domingo, 11 de julho de 2010

Oportunidades e oportunismos.

Ainda há muito boa gente que vive convencida que basta ter boa voz para fazer uma carreira musical de grande sucesso. Mas não é bem assim. A celebridade não tem só a ver com vontade ou talento. Pode também ter a ver o acaso, é verdade. Para se chegar á fama è preciso estar no lugar certo na hora certa, embora não convenha estar de qualquer maneira.

Há muito tempo que o marketing percebeu isso e inventou as máquinas de propaganda e as fábricas de celebridades. A ideia é que nem tudo tem que ser apenas fruto do acaso. Portanto, não admira que até o mais banal dos bardos saiba que precisa tanto de uma imagem como da voz para garantir uma audiência. São coisinhas como, por exemplo, nunca tirar os óculos de sol. Isso pode bastar para celebrizar um cantor que por acaso até nem sabe cantar. Não fosse isso e talvez o Abrunhosa se dedicasse à construção civil. Ou seja, as fábricas de celebridade tratam de expor no mercado das oportunidades as imagens que produzem. Só então se entregam ao acaso. As probabilidades fazem o resto e inevitavelmente algumas pegam.

Este preâmbulo de lugares comuns surgiu-me na ressaca da indisposição que me tem andado a provocar a forma como alguns personagens do mainstream do economês liberal e neo-liberal tradicionais, se têm aproveitado da crise do sistema capitalista vigente para se promoverem à condição de celebridades dissidentes . Roubini, por exemplo,tem feito tudo para se por a jeito para ser celebrado como o grande vidente que antecipou em dois anos a actual crise. Bem, conheço muita gente anónima que o fez, mas não eram assessores do FMI nem recorreram a nenhum tipo de marketing para promover essas supostas façanhas de adivinhação, e por isso é como se nem existissem. Mas não é bem isto que me traz aqui.

O que me traz aqui é que a grande “descoberta” atribuída a Roubini é a ideia de que,a prazo, a auto-regulação é uma ficção e a regra é a crise. Mas esta ideia é pelo menos tão velha quanto a ecologia. Encontra-se por todo o lado na obra de Adams, logo no primeiro quarto do século XX, por exemplo. Só que, como teoria, é pouco simpática. E as teorias de sucesso precisam de ser simpáticas. As teorias bonitas e harmoniosas são mais atraentes. No limite até podem não ser melhores nem piores que outras, mas são simpáticas, que é como quem diz, têm boa imagem, e por conseguinte vendem muito melhor os documentários da National Geografic. Não é por acaso que a maioria da malta do movimento ambientalista já ouviu falar do Aldo Leopoldo mas não faz puta ideia de quem seja o Adams. De facto ele nunca pensou numa montanha com o romantismo larilas da abordagem do Leopoldo.

Portanto, o que fazia falta para tornar comestível uma boa ideia antiga e antipática, era um bom trabalho de imagem. E para isso nada melhor que a boleia da credibilidade granjeada pela façanha do adivinho mais celebre do momento, que assim até se torna duplamente célebre, uma vez que passa por pai da dita . Não se estranhe pois se nos próximos tempos se assistir à redescoberta das teses anexas que desde há muito tempo têm sido pregadas no deserto por alguns eremitas que têm tentando perceber o mundo na óptica do que é contingente, conflitual, incomparável. Seria uma variante interessante, sem dúvida, e uma excelente oportunidade para abastecer o depauperado arsenal de opções de governo . Não sei é se serão desenvolvidas de acordo com os seus corolários naturais. Tenho fundados receios que não, e que bons princípios de reflexão para desenvolver estratégias de governança de base regional, degenerem em más receitas generalistas e azedem em dois tempos ao serviço das necessidades de marketing pessoal das sumidades que as recuperaram. É que, como bem notou Horkheimer, quando a propaganda faz da opinião pública mero instrumento ao serviço da notoriedade, mais a opinião pública se assume como um substituto da razão. Pior que uma má ideia, só mesmo uma ideia consensual.