segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Entreguem-lhes a Taça !


Ao fenómeno a que alguns gostam de chamar Al-Caeda , eu prefiro chamar conflito civilizacional.Uma visita à História que não seja de mera cortesia, leva facilmente a essa preferência. Existem formas diferentes e antigas de estar no mundo cuja conflitualidade ancestral o colonialismo e depois o neo-colonialismo ocidentais agudizaram. E há vastas zonas de contacto em que feridas nunca saradas de tempos a tempos se exprimem nas reacções historicamente típicas dos que não têm os meios para a guerra formal, e a que se convencionou chamar terrorismo.

Sobre o terrorismo é bom recordar que se trata de uma designação genérica fabulosa. A história está repleta de heróis que ontem eram terroristas. Aparentemente a conversão depende apenas de quem vence a contenda.

E nesta contenda Ocidente –Islão que está em curso, teremos de ser honestos e reconhecer que o adversário leva considerável vantagem.

Senão, vejamos.

Durante os últimos anos eles conseguiram o que em décadas não tinha sido obtido por todos os terrorismos internos juntos, desde a ETA ao IRA, passando pelas Brigadas Vermelhas, e,claro, sem esquecer os terrorismos ditos de libertação das ex-colónias, a saber, a generalização de uma paranóia securitária, ou como se deveria dizer em bom e corrente português, o medo irracional e generalizado típico de todas as cobardias.

Câmaras de vigilância por tudo quanto é canto, escutas telefónicas, países onde só se entra descalço, transportes públicos cuja frequência deve estar prestes a requerer prévia palpação rectal, décadas de multiculturalismo despejadas pelo esgoto das séries americanas de referência, a fobia por barbudos morenos, a disponibilidade para denunciar o barbeiro da esquina que se exprime numa língua que não se entende, e, the last but not the least, o Paris-Dakar, esse ícone da infinita possibilidade do ocidental usar o mundo como e quando bem lhe apetecer, cancelado!

Basicamente recolhemos à torre de menagem em atitude defensiva, fomos postos em sentido e sitiados pelo nosso próprio pavor da morte mediática, completamente desfasados de uma realidade concreta onde se continua a morrer mais de acidentes rodoviários que de tudo o resto.

Perante este panorama, sou levado a concluir que os últimos genes guerreiros do ocidente devem ter-se extinto nos campos de batalha das duas últimas grandes guerras. Reproduziram-se os outros - os medrosos - que para travarem as suas guerras recrutam mercenários. Veja-se a composição da generalidade das forças de interposição da ONU. Veja-se a quantidade de mexicanos ou porto-riquenhos nos exércitos americanos, aliciados pelo bónus de, em caso de sobrevivência, adquirirem o direito de residentes-lava-vidros dos arranha-céus do american-dream.

Portanto, em nome do fair-play, proponha-se uma trégua, convoquem-se os capitães de equipa e o Bush que entregue a taça ao Laden! Esta, já ele ganhou! Vamos à próxima!

17 comentários:

alf disse...

No fundo, a humanidade viveu quase sempre no medo. Isto sempre será assim enquanto existir quem não tenha condições para existir com dignidade. Basicamente, um problema de excesso de população em relação aos recursos.

Como já disse no meu blogue, o sucesso dos grandes impérios da antiguidade, como, na realidade, o dos impérios modernos, reside na capacidade de gerar recursos excedentários.

Não só: também na capacidade de impedir a população de crescer masi que os recursos. Por isso é que os romanos praticavam o infanticídio. Contrariamente às visões modernos, esse era um acto de grande consciência civilizacional, pois é preferivel matar as crianças à nascença do que deixa-las crescer para depois se matarem uns aos outros por não haver recursos para todos.

Na idade média usavam-se outras técnicas: chacinavam-se as mulheres com acusações de bruxaria e incorporavam-se os homens em exercitos que depois se lançavam uns contra os outros, muitas vezes com o unico objectivo de dizimar essa massa humana excedentária. Além da criação de conventos, diabolização do sexo, proibição de relações sexuais sem consentimento do Rei, etc.


O problema da falta de soldados ocidentais não é uma questão de só terem ficados os medrosos, o "problema" é vivermos numa sociedade abundante, logo não temos massa humana descartável, não temos "carne para canhão".

Ao contrário, muitos territórios árabes, a começar pela Palestina, estão cheios de massa humana descartável, sem condições de sobrevivencia com dignidade. E a dignidade, estranhamente, é das coisas mais importantes para muitos seres humanos. Portanto, essas pessoam partem à busca do direito à dignidade da unica forma em que o conseguem obter: fazendo-se explodir!

Nós, ocidentais, não teremos culpa do deficit de recursos deles, ou do excesso de população (a não ser no caso da palestina); mas as coisas são como são e se as queremos diferentes só temos de as entender e termos a coragem de enfrentar as soluções.

