sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Os Apóstolos


Quando J Cristo quis divulgar pelos povos a sua concepção do mundo, escolheu para mensageiros os seus melhores discípulos. JC acreditava, com razão, que os melhor colocados para difundir a sua verdade eram, claro, aqueles que melhor a tinham assimilado.
Hoje, quando a economia neo-liberal procura perpetuar-se como modelo de gestão social, os seus principais actores reúnem nos templos do capitalismo os discípulos e escolhem entre os que melhor assimilaram as suas verdades os seus apóstolos.

Mudam os tempos, os templos e as verdades, mas mantém-se o método. Só que, nesta nova ordem, os "evangelhos" estão escritos a cifrões, e os heróis do nosso tempo já não libertam donzelas cristãs prisioneiras em fortalezas pagãs - passeiam-nas de Ferrari pelas marginais. Eles são o produto sem defeito duma linha de montagem de criaturas sem dúvidas, tão cheias de certezas que invocam Deus e a Ciência com a mesma fé dogmática.Nem os modelos "T" da Ford saíram tão iguais das linhas de montagem que inauguraram a produção em série. E as Universidades que os produzem, que eram os lugares da Terra onde o conhecimento avançava pela capacidade de se questionar permanentemente a si próprio, transformaram-se nos templos do capitalismo de mercado onde a excelência se define pela capacidade de assimilar e reproduzir com fidelidade a ordem estabelecida, papagueando as sebentas assinaladas.

São os perfis destes "primus inter paris" que, findo o processo iniciático, aparecem estampados nas páginas centrais dos jornais de referência. Paramentados com o fato e gravata ou o "tailleur" da regra, debitam para a posteridade os clichés e lugares comuns que deixam em êxtase babado progenitores e mestres. Nem um só pensamento original ou dissonante; nenhuma dúvida; nem um pingo de irreverência.
No currículo, além das grandes notas das faculdades de economia, pontuam autênticas pérolas: "catequista desde os 17 anos". Comovente, tanto amor a Deus e ao próximo. Apetece perguntar se quando chegarem aos quadros do Banco cujo CEO frequenta a Missa das 7 na Igreja da mesma paróquia (onde, de resto, já se catequiza o jovem CEO Júnior the Third) irão recuperar o secular ódio de Cristo pelos agiotas ...

Eles, os "Primus inter paris", são a prova provada do sucesso da minha geração. Nós, trocamos os ideais pelo recheio das contas bancárias, a moral por BMW's de função e a ética por vivendas em domínio público marítimo. Eles, seguem-nos os passos. Mais, serão ainda melhores que nós. Porquê ? Porque os expropriamos da história. Por isso só sabem conjugar o tempo na 1ª pessoa e no presente do indicativo. Assim, sem os pruridos de consciência que nós ainda tivemos a atrapalhar-nos a voragem burguesa, assumem a intervenção social como mero instrumento do seu próprio sucesso individual.
Se nos restasse uma réstia de discernimento e bom senso, talvez nos inquietássemos quando os ouvimos oferecer à plebe indiferenciada a opção democrática da escolha: "eles" ou o caos da barbárie! Mas não! Abrimos o sorriso de orgulho imbecil típico do dono do cachorro que aprendeu a dar a pata.
Nós, fomos insubstituíveis porque instalamos a mediocridade no poder. Eles, irão sê-lo porque tudo farão para a perpetuar. Portanto, Amém!

9 comentários:

Fernando Dias disse...

Gostei, Manule Rocha. Continue.
Foucault chamou a isto – monólogo da razão sobre a loucura.
É como “se eu gostasse muito de morrer” (Rui Cardoso Martins) e,
Espetasse uma faca no peito, mas a lâmina foi de encontro à carteira e partiu-se (Anotação do Mal – Jaime Rocha)

Anónimo disse...

Também gostei.

Mas depois de ler os seus textos, apetece-me perguntar-lhe ( sem quaisquer laivos de cinismo ou hipocrisia, entenda-se ) se na sua opinião há alguma coisa que esteja bem? Vale a pena ter esperança num futuro melhor para os nossos filhos ?

Gostava de o ler sobre este tópico e voltarei nessa expectativa.

Matilde Costa

Fátima Lopes disse...

Eu acredito, Manuel Rocha, que as coisas vão mudar. O actual "vazio de sentido" pede novos códigos de pensamento e de conduta. Os que são actualmente pais de filhos pequenos, têm nisso um papel preponderante. É preciso agitar as consciências no sentido de que trazer filhos ao mundo não é apenas algo que é esperado de nós, que é bonito, que nos dá continuidade, é acima de tudo uma grande responsabilidade pois são os nossos filhos que farão o mundo de amanhã. Vejo pais e mães preocupados com a educação dos seus filhos pois não gostariam que fossem mais um "producto" da actual sociedade consumista e desprovida de valores mas depois recuam porque o filho vê os amiguinhos com os ténis de marca, o telemóvel xptz, as calças xpto e quer igual. Dizer não é fazer com que o filho se sinta diferente e eventualmente discriminado e isso não pode ser. Pois é amigos, mas enquanto alguém não tomar a iniciativa nada mudará e continuaremos a replicar e a perpetuar o actual estado de coisas. O conforto é bom mas custa-me aceitar que seja esse o nosso mais elevado objectivo de vida, como têm vindo a ser até aqui. Respondendo à leitora Matilde Costa, eu diria que há esperança, mas é preciso agir no sentido daquilo a que aspiramos e não ficar sentados à espera que um dia quando acordarmos o mundo esteja diferente só pela força das nossas esperanças.

Cumprimentos Manuel, bom post!

Manuel Rocha disse...

Obrigado a todos pelos comentários, e um especial obrigado à Pink ( ou Blue...como se sente hoje, more like pink or more like blue ?? ) porque respondeu à Matilde muito melhor do que eu conseguiria fazer.

Ainda assim fica prometido que tentarei algo da minha lavra sobre o tema.

Fátima Lopes disse...

Pink&Blue são as minhas cores preferidas mas pode chamar-me Pink pois é assim que gosto de me sentir. Ao contrário de alguns "cinzentões" gosto muito de cor-de-rosa chamem-lhe o que quiserem eu chamo-lhe alegria de viver (",)

Anónimo disse...

Lol...se vem aí a Rita e lê este post lá terá que sacar da cartilha da tecnologia avançada para se safar da carapuça de prima entre pares...lol...
Feliz Restauração para todos, que daqui até ao Natal ainda muita àgua irá correr por debaixo desta ponte...lol

antonio ganhão disse...

Hoje são os Ferraris essas fortalezas pagãs...

E. A. disse...

Gostei muito do texto: verdadeiro e bem escrito. Apenas com um senão: acho que os jovens apóstolos precipitam-se para a queda; é insustentável este crescendo de consumo (como, de resto, já se nota) e também (acho eu) de estupidificação. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Estou de acordo com tudo o que foi dito. Este consumismo cria obesidade, atrofia cognitiva e mental e consome o planeta. Um belo texto. :)