segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Apareço...logo, existo !

Apesar de continuarem a ser muito citados por tantos quantos pretendem credibilizar a sua erudição, não me parece que os clássicos da filosofia, desde Sócrates a Kant, merecessem o crédito que lhes é atribuído, inclusive por quem nunca os leu, se vivessem nos nossos dias.

Isto por uma razão simples, eram “generalistas”, condição que se tornou sinónimo de incompetência neste universo de “especialistas”.

Do tempo em que a filosofia se definia a si própria como "ciência dos seres, dos princípios e das causas" passou-se em pouco mais de um século para um ambiente de conhecimento compartimentado, ainda que para isso tenha sido muitas vezes necessário forçar por arrombamento as fronteiras do bom senso.

Deste modo a contradição que alguns notam entre o acréscimo de quantidade de conhecimento disponível e o uso que dele se faz, é apenas aparente, porque a especialização tem um efeito de afunilamento que conduz a uma perda de perspectiva.

Num tempo em que a globalização convidaria a uma perspectiva macroscópica da Vida, o que mais se encontra são imagens panorâmicas, sim, mas obtidas pela objectiva do umbigo de quem as fotografa e ainda por cima desfocadas com a preciosa ajuda dos lentes que pululam pelos média.

Vivemos num clima de inusitado frenesim de cópula mediática. Para a imensa parafernália de especialistas do nosso tempo, um muito prosaico "apareço logo existo" há muito que relegou para as calendas gregas o clássico "penso, logo, existo". Por isso eles se desdobram em entrevistas em que, mesmo quando não abrem a boca, servem na perfeição o objectivo central da iniciativa: credibilizar uma notícia que segure audiências e obter para si próprios a credibilidade só acessível a quem já apareceu na TV. Mas fazem mais que isso: contribuem decisivamente para cultivar as imagens cada vez mais redutoras com que olhamos o mundo.

Mill espantar-se-ia como as teses utilitaristas que estruturou foram potenciadas. E nem mesmo nos seus dias de maior euforia criativa, Smith se teria permitido viajar tão longe nas concepções liberais da ordem económica.

De facto, uma espécie de utilitarismo hiper liberal é o que melhor define este tempo de globalizações em que vivemos, súbditos de um império mediático que nos formata desde a roupa que vestimos até ao que pensamos sobre a relação da Angelina Jolie com o Brad Pitt!

Não é pois de admirar que incorporemos o que se mediatiza com a mesma facilidade com que uma esponja seca absorve a água. Se os média dizem que a terra está a aquecer e que o clima está a mudar, é porque é assim. Se os especialistas aconselham a usar biodisel, é isso que se deve fazer - venha o biodiesel, os carros movidos a biodiesel e fica tudo resolvido. E do mesmo modo que a produção de lixo e de poluição se transformou numa indústria de sucesso de tratamento de lixo e combate à poluição, também as alterações climáticas estão a dar origem a uma bem sucedida indústria de conservação climática. É assim que se preserva o essencial. E o essencial é o modo de vida que temos. Daí que os especialistas nos aconselhem a “transformar as dificuldades em novas oportunidades”. Mais utilitário que isto, nem Mill.

Portanto dispensam-se Spengler’s, Suntag’s, Harendt's, Soljenitzin’s e outros pretensos pensadores do nosso tempo. É verdade que eles viraram o funil ao contrário e observam que temos um problema não de forma mas de conteúdo. No entanto, como estão catalogados c
omo "generalistas", são naturalmente tidos por utópicos e incompetentes, e nessa medida as prosápias que destilam sobre questões tão pouco mediáticas como o declínio do Ocidente ou sobre ser a auto-limitação o principal vector da liberdade, aparecem como extremamente inconvenientes aos olhos de todos os "especialistas" que existem apenas porque aparecem!

2 comentários:

Fátima Lopes disse...

Excelente post! Faltam nestes tempos pensadores com uma visão integradora da realidade, assim o mundo pudesse prescindir dos rótulos com que os classifica.

Anónimo disse...

Concordo!
Vivo diáriamente esta realidade no meu local de trabalho.
Gostava que me desse referências dos pensadores que refere no fim. Será possível ?
Continue que é estimulante !

Matilde