidar. Assim será. Mas também sei outras coisas. Sei que é a primeira vez em mil anos que elas são medidas com recurso a termómetros digitais. Também sei que a metrópole não existia há mil anos, que nunca foi tão grande. Sei ainda que não é normal Moscovo estar cercada por incêndios nas turfeiras que estão a arder porque têm vindo a ser sistematicamente drenadas. Não falo das ruas entupidas por tantos carros como os moscovitas de há duas décadas nem se atreveriam a sonhar, nem dos compressores térmicos que nasceram no exterior dos prédios como cogumelos. Nisso Moscovo é como qualquer outra metrópole. Portanto, eu até posso comparar os registos das temperaturas, pois posso. Mas honestamente não posso ir daí para qualquer outro lado porque tudo mudou no onde e no como elas são obtidas. Dizem-me que estamos perante provas de mudança climática. Bem, ela até pode estar em curso, mas usar o calor em Moscovo ou o frio em Buenos Aires como se fossem provas disso, transforma a suposta evidência numa anedota. </div><div align="justify"><br />Sabe-se que os climas mudam. Sabe-se que mudaram várias vezes ainda antes dos homens terem aprendido a andar de gatas, quanto mais a queimar petróleo. Está em curso uma mudança climática de indução antropogénica ? Pode ser que esteja, como também pode ser que o clima seja uma entidade em mudança permanente. À partida qualquer teoria é legitima. O que não é honesto é procurar demonstra-las comparando o que não é comparável atolando as cabeças em abstracções falaciosas. A terra não tem um clima, tem climas. Além da diversidade regional, sabe-se que há nos climas variabilidade interna, e que as mudanças, que acontecem, quando acontecem, têm impactos bem distintos. Nalguns contextos há quem beneficie com elas, noutros quem saia prejudicado. Mas é essa a natureza mesma da mudança. São raras aquelas em que todos saem ganhadores. Eu percebo que possa haver quem ache que tem nesta matéria uma boa oportunidade para, perante a ameaça do “inferno”, levar as turbas irresponsáveis a inflectir inúmeras atitudes desastrosas com que vêm habitando o território. São almas bem intencionadas e ainda bem que existem. Mas então façam-me um favor: dispam a bata com que andam disfarçados de gente da ciência e assumam-se de vez como o que são, catequistas, que não percebem a diferença entre um facto, uma evidência, uma prova, e uma crença.<br /></div>Manuel Rochahttp://www.blogger.com/profile/06353136825479182750noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4179933677813336497.post-55583757786506001132010-07-11T16:07:00.002+01:002010-10-12T14:31:07.455+01:00Oportunidades e oportunismos.<div align="justify">Ainda há muito boa gente que vive convencida que basta ter boa voz para fazer uma carreira musical de grande sucesso. Mas não é bem assim. A celebridade não tem só a ver com vontade ou talento. Pode também ter a ver o acaso, é verdade. Para se chegar á fama è preciso estar no lugar certo na hora certa, embora não convenha estar de qualquer maneira.</div><div align="justify"><br />Há muito tempo que o marketing percebeu isso e inventou as máquinas de propaganda e as fábricas de celebridades. A ideia é que nem tudo tem que ser apenas fruto do acaso. Portanto, não admira que até o mais banal dos bardos saiba que precisa tanto de uma imagem como da voz para garantir uma audiência. São coisinhas como, por exemplo, nunca tirar os óculos de sol. Isso pode bastar para celebrizar um cantor que por acaso até nem sabe cantar. Não fosse isso e talvez o Abrunhosa se dedicasse à construção civil. Ou seja, as fábricas de celebridade tratam de expor no mercado das oportunidades as imagens que produzem. Só então se entregam ao acaso. As probabilidades fazem o resto e inevitavelmente algumas pegam.