quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Oportunismo Ambiental

No período de frenesim industrial que se seguiu à Segunda Grande Guerra, um senhor que dava pelo nome de Ivan Iliich, predisse que os malefícios da poluição galopante rapidamente se iriam transformar em benefícios da ordem económica instalada. Na linha do pensamento de Marx, também Illich identificava nos sistemas capitalistas a sua capacidade inata de se transformar por dentro, adaptando-se a tempos diversos e sociedades distintas, graças ao seu completo vazio moral.

De facto, foi com uma facilidade estonteante que se viu os mesmos grupos que ganharam e ganham dinheiro a poluir e contaminar, passarem também a ganhar dinheiro a despoluir e descontaminar. Tudo isto, claro, sem que fosse afectado o crescimento das empresas e das economias, a quem, na verdade, tanto faz que as mais valias geradas provenham de dividendos obtidos na educação ou na saúde, como na produção e exportação de minas anti-pessoal , pois o que basicamente se pretende é que a roda não pare de girar e que, enquanto gira, consiga manter uma paz social que não afecte em demasia o essencial dos interesses instalados, ou seja, que o mundo se mantenha divido entre os que são ricos e os que, não o sendo, sonham sê-lo.

Até aqui nada de novo.

Por isso, num tempo em que todos falam de alterações climáticas, e em que o capitalismo triunfou, é com naturalidade que se assiste ao advento de uma industria de “conservação climática”, com todo o marketing mediático que, nos tempos que correm, é condição intrínseca de existência de qualquer facto, quando não mesmo o facto em si.

Com o ex-futuro presidente dos USA à cabeça, engrossa a olhos vistos o número daqueles que são contra o aquecimento global, por Quioto, contra a desflorestação da Amazónia, pelo regresso da neve ao Kilimanjaro, contra o buraco do ozono e a favor das baleias de bossa, etc e tal...Engrossa e ainda bem que engrossa. É provável que o Planeta agradeça tanto deslevo, mas quem seguramente já está agradecido e muito, são tantos quantos já se posicionaram para as novas soluções de produção de energia, desde as eólicas ao bio diesel, para falar apenas destes.

Energias limpas ? Não é tanto assim! Os componentes estruturais dos aerogeradores ou dos painéis foto voltaicos não são feitos a partir de minérios renováveis ou de minerações limpas, nem as oleaginosas a partir das quais se quer produzir o bio diesel deixam de ser um produto da agricultura industrial e esgotantes dos solos em que se cultivam, nem os biocombustiveis são isentos de emissões de gasos poluentes. Como qualquer outra actividade humana, também estas têm impactos, e os impactos tendem sempre a ser subestimados.

O que efectivamente se está a passar é que a acepção ecológica da sustentabilidade foi completamente tomada de assalto e reconvertida pelo discurso ultra liberal do capitalismo moderno, que lhe transmite uma acepção pragmática que a todos faz sentido: “sustentável” passou assim a ser a politica capaz de nos permitir ganhar muito dinheiro hoje, amanhã, e sempre, seja à custa do aquecimento global ou do arrefecimento global.

Neste “ambiente”, sempre que são chamados a intervir sobre estas questões, os ilustres “cientistas” em voga parecem afectados por dois fenómenos concomitantes: o primeiro é de falta de perspectiva, eventualmente ofuscada pelos projectores dos palcos para onde foram catapultados pelo interesse comercial dos média, e o segundo é uma irresistível deriva ovina que os inibe de tentar sequer remar contra esta maré de evidências mediáticas.

A propósito de questões paralelas a estas, Meira lembrava há tempos um provérbio popular da sua Galiza natal, segundo o qual “só os peixes mortos não nadam contra a corrente”. O caso é que existem algumas noções essenciais que deveriam ser transmitidas com alguma clareza e o rigor que a ciência deve exigir de si própria. Nomeadamente, que as variáveis climáticas não são constantes ( por isso mesmo se chamam variáveis), que trinta anos é o mínimo para caracterizar alterações consistentes no comportamento de um clima ( e ainda assim não é mais que um mínimo convencionado…), e que as alterações das técnicas, dos equipamentos ou dos contextos micro-climáticos em que os dados são recolhidos interfere necessariamente na sua natureza e portanto na sua comparação.

Se as coisas fossem postas nestes termos, provavelmente nem sequer haveria noticia, mas sejamos claros e honestos : a média das máximas do mês de Agosto de 1933, calculada com base nas leituras “a olho” de um avençado do Instituto Superior de Agronomia na Tapada da Ajuda, não é rigorosamente comparável à média de Agosto de 2006, obtida por leituras de terminais digitais na Portela de Sacavém, e os critérios que suportam a validação desses dados para integrar as séries estatísticas que alimentam os modelos matemáticos sobre os quais depois se extrapola, não são mais que isso - critérios! Da mesma forma não parece muito fiável a avaliação da performance da calote Árctica quando em cima da mesa estão elementos de monitorização tão dispares para a comparação como fotografias de satélite actuais e…coisa nenhuma ! A verdade é que ninguém faz ideia se em 1900 já havia buraco de ozono na Antártida, ou se no sec XVIII não terá havido um período qualquer em que a neve também desapareceu do Kilimanjaro !!!

