Dou sequência ao post anterior para concretizar as minhas reservas à expansão do projecto Escola na Natureza ( pelo menos ao que dele consegui apurar ) promovido pelo ICNB.
A primeira reserva que coloco é que este projecto não me parece que esteja articulado com projectos de educação ambiental (EA) que estejam em curso nas escolas. Por uma razão simples: estes projectos não existem ou estão longe de adquirir uma estrutura conceptual e metodológica consolidada !
As iniciativas ditas de EA que se encontram, são por isso somatórios de eventos associados a generalidades ( reciclagem, aquecimento global, furo no ozono, alterações climáticas…) e não parte integrante de um conceito estruturado . Por isso elas não acontecem com a naturalidade com que a EA deveria estar presente no ensino como preocupação transversal e multidisciplinar.
Logo, se a louvável intenção de apoio logístico do ICNB tivesse por interlocutores projectos escolares de EA devidamente estruturados e em curso, em cujo processo fosse objectivamente relevante a visita a uma Àrea Protegida ( AP ), nada teria a dizer. Na falta deles arrisca-se, a meu ver, a potenciar iniciativas que as escolas contabilizarão como “projectos de EA”realizados, mas cujo processo será a preparação logística da “visita” e o produto, a “visita”. Quando muito, o professor carola de serviço produzirá e fará editar o respectivo “caderno de viagem”.
As iniciativas ditas de EA que se encontram, são por isso somatórios de eventos associados a generalidades ( reciclagem, aquecimento global, furo no ozono, alterações climáticas…) e não parte integrante de um conceito estruturado . Por isso elas não acontecem com a naturalidade com que a EA deveria estar presente no ensino como preocupação transversal e multidisciplinar.
Logo, se a louvável intenção de apoio logístico do ICNB tivesse por interlocutores projectos escolares de EA devidamente estruturados e em curso, em cujo processo fosse objectivamente relevante a visita a uma Àrea Protegida ( AP ), nada teria a dizer. Na falta deles arrisca-se, a meu ver, a potenciar iniciativas que as escolas contabilizarão como “projectos de EA”realizados, mas cujo processo será a preparação logística da “visita” e o produto, a “visita”. Quando muito, o professor carola de serviço produzirá e fará editar o respectivo “caderno de viagem”.
O segundo aspecto que me merece reserva, é constatar que o ICNB acredita que antes e depois, o “dia V” será um acontecimento marcante para os que nele participarem. Marcante, concedo. Ambientalmente marcante, duvido.
Duvido desde logo porque da fase experimental não encontrei relatórios de avaliação com incidência nesse aspecto, e em seguida porque não me parece que na estrutura do ensino haja professores qualificados em quantidade suficiente para fazer uma abordagem curricular do ambiente que se demarque dos lugares comuns de alguns panfletos conservacionistas e do filme do Senhor Al Gore. Apareçam professores capazes de fazer uma aula sobre ambiente a pretexto do giz com que escreve no quadro ou do parafuso que prende o quadro à parede, ou da chamaerops humilis que cresce nos descampados das traseiras da escola, que retiro na hora o que acabo de escrever e irei de bom grado a pé até Fátima como auto-penitência.
A terceira reserva tem a ver com o repisar do erro de que tudo o que de educação compete à sociedade terá que passar pela escola.
De instituição de ensino, a escola fez o respectivo “up-grade” para infantário, pai, mãe, família, restaurante, sexodromo, vizinhos, sociedade ….e agora também a promotora de viagens à natureza! Bem…com tantos afazeres , alguma coisa terá que sobrar ou ficar menos bem feita, como se tem visto à saciedade.
A meu ver, todas as actividades não rotineiras que a escola possa promover serão uma mais valia educativa se e apenas se enquadradas numa rotina subliminar de objectivos pedagógicos bem estabelecida . Existe ?É que se não existe receio que fiquemos apenas com um saco de eventos sem carácter aglutinador. O activismo pode ser tão “bonito” quanto inconsequente, e neste caso pode redundar num brilhante estilhaçar de recursos.
A meu ver, todas as actividades não rotineiras que a escola possa promover serão uma mais valia educativa se e apenas se enquadradas numa rotina subliminar de objectivos pedagógicos bem estabelecida . Existe ?É que se não existe receio que fiquemos apenas com um saco de eventos sem carácter aglutinador. O activismo pode ser tão “bonito” quanto inconsequente, e neste caso pode redundar num brilhante estilhaçar de recursos.