</div><div align="justify"><br />Este preâmbulo de lugares comuns surgiu-me na ressaca da indisposição que me tem andado a provocar a forma como alguns personagens do mainstream do economês liberal e neo-liberal tradicionais, se têm aproveitado da crise do sistema capitalista vigente para se promoverem à condição de celebridades dissidentes . Roubini, por exemplo,tem feito tudo para se por a jeito para ser celebrado como o grande vidente que antecipou em dois anos a actual crise. Bem, conheço muita gente anónima que o fez, mas não eram assessores do FMI nem recorreram a nenhum tipo de marketing para promover essas supostas façanhas de adivinhação, e por isso é como se nem existissem. Mas não é bem isto que me traz aqui.</div><div align="justify"><br />O que me traz aqui é que a grande “descoberta” atribuída a Roubini é a ideia de que,a prazo, a auto-regulação é uma ficção e a regra é a crise. Mas esta ideia é pelo menos tão velha quanto a ecologia. Encontra-se por todo o lado na obra de Adams, logo no primeiro quarto do século XX, por exemplo. Só que, como teoria, é pouco simpática. E as teorias de sucesso precisam de ser simpáticas. As teorias bonitas e harmoniosas são mais atraentes. No limite até podem não ser melhores nem piores que outras, mas são simpáticas, que é como quem diz, têm boa imagem, e por conseguinte vendem muito melhor os documentários da National Geografic. Não é por acaso que a maioria da malta do movimento ambientalista já ouviu falar do Aldo Leopoldo mas não faz puta ideia de quem seja o Adams. De facto ele nunca pensou numa montanha com o romantismo larilas da abordagem do Leopoldo.</div><div align="justify"><br />Portanto, o que fazia falta para tornar comestível uma boa ideia antiga e antipática, era um bom trabalho de imagem. E para isso nada melhor que a boleia da credibilidade granjeada pela façanha do adivinho mais celebre do momento, que assim até se torna duplamente célebre, uma vez que passa por pai da dita . Não se estranhe pois se nos próximos tempos se assistir à redescoberta das teses anexas que desde há muito tempo têm sido pregadas no deserto por alguns eremitas que têm tentando perceber o mundo na óptica do que é contingente, conflitual, incomparável. Seria uma variante interessante, sem dúvida, e uma excelente oportunidade para abastecer o depauperado arsenal de opções de governo . Não sei é se serão desenvolvidas de acordo com os seus corolários naturais. Tenho fundados receios que não, e que bons princípios de reflexão para desenvolver estratégias de governança de base regional, degenerem em más receitas generalistas e azedem em dois tempos ao serviço das necessidades de marketing pessoal das sumidades que as recuperaram. É que, como bem notou Horkheimer, quando a propaganda faz da opinião pública mero instrumento ao serviço da notoriedade, mais a opinião pública se assume como um substituto da razão. Pior que uma má ideia, só mesmo uma ideia consensual. </div>Manuel Rochahttp://www.blogger.com/profile/06353136825479182750noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-4179933677813336497.post-62683677089906542592010-01-21T18:47:00.002+00:002010-10-12T14:27:46.684+01:00"Climatgate" - Ciência ou Advocacia ?<div align="justify">Há quem se atarefe na defesa da pureza virginal da ciência. Mas convenhamos que se trata de uma ingenuidade. Como qualquer outra actividade humana, a ciência é uma instituição imperfeita. E quem está ao seu serviço constitui claramente um grupo de interesses. Na defesa desses interesses não é raro encontrar-se quem dispa a bata e vista a toga para subir a barra mediática e fazer a defesa das suas crenças ou das suas agendas. Nessas investidas usa como “cavalo de Tróia” a credibilidade que a ciência granjeou. Mas quando a usa corre o risco de a delapidar.