segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Manifesto Anti - Neo-Verde



Fruto de um casamento de conveniência entre os burgueses que somos e os cidadãos que gostaríamos de ser, nasceu um híbrido: o neo-verde !

O neo–verde, é o prematuro-mutante-viável de uma tentativa desconseguida de compreensão do sentido da Vida. Prematuro, porque não sobrevive sem um sistema exterior de apoio – os média e os congressos de educação ambiental; mutante viável, porque resulta da evolução possível de quem tentou perceber os fundamentos da ecologia, mas percebeu mal !

O neo- verde tem formação média ou superior e encontra-se disponível em duas versões: light e hard ! O neo-verde light, proclama sempre que pode que é preciso salvar o planeta, compra as fitas do novel-Nobel pela internet e é assinante da National Geografic. O neo-verde hard, vai mais longe: só consome produtos com certificação ambiental e quando trocar de carro quer comprar um Honda-hibrido ( o Lexus está fora do orçamento ).

O neo verde é a personificação de todas as pseudo-certezas imaturas que atingem os pós-adolescentes tardios . Confunde sabedoria com conhecimento e não distingue conhecimento de informação. Por isso, acredita hoje no aquecimento global e amanhã há-de acreditar no arrefecimento global. O neo- verde é evolucionista desde o Big Bang e além disso conseguiu a proeza de simplificar para dois a complexa fórmula dos três R’s – o entendimento neo-verde é que quem recicla, reduz !

Pode-se pois dizer que a cultura neo-verde se caracteriza por uma espécie de neo-provincianismo invertido. Explico: ele sabe exactamente o que é preciso fazer para salvar o planeta, mas não faz ideia de como se semeia um alho. No entanto, se colocado perante esta dificuldade, o neo-verde tem sempre a resposta pronta: “ esse tipo de questão não é linear, tem contornos mais complexos e outro tipo de implicações, e por isso não deve ser abordada de uma forma simplista sem antes se proceder a uma avaliação integral de todos os impactos”. E o alho, agradece!

O neo-verde não prescinde da janela panorâmica na marquise, mas quando tiver dinheiro quer equipá-la com vidro duplo. O neo-verde é consumidor de Actimel e está na expectativa de que brevemente a ciência torne biodegradáveis as respectivas garrafinhas. O neo-verde está em permanente dieta de hidratos de carbono, e por isso não vê inconveniente em que com trigo se produza etanol para os motores a gasolina.

Contrariamente ao demodé verde-contestatário, a personalidade neo-verde é por natureza conciliadora: acredita no valor do consenso como menor denominador comum para um futuro melhor, e pauta-se por princípios de uma saudável flexibilidade. Por exemplo: se tiver que optar entre qualquer questão verde e o cheque do fim do mês, o neo-verde encontra sempre forma de ficar com o cheque !


Ambientalmente falando, o neo-verde é ejaculador precoce, isto é, anda sempre tão excitado com a questão que ao mínimo estimulo debita verdura, deixando o interlocutor sempre insatisfeito. Exemplo: o neo-verde é exímio em conceitos éticos, mas chega sempre atrasado às reuniões.

Para além disso o neo- verde tem bons hábitos sociais e hobbies sustentáveis, tipo sócio de um moto clube que promove passeios de natureza. Assim, num fim de semana soalheiro, procura um pendura tão verde-alface quanto possível, e vão em caravana ver os golfinhos ao zoomarine ou ouvir os passarinhos ao sitio das fontes. Claro que se estiver de chuva, o neo-verde fará como o comum dos mortais: mete-se com a família no monovolume do pai e vai passar a tarde ao Fórum local. Foi exactamente numa dessas tardes em que arrastava indolentemente as solas recicladas pelos reluzentes pavimentos da catedral do consumo, que o neo-verde exultou com a novidade: acabava de ganhar o Nobel !!!

7 comentários:

Anónimo disse...

Ahahaha!
Este manifesto está um must !
Em cheio no alvo !
Mas será que os "alvos" darão por isso ??

Rita disse...

