sábado, 3 de novembro de 2007

A GALP e o Biodiesel


Ferreira de Oliveira, CEO da GALP, deu há algum tempo longa entrevista ao Expresso. Falou da empresa e dos seus projectos de futuro e, entre eles, da utilização dos chamado biodiesel.

Ficou-se a saber que o Governo Português pretende atingir em 2010 o objectivo de incorporar no consumo de diesel 10 % de combustíveis de origem vegetal. E é ainda o Presidente da Galp quem informa que, para atingir na mesma altura o objectivo Europeu, ou seja, 5,75 % de incorporação, necessitaríamos de qualquer coisa como 600 mil toneladas de biodiesel , ou seja, e ainda segundo as contas da Galp, uma área cultivada de 500 a 700 mil hectares.

Trocando estes números por medidas identificáveis, chega-se a algumas conclusões interessantes. Desde logo que, para conseguir incorporar no consumo nacional de diesel 5 % de óleos vegetais, Portugal precisaria de cultivar anualmente com oleaginosas algo mais que…todo o Algarve! Por conseguinte, para o objectivo nacional de 10 % de incorporação em 2010, toda a superfície agrícola útil existente a sul do Tejo não seria suficiente!

O potencial do biodiesel, para constituir uma alternativa credível ao diesel convencional, fica bem ilustrado nesta imagem: se o objectivo fosse o de suprir a 100% o consumo deste pequeno país periférico com apenas 10 milhões de habitantes que é Portugal, imagine-se toda a península Ibérica cultivada para o efeito e…não chegava !

Os assessores da Galp, do Governo, ou de UE, seguramente já fizeram estas contas e reportaram aos respectivos CEO’s que não há terras agrícolas que suportem sequer o objectivo dos 10 %. E não é só uma questão de área! É também a impossibilidade técnica de repetir ano após ano, na mesma parcela, uma cultura esgotante como é a das oleaginosas. Além disso, mesmo com fertilizações químicas consecutivas, não são todos os solos os que permitem as produtividades pressupostas para atingir o volume de produção pretendido.
No caso de Portugal e de todos os países do Sul da Europa onde impera o clima mediterrânico, acresce ainda que as poucas chuvas na época de cultivo das oleaginosas ( Primavera- Verão) colocam a questão da disponibilidade de água para viabilizar a cultura em extensões significativas.

Portanto, a pergunta impõe-se: onde andarão os terrenos capazes de realizar o “objectivo Europeu” ?

No que a Portugal diz respeito, a solução aparece logo a seguir, sob a forma de um acordo já firmado pela Galp com a Petrobrás para o cultivo de 700.000 ha no Brasil, estando ainda na calha projectos semelhantes para Angola e Moçambique ! Disso mesmo nos dá conta Ferreira de Oliveira.

Fica-se com a ideia de que nos referidos países a possibilidade de produzir culturas com potencialidade para serem utilizadas como bio-combustíveis é …ilimitada! Mas não é!
Passando ao lado de considerações sobre questões centrais de ordenamento e política agrícola de territórios e países que se debatem com problemas crónicos de auto-abastecimento alimentar, convirá recordar que a maioria dos solos do hemisfério sul, pela sua natureza geológica coadjuvada pelo clima, tendem para a “latrinização” quando submetidos às práticas típicas da agricultura industrial. Dito de forma simples, degradam-se rapidamente, pois quando perdem o coberto vegetal e são submetidos a trabalhos de mobilização e de adubação sistemática, tendem a formar à superfície uma camada impermeável à água, extremamente susceptível à erosão, e onde se concentram sais minerais tóxicos para a maioria das plantas – são as “latrites”, um género de certificado de inutilidade agrícola permanente!

Dir-me-ão que os CEO’s das petrolíferas não têm que se preocupar com estas minudências. Pois! Mas então quem tem ?

Quando se chega a este tipo de questões, a tentação de abordar o tema na perspectiva do neocolonialismo é incontornável.

De facto, a ideia de exportar as actividades que ao Ocidente não interessam e importar o que não temos ou não nos interessa produzir, não é nova e vem de longe. A solo ou em joint-venture com os interesses das nomenclaturas locais, desde há muito que o Ocidente aprendeu a produzir mais barato e com menos impactos directos nos países de além-mar, tudo aquilo que se constata ser caro ou perigoso demais para produzir nos nossos quintais. Com os resultados que se conhecem: delapidação consecutiva dos recursos desses territórios, impactos ambientais inenarráveis, acréscimo das dinâmicas de dependência, rotura social e perpetuação dos ciclos de pobreza.

O argumento habitual de que se está a “criar riqueza” e a “promover o emprego” nessas paragens, devia fazer corar de vergonha os ingénuos que ainda o utilizam. Todos sabemos quem fornece a tecnologia, de onde vêm os quadros dirigentes bem remunerados, e que o emprego local efectivamente criado ou é ridiculamente inexpressivo ou escandalosamente mal pago!