</div><div align="justify"><br />Para que o trânsito pela vida não derive para um exercício de suspeição sistemática e desconfiança permanente, há certas coisas em que precisamos de acreditar. Há quem lhe baste acreditar em Deus, mas há também quem prefira acreditar no que é da objectividade. Para estes a ciência é uma importante reserva de credibilidade. Contudo, a credibilidade da ciência não se constrói sobre o mesmo género de argumentação que suporta a crença. No entanto, por razões de vária ordem, é cada vez mais frequente que quem tem funções nas áreas cientificas apareça em público a fazer a defesa das suas teses como se da defesa de crenças se tratasse. Confrontados com esta critica respondem em primeiro lugar com a autoridade do seu estatuto e em segundo lugar com “evidências”e “factos”. Mas quais ? </div><div align="justify"><br />As evidências não são todas iguais, evidências de correlação não podem ser lidas como evidências de causalidade, por exemplo. E os factos são interpretações. Ora enquanto à ciência deve importar o que remete para o rigor do que é verificável e repetível, a quem advoga basta o rigor formal que suporte determinada retórica. Aos não especialistas tolera-se alguma ambiguidade na abordagem destas distinções. Tolera-se mesmo que dêem alguma latitude aos conteúdos científicos na defesa de opiniões. Qualquer advogado faz isso. Coisa menos inócua é que biólogos, ecologistas, meteorologistas, ou de outra especialidade qualquer, assumam postura idêntica. Quer dizer, que sejam opinativos quando o que se requer é que sejam objectivos. A questão é que há quem precise de confiar na solidez do que lhe compete divulgar sem que tenha ( nem tem que ter ) condições para o confirmar, como é o caso de quem ensina. </div><div align="justify"><br />Ora há áreas em que a promiscuidade do trânsito que se estabelece na fronteira entre ciência e advocacia se tem revelado como um dos aspectos que inquina o estudo, a percepção e a divulgação de temas que marcam o nosso quotidiano. Este estado de coisas é particularmente sensível nas escolas, particularmente nas temáticas ligadas ao ambiente. Já por si a ecologia ( como a metereologia ), enquanto áreas de estudo cientifico, apresentam dificuldades muito próprias. Perceber o funcionamento de sistemas dinâmicos não é exactamente a mesma coisa que estudar a anatomia de uma rã anestesiada numa bancada de laboratório. O ambiente é um processo permanente de interacções complexas, onde é raro que a mesma coisa se repita durante muito tempo. Esta permanência na mudança é evidentemente um problema quando se trata de objectivar. Não é fácil confirmar uma proposição feita sobre algo que não pára “quieto”, não se repete nem é repetível artificialmente. O que não é aceitável é que se pretenda ultrapassar estas dificuldades metodológicas cunhando de definitivo e sólido o que é fluido e provisório, de cientifico o que é especulativo. </div><div align="justify"><br />A compreensão total do funcionamento dos sistemas naturais poderá estar para lá da nossa capacidade de os entender. Apoiados nessa premissa seria prudente reforçar a humildade e perceber que o que se vai adquirindo são visões parciais de parcelas delimitadas num tempo curto, para que não se caia em erros grosseiros, como acontece quando se tenta projectar o futuro com base no passado como se a mudança não fizesse parte da equação. Algo semelhante acontece quando se procura proteger uma espécie e se esquece o habitat, quando nos preocupamos com o individuo e esquecemos a população, quando escolhemos o bonito e negligenciamos o feio.</div><div align="justify"><br />Há quem defenda que este género de derivas possa ser devedora do facto de as actividades ligadas à ciência se terem expandido para fora das suas fronteiras habituais, tradicionalmente confinadas a departamentos estatais ou instituições com fortes ligações ao mundo académico. Na actualidade, associações, ONG’s, empresas, fundações, contratam especialistas e fazem ou aplicam ciência. Contudo, nesta moldura, nem só as linhas de investigação não se tornaram aleatórias como a apresentação de resultados deixou de ser uma consequência natural da actividade desenvolvida, passando a ser um elemento de pressão sobre os próprios resultados, pois da sua avaliação pode depender a sobrevivência do projecto. E daí ? Melhorou a independência da ciência ? Alterou-se a sede de protagonismo dos seus agentes ? Piorou a objectividade ?