terça-feira, 6 de novembro de 2007

Evolui ou Morre

Por uma daquelas coincidências perfeitamente fortuitas e que não vem ao caso, há dias dei por mim folheando os manuais escolares de biologia e geologia para o 3º ciclo do ensino básico. E ontem mesmo, caiu-me nas mãos, em edição de bolso da Europa América sob o título “ Evolui ou Morre”, um trabalho de Phil Gates muito bem traduzido por Isabel Sequeira.

Goste-se ou não da ideia, o facto é que alguns de nós nascem ou crescem mais capacitados para certas tarefas que outros. E o exercício da criatividade na escrita, como em qualquer outra área, não é para quem quer mas para quem pode.

Por isso mesmo há pessoas excelentes em desenvolver trabalhos de investigação aplicada que são incapazes de vulgarizar convenientemente uma vírgula que seja, e outras que, incapazes da disciplina metódica necessária ao exercício da ciência, dominam as metáforas capazes de dizer o indizível.

“Evolui ou Morre”, além de ser escrito por um comunicador nato, revela a necessidade de se compreender e dominar a matéria sobre a qual se escreve antes de partir à sua abordagem, e desmonta a tese de que uma imagem vale por mil palavras. Valerá! Mas ainda há palavras que valem por mil imagens!

Ora os manuais escolares que referi, embora profusamente ilustrados e com uma qualidade gráfica que deve ter orçado os olhos da cara, não revelam essa necessária sensibilidade para estabelecer claras fronteiras entre o essencial e o acessório, o que deixa supor sérias dificuldades de compreensão dos seus autores em relação ao que é efectivamente importante para que um jovem compreenda o mundo em que se insere. E isto numa fase da vida e num tipo de ensino em que a contextualização deveria ser bem mais importante que a especialização.
Será este o motivo pelo qual esses manuais se refugiam na imagem? Não sei. Mas preocupa-me quando se usa e abusa da imagem numa abordagem do ensino como se ele fosse uma gigantesca campanha de marketing e, como tal, atraente mas redutora.

E a pergunta impõe-se: estaremos assim a gerar um novo tipo de iliteracia em que o real só existe na medida do que foi ilustrado e descrito, mas que é simultaneamente inidentificável ao olhar?! É que cada dia mais me cruzo com pessoas “vidradas” em magníficos manuais ou guias de viagens, que são capazes de estar com o monumento “descrito e ilustrado” a um palmo do nariz e não o identificam! Mais: são capazes de percorrer meio mundo para ir “ver” algo que afinal também existe mesmo ao lado da casa onde moram, mas em que nunca repararam porque não está “documentado”!

A realidade é que, cada vez para mais pessoas nesta nossa cultura, o conhecimento se transformou apenas numa enorme abstracção! Estaremos nós a criar uma cultura de analfabetos do ver e do fazer? Será que os professores das novas gerações não se incluem já, eles próprios, nesse novo grupo? Será por isso que o ensino em Portugal anda como se sabe? Ou serão os decretos ministeriais que obrigam os professores a não perceber a realidade que os envolve e como tal a usar casos da Indochina para ilustrar e dissertar sobre o que é uma “zona húmida”?!

Nesta acepção “ Evolui ou Morre “ é também uma magnífica metáfora cuja leitura recomendo vivamente aos professores, nem que seja só para ocuparem os dias de greve!

1 comentário:

José Carrancudo disse...

Já referimos noutras ocasiões que a nossa Escola está enferma, com um doença de natureza pedagógica. Entre outras consequências, muitos alunos não aprendem ler convenientemente e não são capazes de desenvolver o seu vocabulário activo, e ainda não desenvolvem a capacidade de memorização sistematizada e associada.

Nestas condições, o recurso aos excessos visuais nos livros escolares é bem compreensível, pois é a única maneira de transmitir alguma informação aos alunos, os quais, entretanto, irão esquece-la muito em breve, pois não a conseguem relacionar com o resto do seu conhecimento, completamente desordenado e dissociado.