A realidade é que tb não é mérito nosso estarmos melhores que eles... nós, portugueses, há muitos séculos que não fazemos quase nada pelo progresso do mundo, somos beneficiarios liquidos do investimento no progresso dos outros... ou estarei a ver mal??

quintarantino disse...

Dado o adiantado da hora, venho cá só para dizer: até que enfim!

Há coisas que aqui são ditas que sáo verdades. Inconvenientes, mas verdades.

Tiago R Cardoso disse...

Culpa inteiramente nossa, pelo ocidente a maioria olha para estes países, sejam africanos, seja asiáticos,etc, com ar superior, tipo com quem ensina uma criança a comer à mesa sem sujar a tolha, enquanto isso nós com os cotovelos entornamos o copo de vinho na nossa mesa.

O que deveríamos à muito ter aprendido, é que convivência e ajuda a esses países é diferente de ingerência, mas parece que tem coisas que são difíceis de aprender...

Manuel Rocha disse...

" nós ocidentais não temos culpa do déficit de recursos deles..."

Alf:

Vamos branquear séculos de colonialismo ? E quanto aos recursos "deles": não os têm ou não lhes pertencem ?

Tiago:

Eu acho que "essas coisas" não são díficeis de aprender. Acho até que estão bem sabidas. A questão é se interessa passar à prática. Enquanto eles tiverem recursos que nós não temos e queremos, duvido !
Veja o caso de Timor: foi preciso ter sido descoberto petróleo no dito mar para toda a gente com a Austrália à frente se lembrar que a coisa poderia estar mal resolvida.

Mas vamos ao que interessa: promove-se um abaixo assinado para a entrega da taça ou não ?
:)

antonio ganhão disse...

Como diz aqui o Manuel a história é escrita pelos vencedores.

A frente de libertação da Mauritânia cancelou-nos o Dakar? Terroristas, lá nos lixaram o fim-de-semana!

Hoje o campo de batalha mudou de local. Hoje as batalhas travam-se no nosso comodismo, na nossa sala, alimentando os nossos receios. Diariamente na nossa sala explodem homens bombas e o sangue escorre. Somos vítimas não do terrorismo mas do nosso insaciável voyerismo.

O terrorismo não existe.

Quanto à culpa do ocidente, essa também não compro.

Tiago R Cardoso disse...

Então a culpa é de quem ?

Por acaso, só por acaso é que não vi ali um Árabe no terreno ao lado a tirar petróleo, nem a vender armas ao meu vizinho para ele invadir a minha casa.

Alvorada disse...

De facto !

Que "inconveniente" !

( risos )

Também me confunde como é que se podem ler os últimos cinco séculos de história e concluir a ausência de culpas do ocidente no estado do mundo.

Apoio a "entrega da taça". Não aplaudirei ( óbvio ) mas estarei lá.

antonio ganhão disse...

Os árabes financiam o Bush e as empresas de armamento americanas, eles são so maiores investidores e não é só em LA que eles investem...

Anónimo disse...

Alguns comentadores só podem estar a brincar.
Designar por "os árabes" esses senhores é o mesmo que designar por "os portugueses" o senhor Berardo ou por "os angolanos" o senhor José Eduardo!
Tenham paciência ! Eles são tão ou mais ocidentais que nós ! Olhem para os respectivos curriculuns e vejam onde se formaram. Nos seus países têm a enorme vantagem de se assumirem como testas de ponte do neo-colonialismo assumindo a troco das conhecidas compensações os custos que ocidente politicamente correcto descartou com o fim do colonialismo oficial - hoje é oficioso e feito por interpostas pessoas. Aquelas.

Gostei da lucidez do autor. Subscrevo.

Luis Senna

Unknown disse...

Eu assino!

quintarantino disse...

Conforme havia dito, fiquei impressionado por assumir frontalmente aquilo que penso estar em curso e ainda vi poucos abordarem.
Não sei se por culpa do politicamente correcto, por conveniência de certas verdades ou mera preguiça.

O fenónemo do radicalismo islâmico que, convenientemente, Bin Laden tentou federar na sua Al-Qaeda (a base) constitui-se como um verdadeiro choque de civilizações.

As visões sociais, económicas e até da História que estão subjacentes a cada uma das opções são diametralmente opostas, embora cada uma delas assente numa tentativa de subjugar a outra.

Os países ocidentais, na sua maioria, aspiram a que se mantenha o acesso mais ou menos fácil ao petróleo e outras fontes energéticas, mercados disponíveis para receber novos investimentos ou os fazer na Europa e EUA; a questão de levar a democracia aos países islâmicos é um argumento esgrimido em ocasiões mais convenientes e que também é oportunamente esquecido.