Olá Manuel
Vim ao seu blog por curiosidade e quando cheguei aqui percebi a boca do "neo-verde" que deixou num comentário lá no Polegar. Na altura não percebi a que se referia, mas agora que aqui estou também não sou pessoa de me fazer desentendida em relação ao que me chamam. Não confundir com enfiar carapuças. Bom, eu tenho a sorte de trabalhar com um monte de gente a quem o Manuel espetava um post-it na testa a dizer neo-verde mal lhe passasse à frente. Não temos aquecedores, vestimos mais roupa quando está frio. Temos plantas comestíveis em vez de plantas decorativas. Jurámos nunca vir a ter um carro e os que vivem mais longe vêm de bicicleta ou transportes públicos. Passamos as tardes de fim de semana a dar ou fazer workshops de prendas biodegradáveis. Vamos ao Ecocentro todos juntos despejar o que não pudémos reciclar. E temos vermicompostores em casa. Carregamos a água da máquina de lavar para o autoclismo. E depois disto tudo, somos humanos. Sabemos que não podemos forçar os outros a serem como nós, que cada um tem força para o que tem em cada altura da vida. Que a nossa verdade agora é muito diferente do que já foi um dia, e noutro dia futuro será mais diferente ainda, por isso não podemos ser intransigentes nela. E se esta humanidade não nos torna mais sábios, além de informados, porque estou-lhe a falar de um grupo de investigadores e biólogos, então não sei o que nos tornará mais sábios.

Manuel Rocha disse...

À Rita :

Perante esse resumo de CV, garanto-lhe que não lhe colocaria um post-it "neo-verde" na testa. Sobretudo agora que tenho q certeza de que os ecopontos que vai oferecer pelo natal não são "made in China", certo ?

Prefiro classificá-la como uma "irredutível Gaulesa que resistirá agora e sempre ao invasor". E além disso, é susceptível. Portanto, e se me permite , concluo recorrendo a citação livre do celebrado corso Ocatarinetabellatchitchix: " definitivamente agradas-me, pequena !!"

Anónimo disse...

À Rita:

Espero sinceramente que o carapuço não lhe sirva, pois este manifesto é mais do que isso, é um "capacete"!

Ao Blogger:

Como sou um sportsman, tenho de felicitá-lo, porque nunca tinha visto tão bem retratada a minha atitude ambiental. Foi como se me estivessem a revelar as entranhas.
Acaba de me criar um problema existencial, pelo que se a coisa descambar para a terapia terei que lhe exigir responsabilidades civís em acção sumária.

Fora isso, continue. Lé-lo dói mas dá gosto !

Pedro Feist

Anónimo disse...

Ainda só cheguei aqui na leitura dos seus posts e já me sinto "incomodada".Gostava de retorquir mas falta-me o que a si sobra, que é conhecimento e acutilância. A Rita ainda se defendeu com uma prática que eu não tenho. Por isso terei que dizer que "sou um alvo que deu por isso". Reli e rendo-me! Sou neo-verde.

Maria

Anónimo disse...

Lol...a rita diz que não enfiou a carapuça mas lá teve que puxar do resumé e dos galões de investigadora e bióloga...lol...custa mas é a vida !

Rita disse...

anónimo, caro:

Não "puxei dos galões para me defender", foi só uma maneira de mostrar que quem trabalha com coisas de tecnologia avançada também pode ser ecologista. Se fosse informática o exemplo era igual. E se tivesse puxado dos galões, não percebo qual era o problema, acho que é justo. Trabalhei muito para chegar onde estou e tenho orgulho nisso. Porque foi e continua a ser difícil, é de responsabilidade e porque vai possivelmente contribuir um pouquinho para termos soluções ambientais melhores. Tal como me esforcei e continuo a esforçar para reduzir o impacto ambiental da minha vida e também me orgulho disso. Falsas modéstias não são o meu forte, nem as percebo. Essa mentalidadezinha portuguesa, graças a Deus, nunca me contagiou. Feliz Natal, amiguinhos anónimos:)