</div><div align="justify"><br />Pretender dar resposta a este tipo de questões é um exercício que acaba sempre por desaguar numa contabilidade inconclusiva. Quem quer que seja consegue angariar argumentos para qualquer das teses que defenda. É evidente que com a “secularização” da ciência a sociedade civil ganhou clara relevância na governança, e a possibilidade de fazer ciência independente existe. Mas a actividade cientifica é cara, e não sejamos ingénuos ao ponto de pretender que mesmo o mais insuspeito mecenato é imune aos interesses ou aos jogos de poder que inevitavelmente se organizam em redor dos processos de aquisição e gestão do conhecimento.Na verdade, o <em>american way</em> de “fazer ciência” difundiu-se. Quer dizer, generalizou-se a necessidade de qualquer projecto de investigação, conservação, preservação, procurar e criar as suas próprias condições de subsistência. Ora estes processos criam dinâmicas de dependência muito próprias e não são raras as vezes em que se dá uma inversão da lógica que os inicia, quando a finalidade da iniciativa passa a ser a manutenção duma estrutura ou o modo de vida dos respectivos actores. </div><div align="justify"><br />Qualquer empresa privada ligada ao ambiente exemplifica esta situação. Ela tem de facturar para sobreviver, e por isso é natural que possa sentir dificuldades em compatibilizar a sua subsistência com a objectividade e o rigor nas matérias sobre as quais exerce a sua actividade. Qualquer área protegida ou qualquer ONG dedicada à conservação vivem esse mesmo tipo de constrangimentos. Uma vez instaladas elas criam rotinas e habituações, e é inevitável que sintam dificuldades em separar os interesses pessoais que se constituem da objectividade da respectiva esfera de acção.As ONG’s em particular, não se podem dar ao luxo de ter ao seu serviço maus defensores das causas que as movem. O problema é quando o estatuto de credibilidade que lhes é concedido pela dedicação, pelo empenho ou pela combatividade que revelam, se confunde com a validade dos critérios científicos em que se apoiam, pois em ciência a credibilidade não é uma questão de convicção, de empenho, de oratória, ou sequer de valores. </div><div align="justify"><br />Sabe-se que a objectividade tem naturais dificuldades em se despir dos valores de quem a procura. Contudo, a confiança que se deposita na ciência deriva da expectativa de rigor e imparcialidade que dela se tem, e importa preservar essa reserva. Por isso ao cientista tudo o que se pede é que produza conhecimento de forma tão objectiva quanto possível, e que o divulgue de forma acessível, de modo a que o processo social e politico possa gerir os conflitos no sentido do interesse público quando se trata de tomar decisões. Nada mais que isso. Ainda que esteja coberta de razão e de boas intenções, não compete à ciência nem aos seus agentes definir o que é do interesse público nem colmatar com manipulações a informação para forçar os processos de decisão no sentido do que lhe parece certo. Quando a ciência toma o partido da crença e a defende, mesmo pelo lado do bem, manipula uma faca de dois gumes, pois se a crença se revela errada é a credibilidade de toda a instituição que se malbarata.<br /><br /></div>Manuel Rochahttp://www.blogger.com/profile/06353136825479182750noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-4179933677813336497.post-83770285430304339722009-06-12T10:24:00.003+01:002010-10-12T14:28:34.901+01:00O Provincianismo é Fodido !<span style="color:#000000;"><div align="justify"><br />Como já reparou quem tem tido pachorra para me ler as divagações, a forma como tendemos a estar no território sem o perceber é um tema em que reincido com frequência. Não o faço por predilecção, mas por decepção. De facto, o que me faz regressar a ele é apenas o profundo desgosto que me causa esta deriva de género que uso apelidar de “provincianismo invertido” e que considero um dos sérios revezes culturais do nosso tempo.