Alguns dos "neo-cons" asseveravam, partindo aliás da célebre teoria do dominó que Kissinger usou para justificar certas batalhas contra o comunismo e ditaduras amigas, que com o derrube de Saddam no Iraque, a democracia se espalharia por ali fora. Nunca disseram bem se a Arábia Saudita estava incluída no pacote ou se era apenas para valer em relação ao Irão e Síria, grandes potenciais regionais que hostilizam abertamente os EUA e o seu grande aliado local: Israel.

Da parte dos radicais islamitas n~
ao há que saber: os seus teóricos defendem a reconstituição do Califado que, importa recordar, chegou a abranger a Península Ibérica.
Logo, quem acha que estamos esquecidos neste canto do Mundo seria bom que pensasse duas vezes.

Quanto às culpas ou não culpas do Ocidente, admitam-se e avancemos.
Aliás, elas persistem só que agora já nem é bem o Ocidente, sendo antes o capital escondido atrás das grandes multinacionais e que misturam convenientemente capitais e accionistas vindos de todo o mundo.

Bin Laden, a família, negociou e há quem assevere que ainda negociea abundantemente com a família Bush. É um dos exemplos que se poderiam apontar.

O Manuel Rocha fala ainda noutra questão que o Alf, depois, tenta asseverar que resulta apenas dos números da Demografia (se bem entendi). A saber, eles são muitos (dá o caso dos palestinianos) e nós poucos. E sendo poucos, também gostamos de fruir da sociedade da abundância.

É possível. Inclino-me mais para a tese dos que defendem que o comodismo de anos de uma vida embalada na facilidade de consumo, por exemplo, nos tornaram amorfos. Note-se que hoje em dia uma batalha tem de ser quase asséptica. A morte de um soldado sempre foi lamentável, mas antigamente perdiam-se milhares de combatentes e a opinião pública (sendo a causa justa) podia não rejubilar mas mantinha o apoio à causa; hoje, penso que mesmo tendo o inimigo à porta de casa existirão sempre os que se baterão que é preferível negociar. No limite, negociar uma rendição honrosa.

O exemplo dos talibã no Afeganistão deveria ser suficientemente elucidativo para se perceber que há gente com quem não se negoceia. Inspirados e municiados pela CIA, deram provas que com eles ou se resiste e se vence ou se morre. Não há meio termo.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

A sua conclusão é fabulosa:
"Perante este panorama, sou levado a concluir que os últimos genes guerreiros do ocidente devem ter-se extinto nos campos de batalha das duas últimas grandes guerras. Reproduziram-se os outros - os medrosos - que para travarem as suas guerras recrutam mercenários."
Aquilo a que Konrad Lorenz chamou domesticação: os "homens domésticos", com problemas de obesidade! O meu "homem metabolicamente reduzido": muito pouco corajoso, muito medroso.
A filosofia apresenta textos fabulosos sobre o Islão e, contudo, os nossos dirigentes desconhecem-nos, tal é a sua terrível ignorância. :)

Manuel Rocha disse...

Quint:

Obrigado pelo magnifico "post" complementar!
:))
Posso subscrever ?


Luis:

Há de facto alguns comentadores que são grandes brincalhões, não podemos levá-los demasiado a sério.
:))

Francisco:

O Senhor dos gansos já sabia do que falava :)
Quanto ao seu "homenzinho" repare que apesar de medroso é muito opinativo. E discordo quanto à coragem - a verbal é "fabulástica"!
:)
É verdade que os nossos dirigentes desconhecem muita coisa, mas olhe que nos otros, los dirigidos, não estamos muito melhor...:)

quintarantino disse...

Manuel, desculpa ter abusado...
Quanto à taça, não se pode marcar um duelo ao pôr-do-sol?

Tiago R Cardoso disse...

A sério, não sabia eu que era tão brincalhão...

Presumo qua tirada da brincadeira era me dirigia, espero que o Sr. Luís Senna tenha um dia a oportunidade de perguntar a um terrorista árabe (foi o exemplo que avancei, como poderia ter avançado com outros, atenção que não classifico milhões de pessoas pelo acto de alguns), se ele se considera ocidental.

Eu até me poderia ter formado na China, ter aprendido com eles tudo o que sei, mas isso nunca significaria que eu era chinês.

Mas o amigo Manuel tem razão, está na altura de entregar a taça e seguir para a próxima etapa.

Anónimo disse...

Nada disso, Sr Tiago, nada disso!
Com a sua posição não tenho qualquer desacordo, como de resto pode ver relendo o que escrevi.
Além disso acho que o comentário do Sr Quintarantino é óptimo complemento. É como diz, há pouco quem assuma.

Luis Senna

antonio ganhão disse...

Morrem mais crianças de fome em África do que por causa do terrorismo. A morte dessas crianças, parecem-me não me incomodar tanto quanto as resultantes de um qualquer acto suicida.

Permaneço indiferente à morte no Darfur, mas vou aos arames quando se trata do Iraque.

Sorte macaca que a fome não tenha negócios privados com a família Bush.

Amigo Luís tem razão, só podem estar a brincar.