Parece ser facto que o clima, como quase tudo na Terra, nunca foi estático ! Mas ainda assim as dinâmicas de mudança climática que se inferem em passados ainda recentes e noutros anteriores à presença do Homem, não conseguem ser explicadas senão por edifícios de hipóteses em que é impossível determinar com exactidão o peso relativo das varáveis em presença. A realidade é que o conhecimento concreto dos mecanismos que presidem a essas alterações, não existe.

Quer isto dizer que nada se passa e nada deve ser feito para reduzir os impactos das actividades humanas ? Nada disso!! E se a questão da motivação para a mudança pode considerar-se secundária face à amplitude dos problemas, o mesmo não sucede em relação à perspectiva em que se realiza essa mudança, sob pena de continuar tudo na mesma.

Sob a tremenda pressão humana que canaliza parte muito significativa dos recursos e da energia para utilizações perfeitamente supérfluas, ninguém questiona o modelo( leia-se, sociedade de consumo ), apenas os seus efeitos. Interpretando como problemas as suas consequências ( leia-se, eventual aquecimento global, por exemplo ), os sectores ditos esclarecidos das sociedades ocidentais, reagem com paliativos de consciência e aplaudem o Nobel de Al Gore com o mesmo tipo de atitude com que se põe o vidro no vidrão e o papel no papelão. Mas não se reformula uma virgula nas bases conceptuais que estruturam culturalmente os modos de vida, que é como quem diz, o consumo do vidro, do papel, ou da energia em geral. E isso sucede apenas porque desagrada ao comodismo corporativo que se generalizou ou também graças aos superiores interesses dos grandes grupos económicos que habitam nos meandros mais íntimos do poder e para quem o caminho da redução é uma parte inaceitável da estratégia dos três R’s ?

Sejamos claros: para a dinâmica da perspectiva capitalista da economia, reduzir consumos do que quer que seja, não é opção. E de cada vez que se chega a um impasse de crescimento, o marketing inerente ao sistema dispara avidamente na procura de outros patamares de retoma. Se se tiver que montar no aquecimento ou no arrefecimento global, é indiferente. Até pode ser que o Planeta agradeça os impactos marginais que dai decorram, mas não nos tomem por ingénuos! O oportunismo é o ADN do capitalismo. Foi esta a mensagem de Davos, foi esta a mensagem que o altruísmo ambientalista do senhor Al Gore deixou há tempos em Lisboa a troco da bonita soma de 200.000€ : a eventualidade das alterações climáticas é uma oportunidade de negócio e, portanto, chegou a vez do ambiente voltar a render! Seja especulando no mercado internacional do carbono, seja promovendo os modelos híbridos da Lexus, ou dando a cara por fitas catastrofistas na melhor tradição Hollywoodesca!

A grande maioria dos problemas ambientais que hoje se identificam, apresentam uma forte correlação com a actividade humana e, embora dessa correlação não seja legitimo inferir causalidade, eles são os mesmos que estando tipificados há décadas podem ter interferência directa naquilo que se perspectiva como “alterações climáticas”. Mas daí a preterir a solução de problemas concretos e bem identificados como a degradação dos solos e dos recursos hídricos, a desflorestação e a desertificação, a depredação dos oceanos, o sobrepovoamento, a pressão sobre os litorais, a gestão irracional da energia, nada fazer nesses domínios e, de repente, eleger o eventual aquecimento do clima como “o problema” por excelência, vai a toda a diferença que existe entre a hipocrisia e a honestidade, que é como quem diz, entre atacar a raiz dos problemas ou perder tempo e recursos discutindo o fait-divers das suas consequências.
Admito que haja quem se envolva nestas dinâmicas de boa fé e espírito de cruzada. Admito mesmo a existência de muitos especialistas que, na boa tradição do “funil pensante”, encaram estas questões com o mesmo entusiasmo idiota com que se dedicam a conjecturar sobre a forma física de eventuais criaturas que habitam os sistemas planetários que residem nos antípodas desta galáxia. Admito até que o comum dos mortais que se preocupa de forma abstracta com as alterações do clima encare pacificamente como inevitáveis a maioria das suas práticas diárias que contribuem para esses fenómenos. Mas não são essas as máquinas que fazem girar o Mundo em que habitamos. É o poder ! E o poder do tempo presente é capitalista. Como Illich já sabia, o capitalismo será tudo o que quisermos, menos ingénuo ! E no mundo da “ciência” como no mundo da “politica” ou dos “média”, são infelizmente muito poucas as consciências que não têm um preço, que até pode muito bem ser o Nobel !

1 comentário:

A Comunidade disse...

"Mas daí a preterir a solução de problemas concretos e bem identificados como a degradação dos solos e dos recursos hídricos, a desflorestação e a desertificação, a depredação dos oceanos, o sobrepovoamento, a pressão sobre os litorais, a gestão irracional da energia, nada fazer nesses domínios e, de repente, eleger o eventual aquecimento do clima como “o problema” por excelência, vai a toda a diferença(...)
Subscrevo!!!