Há quem afirme o Ocidente como fruto civilizacional do Cristianismo. Será . Mas que não se menospreze na ideologia que o Ocidente é também fruto do Mediterrâneo, que de resto deu muitos outros frutos e por isso há quem lhe chame "berço de civilizações".
No contexto da geografia global, o espaço mediterrânico tem características únicas que, na era pré-industrial, constituíram aquilo a que os economistas actuais chamariam de "vantagens comparativas substanciais": um mar interior sem grandes problemas de navegabilidade a permitir comunicações fáceis numa vasta área geográfica e, mais importante, um clima único.
O clima dito mediterrânico é um subtipo dos climas temperados com quatro estações bem marcadas, bastante bem tolerado pelos humanos, mas é um clima raro. Além da bacia mediterrânica, só ocorre na Califórnia, no sul da África do Sul, numa pequena faixa no sul da Austrália, e tem por particularidade que a estação quente é seca !
Qual a importância deste detalhe na história ?
A história do Ocidente é antes de mais uma história de sucesso no controlo das técnicas agrícolas, com particular relevo para o controlo da produção de cereais, particularmente do trigo, que foi durante séculos o grande pilar da dieta alimentar dos povos do mediterrâneo.
Ora a produção de trigo na era pré-industrial tinha um problema, a saber, a secagem do grão a seguir à colheita, para que pudesse ser armazenado em boas condições de conservação. Após a ceifa, as searas eram convertidas em molhos, estes arrumados em roleiros nas eiras onde terminavam o processo de secagem e aguardavam a debulha e a alimpa antes de o grão seguir bem seco para armazém.
Se neste processo, entre a maturação do grão no campo ( Maio ) e o armazenamento ( Julho/ Agosto) chove, arruína-se uma boa colheita, que era o que acontecia com espantosa facilidade nos campos da Europa do Norte onde, apesar dos solos mais férteis e de produtividades muito mais elevadas, eram mais que muitos os anos em que não se aproveitava um grão . Exactamente o que aconteceu nos anos anteriores à Revolução Francesa, fazendo grassar a fome e o descontentamento popular que potenciaram a revolta.
Além do trigo, o clima mediterrânico é ideal para a conservação por secagem de outros produtos tipicamente mediterrânicos de elevado valor alimentar: figo e amêndoa, fava e ervilha. Permite ainda a conservação por secagem do peixe ( abundante ) e da carne. E, the last but not the least, a produção de sal marinho, um produto que se vende por si e ainda ajuda a vender muitos outros por si conservados. Tudo técnicas que o Ocidente incorporou directamente dos povos mediterrânicos , nomeadamente dos Árabes, outra civilização do Mediterrânio.
A importância do Mediterrâneo na história agrícola da Europa só se começou a diluir depois das descobertas, com a chegada do arroz da Indochina e do milho e da batata da América. Curiosamente, depois de ter feito prosperar a Europa do Norte, a batata quase a arruinou, quando em meados do século xix o míldio da batateira provocou a que ficaria conhecida como a grande “fome da batata” e obrigou à emigração em peso de milhões de irlandeses,holandeses, dinamarqueses, entre outros, e potenciou a colonização da América.
Para a História ficou a história da fome da batata, pela escala inusitada. E depois disso a História da Europa re-escreveu-se sob a batuta dos países que melhor proveito retiraram dos colonialismos pós-descobertas e da industrialização. Sobre o fiel amigo Mediterrâneo que com o seu clima generoso sempre correspondeu ao que dele se pediu, qual autêntico burro de carga de mais que uma civilização, pouco se diz, talvez porque nunca falhou !