A quarta e última questão é que este tipo de happenings ( estadia em AP ) podem facilmente agravar no espírito da cidadania uma dicotomia já existente que considero deformadora. A ela já me referi noutras ocasiões, mas creio que vale a pena recapitular.
Se procurarmos os denominadores comuns à ideia que se tem de ambiente, é provável que encontremos uma sólida concentração de noções em redor de conceitos do que se passa no “exterior” e sempre que possível em contexto “não urbano”. O “natural” afirma-se pois como cerne do conceito de “ambiente”, por oposição ao que é fabricado pelo humano, e isto é uma deriva terrível.
Terrível porque faz com que fique cada vez mais fora de questão para a maioria dos educadores, que a ligação prática ao ambiente possa ser tratada em contexto doméstico ou escolar. Sendo estes considerados “ambientes não naturais”, a prática da EA em meio escolar tende a reivindicar equipamento especifico, “natural”, como material didáctico: um parque temático, uma quinta pedagógica, um oceanário , uma AP, whatever , a que muito prosaicamente se tende a chamar “equipamentos de EA” e sobre os quais decorrem, até, teses de doutoramento.
Consequentemente, fabrica-se “natureza” para criar… oferta de natural e promover o consumo de massas da natureza.
É o caso!
E é dos contactos esporádicos e em massa com estes produtos naturais-artificiais que se espera que resulte o quê? Propensão conservacionista travestida de higiene pública( “ ponho o vidro no vidrão e o papel no papelão para ajudar o ambiente ?”)? Propensão reformista em nome duma eficiência energética mais amiga do ambiente ( “vamos mandar para reciclagem 1 M de frigoríficos em bom estado porque os novinhos A+ ou A++ são mais amigos dos passarinhos ?”) ? Apetência para consumir mais natural , que é bom ? Que tipos de natural ? Linho ou algodão ? Couro ou lã? Água das Caldas ou de Evian ? Paisagem ou paisagem protegida ? E porque é que umas são protegidas e as outras nem por isso ? E porque é que os cidadãos que vivem nas protegidas são discriminados e tratados como cidadãos de segunda? Também é natural ? Ou esse aspecto passa à margem do programa da visita?
É na (re)construção destas questões com as quais convivemos diariamente e muitas vezes de forma perfeitamente alienada , que se faz EA. Só o desenvolvimento duma consciência critica materializável no quotidiano ( e não em investidas pontuais, esporádicas à “natureza”) pode conduzir a melhores práticas duradouras de gestão de recursos e de interacção com o outro.
Por isso, as preocupações ambientais devem ser parte integrante das politicas, e não politicas dispersas por instituições que conduzem a duplicações de processos e à consolidação de um novo tipo de burocracia ambiental. Da mesma forma que todo o território é um bem patrimonial a cuidar e a gerir, a EA deve constituir-se como um todo de valores que se respirem com naturalidade na escola ou fora dela.
Assim o ICNB tenha capacidade para explicar isto aos professores que têm a boa vontade necessária para fazer EA nas escolas e potenciará bem melhor os seus recursos. Sugestões ? Com todo o gosto: proponha protocolos de colaboração às DRE e aos Centros de Formação Regionais ( sempre ávidos de bons projectos )e disponibilizem-se formadores de ambiente capazes de ir além da abordagem do tema sob o importante mas insuficiente ponto de vista da biologia conservacionista. Importa que se tenha presente que os programas proteccionistas e conservacionistas de que as AP são símbolo, são o remendo possível na recusa de bem ordenar e bem gerir território e recursos. Resolvesse-se isso e não teríamos que (re)fazer campanhas( infrutíferas ) para salvar o lince e a serra da Malcata.
Em conclusão, as minhas reservas ao projecto "Escola na Natureza" nada têm a ver com “não querer que as pessoas não tenham oportunidades”, mas de querer que essas oportunidades não descambem no cultivo de mera irrelevância quantitativa por falta de enquadramento qualitativo e de melhores ideias para a prática da EA em contexto escolar. Caso contrário, o relatório dirá que 130.000 estiveram três dias em AP’s. Pois sim , com certeza! Mas com que resultados ?
Obviamente as reservas que expus não obstam o meu sincero desejo de que a iniciativa seja um êxito retumbante. Nesse caso, e para que o resultado final possa ser justamente aplaudido, conviria que a avaliação que venha a ser feita não se limite a verificar o sucesso da organização logistica. Num porcesso destes, importam resultados medidos ao nivel de conhecimentos e atitudes ambientais estabelecidas como objectivo. Se não existirem, a etiqueta de "animação" que lhe possa vir a ser colocada será perfeitamente merecida.