sexta-feira, 28 de março de 2008

O Que é Natural é Bom !


Espero que os autores do slogan que serve de mote a este post não me processem por abuso de propriedade intelectual. A verdade é que não resisti a recorrer ao comercial que já nem sei a que respeitava, porque diz soberbamente o que se vai passando na área do ambiente.

De há uns tempos a esta parte cada vez mais pessoas têm vindo a descobrir que o ambiente como “marca” é uma oportunidade de negócio muito interessante, e o cluster tem-se consolidado em redor do que é “verde”, “bio”,” eco”, “natural”, “sustentável”.

Era de esperar que isso pudesse acontecer, pois o potencial do “ambiente” enquanto ideia de fácil adesão, fez dele um produto de consumo apetecível , e por isso facilmente apropriável pela lógica inerente ao sistema capitalista .No entanto o ambiente não é uma produto de consumo, mas a condição e o resultado das nossas interacções com o meio e com o outro.

Apesar disso o ambiente institucionalizou-se. Gostaria de dizer que ainda bem que se institucionalizou, porque isso deixaria supor que o ambiente constitui uma preocupação politica central do nosso modelo social. Confesso que me fica a dúvida se esse processo não decorreu das mesmas razões que têm feito do ambiente um produto de consumo, uma vez que para os partidos tudo quanto seja de fácil adesão pública também tem elevado potencial politico. Mas, ainda que se coloque de parte essa questão, sobra a de se perceber como se institucionalizou o ambiente.

De facto, quando se olha para as instituições a que as preocupações ( ?) ambientais deram origem e para a natureza da sua actividade, percebe-se que o ambiente é ( ainda ) um assunto de conteúdo demasiado difuso, o que contrasta com o peso institucional que já representa. A verdade é que se trata de uma área mal delimitada apesar dos anos que já leva na agenda politica . As dificuldades formais em estabelecer fronteiras entre o que é do ambiente e o que não é , são óbvias. Elas observam-se nos planos curriculares que pretendem formar Engenheiros do Ambiente, na escolha das perguntas para os questionários das “Olimpiadas do Ambiente”, nas sobreposições e conflitos de competências dentro da administração pública central, regional e local, vêm a público em situações como nas obras dos “diques” da Caparica, na aprovação de PIN’s,n a gestão municipal em áreas “protegidas” , etc.

Dou de barato que são indecisões naturais num processo em maturação lenta. No entanto essa natureza difusa das fronteiras do que é ambiental, tem dado origem a especialidades, objectos e produtos ambientais , que naturalmente entram em conflito com áreas de competência de outras instituições pré-existentes. Para minorar esses atritos tem-se feito o habitual: cria-se legislação e uma burocracia para a administrar.

Assim, além de produto de consumo e campo ideal para a prática de activismos vários, o ambiente já é também uma burocracia. Não necessariamente uma burocracia criada para gerir uma agenda própria, mas sobretudo para gerir os danos reais ou eventuais das restantes.

Até aqui ainda chego, apoiado na mesma atenuante da “imaturidade” politica da governança, pois numa situação de maturidade politica, as preocupações relativas à sustentabilidade das interacções com o meio e à equidade nas interacções com o outro, deveriam constituir uma presença constante e transversal a todos os sectores da sociedade.

Onde já não consigo acompanhar é na suposição de que este eventual desiderato se obtenha pela criação de novas burocracias institucionais para…promover o consumo de natureza!

No entanto, é o que se passa !

Sob a responsabilidade do Dr Henrique Pereira dos Santos, o ICNB pretende levar 130.000 gaiatos ( estimativa da população no oitavo ano de escolaridade ) a passar trés dias e duas noites nos Parques naturais, no âmbito de um ambicioso projecto que julgo chamar-se “Escola na Natureza”.

Como a "plateia" aplaudiu em pé e eu permaneci desanimadamente sentado, terei que me justificar. É justo! Mas para isso este post não chega…

12 comentários:

Fernando Dias disse...

Pois é Manuel, parece que estamos a ver tudo de pernas para o ar. Não é por acaso que o Instituto Max Planck inaugurou no passado dia 3 de Março em Berlim uma estátua de Giordano Bruno de pernas para o ar.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Eis o problema: Institucionalização e burocratização do "ambiente". Concordo com a sua perspectiva e, de facto, a crítica deverá incidir sobre as "linguagens burocráticas" do ambiente. Ou seja, há por aí uma "escola" de "gestores e administradores" que reduzem o conhecimento a "receitas". Carecem de ideias, conceitos, linguagens da verdade. "Gerem" o ambiente e as pessoas da mesma maneira, como se fossem meros números manipulados por um "cálculo viciado". Por isso, as coisas estão como estão...
Bom post...

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

De facto, o título que escolheu, um velho slogan publicitário já nosso conhecido, revela tudo: a comercialização do ambiente, isto é, a sua gestão lucrativa para as empresas... O natural para eles é a natureza lucrativa... do ambiente...

Anónimo disse...

Compreendo perfeitamente que não tenha aplaudido. Eu também não o farei enquanto não souber qual a efectiva capacidade de as escolas ultrapassarem no âmbito desta iniciativa a estafada concepção das tradicionais visitas de estudo.
No mais, realço a oportuna chamada de atenção que faz para esta espécie de poder paralelo que se tem desenvolvido a pretexto das legitimas preocupações ambientais.

Cumprimentos.

P Trigo Pereira

Anónimo disse...

Manuel,

Quero dizer que me parece justo que se justifique, e bem, porque não me parece justo que não aplauda a iniciativa.
Repare que para muitos alunos é uma oportunidade rara de contactarem com esses espaços protegidos.

Matilde

Anónimo disse...