</div><div align="justify"><br />Digo revés no sentido de desastre, de perda de capacidade de entendimento do que nos rodeia e por isso de retrocesso na nossa capacidade de sonhar avanços com sentido para a nossa humanidadezinha. E digo provincianismo invertido por analogia à forma como o <a href="http://citador.weblog.com.pt/arquivo/270680.html">definiu</a> Pessoa: “ <em>O síndroma provinciano compreende, pelo menos, três sintomas flagrantes: o entusiasmo e admiração pelos grandes meios e pelas grandes cidades; o entusiasmo e admiração pelo progresso e pela modernidade; e, na esfera mental superior, a incapacidade de ironia.</em>” Ora desta vez o entusiasmo, a admiração, o pasmo, de que falava Pessoa, viraram-se para o campo e para as suas supostas virtudes bucólicas, num movimento mimético de adesão inconsciente e feliz revelador da mais completa incapacidade de o entender.</div><div align="justify"><br />Nem sempre me é fácil explicar isto. Na dificuldade valem-me os amigos, que são uma fonte inesgotável de inspiração motivadora. Hoje, inadvertidamente, coube a vez à <a href="http://blondewithaphd.blogspot.com/">Blonde</a>, cuja odisseia de fim de semana, descrita com a magistralidade que lhe é peculiar, teve por resultado a produção quase automática desta crónica. Na verdade, seguir o percurso e a estadia da Blonde em terras do Alto Alentejo, foi para mim um revigorante exercício de espanto perante a sofisticação cultural a que chegou a nossa incapacidade de ver para além do olhar.</div><div align="justify"><br />Claro que as generalizações valem o que valem. Mas quando é da Blonde que se fala o caso muda de figura porque esta Blonde que me inspira não é uma loura qualquer. È uma Mulher sensível, culta, cosmopolita. No entanto, estas qualidades que são fáceis de lhe reconhecer, não bastaram para que o seu sentido urbano de observação do território por onde transita se revelasse capaz de sintonizar uma “estação” para o interpretar para além do caricato dos acidentes de percurso. E é por isso que me atrevo a generalizar este estádio cultural, pois se para a Blonde as coisas são assim, como podem deixar de o ser para esta sociedade culturalmente, essencialmente, urbana ? </div><div align="justify"><br />De facto a Blonde, a mesmíssima Blonde que vai a Gizé admirar-se com as pirâmides dos Faraós, transita a caminho de Alter por uma extraordinária ponte romana arquitectada e construída num tempo em que ninguém sonhava com as tonelagens que ainda iria ter suportar dois mil anos depois, e dela só nos deixa palavras de espanto para a largura da dita : “é estreita”, diz ! Nada refere sobre as soluções de arquitectura e de engenharia que ainda a tornam útil nem sobre a filosofia de vida que a construiu e em que a noção de património subjugava a transitoriedade da forma à perenidade da função. Nada diz sobre o carácter estruturante daquela ponte em relação ao conceito de território no tempo em que foi edificada e á forma como “moldou” até aos nossos dias a humanização da bacia hidrográfica do Sor e do Raia. Aliás, a Blonde achou mesmo que a ponte ficava no “meio de nenhures”. Ou seja, a Blonde assustou-se com a estreiteza da ponte de Vila Formosa e com a eventualidade de nela se cruzar com um TIR e, atenta a essa eventualidade, nem sequer repara se a Ribeira de Seda leva muita ou pouca água. Não compara o caudal com nada porque não tem termo de comparação, claro. Mas para além disso também não partilha connosco um único pensamento divagante em redor de eventuais preocupações de pecuaristas que a jusante ou a montante já possam andar a deitar contas à vida quanto à forma de dar de beber ao gado quando Agosto chegar, pois estas coisas não se “vêem” e portanto não se comentam. Mas o mau gosto da estátua ao Alter Real sim, vê-se e comenta-se, embora não se “veja” mais nada, como a ocupação urbanística a que foram votados os melhores solos de Alter, por sinal os terrenos do Ferragial d’el Rei ( “ferragial” não tem a ver com ferro mas com forragem; “Ferragial d’el Rei ” eram os terrenos reservados à produção dos ferrejos, i.