Com esta história do biodiesel, voltamos basicamente ao mesmo: maquinaria agrícola da Catterpillar americana ou da Volvo sueca, operada por meia dúzia de trabalhadores locais em empresas geridas por técnicos ocidentais, propõem-se produzir na América do Sul, ou em África, as sementes de oleaginosas que a Europa pretende transformar em óleo alimentar para … suprir 5,75 % do diesel que irá queimar em motores de combustão.

Na sua essência, a noção de “sustentabilidade” que anda por aí tão em voga, fica bem ilustrada por esta lógica, pois enquanto o critério para avaliar e valorizar os processos económicos, em lugar de ser determinado pelos seus fluxos energéticos, for resolvido unicamente pelos respectivos balanços contabilísticos, falar de sustentabilidade é uma inqualificável mistificação da realidade.

No caso vertente, a mistificação é tripla.
Desde logo porque se criou a ideia errada de que a queima de biocombustiveis não emite CO 2. Depois, porque a rentabilidade energética do processo produtivo do biodiesel (desde o cultivo das oleaginosas, passando pelo seu processamento industrial até ao circuito final de distribuição ) é reduzida, senão mesmo negativa. Por último, porque o protocolo técnico para a sua produção, tal como aparece gizada pelos interesses que a pretendem promover, pelos factores que envolve, pelas grandes áreas que implica e pelos consequentes impactos que suscita, e porque compete directamente com a produção alimentar, é dos melhores exemplos de insustentabilidade na prática agrícola.


Então, a produção industrial de biodiesel como suposta fonte "renovável de energia alternativa" é “sustentável” para quem ?! A única resposta que me ocorre, é que o possa ser para os accionistas da Galp…








9 comentários:

Anónimo disse...

Caro M Rocha:

Sou quadro da GALP, gostei da sua perspectiva, e se me autorizar gostaria de fazer um forward para dentro do Grupo.

Cumprimentos.

Manuel Rocha disse...

Caro GALP-Anónimo !

Sendo este espaço público, é claro que pode usar o que aqui se publica nas condições em que é prática corrente.

De qualquer modo, agradeço a deferência .

Saudações !

Anónimo disse...

Devia ser matéria do foro criminal a leviandade com que pessoas mal informadas como o autor destas banalidades, põem levianamente em causa o trabalho sério de pessoas competentes que numa empresa responsável como a GALP energia tentam todos os dias contribuir para um futuro mais sustentável para todos nós.

HC

Anónimo disse...

HC ?!
Hummm...lembram-se do filho de um ex presidente da PT que aqui há tempos aterrou na GALP por obra e graça de um mérito que ninguém percebeu ? Será o mesmo ? Se é está tudo explicado. Cá na casa todos lhe reconhecem a competência a lamber botas ( e não sei se algo mais)para se insinuar, e para pouco mais.
Não fosse isso e teria percebido que quem escreveu isto está é muito bem informado e sabe, coisa que o HC talvez não saiba ( coitado...), que o nosso interesse nos bio-combustiveis tem dois objectivos: transmitir uma imagem "verde" e, the last but not the least, transferir dos bolsos dos contribuintes directamente para as contas dos accionistas os infindáveis "incentivos" às "energias alternativas".
Bem na mouche, Blogger !

Anónimo disse...

Olha os Relações Públicas aflitos a tentar perceber onde foi que o artigo saiu e como é que lhes escapou. Eheheh !

Anónimo disse...

Caro Manuel Rocha.

Vejo que para si a GALP é um aviário de interesseiros neo-colonialistas pouco competentes, gerido pelo ditame do lucro fácil.

Não sei se faz parte do grupo daqueles que zurze com estonteante facilidade o trabalho dos outros, sentado sobre as comodidades que ele lhes faculta.

Mas se não é, não percebo que alternativa é que preconiza para o nosso futuro energético. O regresso às cavernas ?

Vasco Trigo Pereira

Anónimo disse...

Dr Trigo Pereira:

Ainda que o blogger esteja sentado em cima das comodidades que lhe proporcionamos, isso não lhe retira um pingo de razão.

O seu argumento é do género de que "o que não tem solução, resolvido está", e é poucochinho para o seu curriculum. Esperava melhor, sinceramente.

Desculpe o anonimato, mas sou como o neo-verde que o blogger caracteriza: entre uma questão verde e o cheque do fim do més, não tenho dúvidas.

Anónimo disse...

Ao blogger:

Obrigada por nos ter animado a rotina.
Não imagina como é divertido ver os knight's de serviço nas suas armaduras de certezas inquestionáveis tentando defender a honra de uma dama mais que corrompida.
Como vou voltar mais vezes, agradeço que continue a partilhar conosco as suas pérolas.
Prometo que quando o tema não tiver a ver com a GALP, já não me assinarei como anónima. Para já, também faço como o neo-verde.

Anónimo disse...

Caro M. Rocha:

Já tinha lido este seu texto e fiz cópia para sobre ela investigar, porque confesso ter ficado com dúvidas sobre a pertinência técnica de algumas das suas observações.
Depois de alguma pesquisa sobre temas para mim agrestes como produtividades agricolas e industrias, chego fácilmente à tremenda pertinência dos seus comentários.
Alguém anda a brincar com a nossa credulidade !!!
Precisamos de quem não se deixa iludir !

Mariano Feio