Como professora estou à vontade para dizer que muitas vezes tendemos a complicar o que até não tem grande dificuldade. Com a colaboração de um colega, não há qualquer dificuldade em tomar um comboio ou um autocarro das carreiras regulares e fazer com os alunos saidas de rotina para aulas no exterior que se enquadrem num projecto pedagógico. Mais complicado por vezes é organizar um evento fora da rotina, como seria o caso...mas não me quero antecipar e fico a aguardar pela continuação.

Florbela

Anónimo disse...

Como mãe, considero deplorável que a sociedade dê por adquirido que os pais se demitiram dessa obrigação inalienável de educar os seus filhos, ao ponto de ter de gisar formas de substitui-los na criação de condições para que contactem com o ambiente não urbano.

Florbela

antonio ganhão disse...

Falta uma cerificação para produtos amigos do ambiente, bio, verde e sustentáveis!

Manuel a resposta às agendas autónomas já lá está.

Tiago R Cardoso disse...

Manuel,
primeiro um pedido de desculpas pela ausência, passado um ano de recuperação voltei ao trabalho, o tempo está curto.

Então não gosta de modas, são fixes, eu goto dá prestigio e falar e dizer-se ambientalista, para alguns, é sinal de modernidade e estar na onda das coisas.

Deixa estar, que sejam todos ambientalistas, que queiram andar usar o ambiente como slogan, que burocratizem , pelo menos serve para falar sobre o assunto.

Evidente que os grandes tubarões dizem-se verdes numa de tirar dali alguma coisa, tem como vantagem de ao menos despertar a consciência do cidadão.

Anónimo disse...

Pensar apenas em ambiente, no sentido de algo pristino, sem intervenção nem presença humana não me faz sentido.
O ambiente é efectivamente para ser consumido, no sentido de usufruido. Como se refere, fazemos parte do mesmo!
A problemática ambiental vem do fato de, "de repente" as alterações estavam a ser muito rápidas, francamente más para uma ideia de ambiente "puro", sem poluição, e de difícil/demorada recuperação, etc.
Deveria ter bastado o bom senso - a nível urbanístico, responsabilidade "social" das fábricas e da população em geral para que não fosse necessário legislar tudo e mais alguma coisa. Temos de andar desconfiados das boas acções dos governos em geral e podemos ter a certeza absoluta que se mandar a bola para o nível pessoal sai pior a emenda que o soneto.

Outras causas para a emergência (da necessidade de salvação) do ambiente: o boom populacional devido às melhorias na saúde; o aumento da riqueza, que levou à procura de mais riqueza passando por cima de "boas práticas", e a visibilidade dada pelos media.

As situações serão pontualmente críticas, mas para uma melhor apreensão da realidade é preciso levar as pessoas a ver os cheiros. Tanto para bons como para maus exemplos mais ou menos representativos.
Ir a centros de interpretação da natureza e ver dentro de 4 paredes, em ecrã panorãmicos filmes da National Geographic, apresentações em PowerPoint ou similar é uma oportunidade de negócio. É mesmo preciso arrastar com os pés pelo fumo/lixo/esgotos/etc que se encontram espalhados num lugar não muito longe de si.

E, já agora, convém saber minimamente do que se está a falar quando a "turba" vai às manifestações por causa da queima de Resíduos Industriais Perigosos, se preocupa com a possibilidade do mar subir X metros ou qualquer outra causa mais ou menos difusa e na agenda mediática.
O problema está na formação e, talvez, no filtro das informações que lhe são fornecidas.

Manuel Rocha disse...

Caros comentadores:

Antes de mais permitam-me uma palavra de especial apreço pelo regresso do F Dias a estas lides: seja bem vindo que já lhe tinhamos dado pela falta!:)

Os restantes contributos são excelentes sublinhados às teses que venho defendendo, no sentido de que temos aqui matéria para ser (re)pensada.


Uma palavra em particular à Matilde para dizer que os comentários da Florbela ( que agradeço ) já seriam uma optima justificação para não ter aplaudido a iniciativa, mas vou tentar acrescentar-lhes alguns mais.


Deixo um desafio ao Osvaldo: faça um post com a tese com que conclui o seu comentário que terei o maior gosto em publicá-la neste espaço.


Francisco,

Estamos de acordo...:) aquele slogan para ilustrar esta arenga era incontornável !:)

Preciso de sugestões para o titulo do post de conclusão sobre o projecto "escola na natureza"...dou alvissaras !!

alf disse...

ora cá vem o chato..atrasado é claro, mas a minha vida vai melhorar em Abril...

Concordo com tudo... excepto com a discordância desta iniciativa

POrquê?

Tou-me a arriscar - a discordar antes de ler o seu post explicativo. Mas eu sou mesmo, gosto d eme arriscar a dizer asneira porque é assim pelo caminho da asneira que lá vou aprendendo qq coisita.

Neste mundo só há lugar para o que é útil ao Homem. Se não comessemos as vacas, elas só existiriam nalguns jardins zoológicos e nas ruas da India; se as senhoras não usassem peles de marta, se calhar as martas já estavam extintas; se usassem pele de lince, o lince não estaria extinto em Portugal.


Portanto, tudo o que existe tem de ter um autilidade, goste-se ou não da ideia.

Queremos ter parques naturais? Ah, então é preciso torná-los rentáveis. Como? Por exemplo, fomentando um turismo de parques naturais.

Levar os miudos a parques naturais tem esse interesse e não só: os miudos de hoje vivem no mundo dos gadjes e jogos, é preciso mostrar-lhes outro mundo porque nesse eles nem encontram a felicidade nem o equilíbrio.

... ontem estive no parque de campismo de Monsanto onde uns pais alugaram dois bungalows para o filho que fazia 12 anos e amigos passarem o fim-de-semana... um fim de semana sem tv nem jogos de computador que os gaiatos adoraram...