é, de forragens verdes, para os cavalos da coudelaria que D José mandou instalar em Alter ), onde a tal rotunda está implantada entre blocos de apartamentos e um estádio de futebol. A Blonde clama contra a chuva de Junho porque lhe estraga o programa hortícola e não compaginava com a indumentária seleccionada, mas não tem uma linha para os milhares de toneladas de fenos já encordoados ou enfardados que com essas chuvadas se estragam a eito, daí não deriva para as inevitáveis dificuldades na manutenção dos merinos dos Zés quando os restolhos terminarem e se os apriscos tardarem, nem a preocupa as sequelas de míldios que vão tirar o sono aos viticultores nos dias que se vão seguir a estes incidentes climatéricos. Observa a Blonde que não há o Expresso nem o Sol nos quiosques de Alter ( haverá, mas de encomenda ),mas não repara que além disso também não há comércio tradicional na Vila e que nas prateleiras de frutas e legumes da mini-grande-superfície que os sufocou, apenas as cerejas e as laranjas são de Portugal, e estão lado a lado, em Alter-do-Chão, imagine-se, com peras da China, maçãs do Chile, kiwis neo-zelandeses , papaias cubanas, bananas do Equador, cebolas espanholas , alhos duplamente franceses e, the last but not the least, com carne de borrego autraliana posta cá a preços com os quais só por milagre o Zé poderá competir se quiser amortizar o custo do ovil que traz em obra.</div><div align="justify"><br />Para o estereótipo de uma certa forma de ( não ) ver que aqui tipifico na leitura do texto da Blonde, a ruralidade é também a antítese do stress e o sinónimo “ferpeito” de “colidade” de vida. Claro!!! Quem é que no seu perfeito juízo pode ter uma crise depressiva por ver meses de trabalho e toneladas de feno a apodrecer com uma chuvada tardia ? Como é que se pode reagir perante uma infestação de carraças em quatrocentas vacas senão com uma calma olímpica ? Melhor ainda, como é que se pode perder a calma se, ao mesmo tempo que se tem de passar quatrocentas vacas à manga para serem inspeccionadas pelo INGA, o motor de rega do pivot resolve pifar e entre reparações que se atrasaram e calores que se adiantaram se perderam vinte hectares de milho já germinado ? O preço dos borregos ou dos vitelos caiu para metade no leilão de Portalegre e a receita não vai dar para as rações quanto mais para a reforma da letra que se vence na próxima semana, mas quem é que vai estar a pensar nisso quando acorda rodeado do chilreado de mil avezinhas ?</div><div align="justify"><br />Esta leitura desfocada do real que tem por protagonista uma urbana erudita, não encontra contudo o seu oposto na “ruralidade” de Cabeço de Vide, esclareça-se. De facto também ela está imbuída do mesmo tipo de provincianismo invertido. Ele instalou-se quando a agricultura deixou de ser um modo de vida ou, se preferirem, uma filosofia do território, para se transformar em mera dinâmica de relações comerciais determinada pelo mercado e por um paradigma agro- industrial de indução externa. Desde que começou a produzir para o mercado, ao agricultor da modernidade do Alto Alentejo tanto se lhe dá se cultiva trigo para fazer pão, girassol para biodiesel ou linho para subsidio. O que lhe importa é a margem, e de preferência margem bastante para lhe permitir ir recuperar de tanta “calmaria” num resort de apartamentos em Armação de Pera. Poderá não ser o caso da Zana e do Zé, mas não é a chegada de duas andorinhas que traz de volta a Primavera. E isto basicamente só mostra que, com ou sem avezinhas ao acordar, andamos todos ao mesmo, quer dizer, a reboque de paradigmas que outros construíram e que nós, uns duma maneira, outros de outra, admiramos pasmados sem nos darmos ao cuidado de lhes entender a adequação ou o sentido. É isto que me leva a dizer que há coisas bem mais fodidas que o amor. E esta forma invertida de provincianismo é uma delas.<br /><br /></span></div>Manuel Rochahttp://www.blogger.com/profile/06353136825479182750noreply@blogger.com10