quinta-feira, 13 de março de 2008

Energia na Balança

O Ministério da Economia colocou há dias em discussão pública o “Plano Nacional de acção para a eficiência energética”.

Desde então tenho andado em cabeçadas intermitentes com o dito na tentativa de conseguir exercer a minha condição de público. Não é fácil. Não pela forma como o Plano é apresentado. De facto, ele está bem construído e é de fácil consulta. Inclui metas quantificadas e temporalizadas, coisa sempre boa de se ver em planeamento, e as medidas que preconiza são coerentes entre si . O problema são as premissas em que se apoia, cuja valia não explicita e que não se conseguem desmontar completamente com a informação ( in)disponibilizada.

Apesar de o Sr Carlos Pimenta já ter saído à praça em defesa do mérito da iniciativa ( Expresso de há duas semanas…), dispensando assim da leitura do Plano muitas opiniões que preferem simplificar a vida alinhando pelo respectivo "verde-alface" de referência, julgo haver questões em aberto que merecem alguma reflexão com a ajuda da literacia energética possível.

O objectivo quantitativo do Plano é a poupança até 2015 de 10% do consumo Nacional de energia, e com isso espera conseguir reduzir em 1% ao ano o crescimento previsto da factura energética. O argumento justificativo do Plano não remete para questões de valoração absoluta da estrutura qualitativa ou quantitativa do consumo Nacional. Essa valoração é relativizada por referência à “intensidade energética” ( consumo de energia/ Milhão de PIB ) média da EU a 27, com a qual assume a necessidade de convergir num valor que é actualmente situado em cerca de 120 tep / milhão do PIB.

Ou seja, o paradigma “intensidade energética média” da EU a 27 é tido como correspondendo à estrutura ideal de consumo de energia, mas não se explica porquê. Também não se refere que o consumo bruto de energia não possa aumentar. Mas deixa-se entender claramente que nisso não se vê inconveniente desde que decorra em linha com o crescimento do PIB.

O Plano, embora omisso sobre a politica a seguir caso o valor de referência se altere, propõe um programa de 12 medidas para realizar essa convergência. Essas medidas alinham maioritariamente pelo lado da melhoria da eficiência do consumo. Incidem no transporte, uso doméstico e serviços. Começo por partilhar algumas reflexões que me suscitaram algumas delas.

- Redução em 20% de veículos ligeiros com mais de dez anos em circulação. Sabe-se, portanto, que a circulação desses veículos tem um peso efectivo considerável no consumo final de energia do subsector dos transportes ?! Já agora: qual o seu destino após a troca por novos mais eficientes ? África ou reciclagem ? No caso desta, o custo energético da reciclagem do velho, acrescido ao custo energético do novo, é inferior ao acréscimo de consumo que implicaria a manutenção do velho em circulação durante o remanescente da sua vida útil ?

- Transferência modal de 5% do transporte individual para colectivo. Só ?! Quer dizer que por cada milhão de automóveis que entram diariamente nas grandes cidades se considera satisfatório reduzir a entrada a 50.000 ?!

- Renovação de 1 Milhão de grandes electrodomésticos: pressupõe-se inútil qualquer tentativa de rever o consumo em função da irracionalidade de se ter o frigorifico ligado 24 horas por dia durante 365 dias por ano ?! É instituído um “prémio”para a troca ( premio à reciclagem, de 50 ou 100 €): deve supor-se que o custo energético da reciclagem do velho, mais o custo de produção do novo e o respectivo consumo, corresponderiam a um encargo energético final inferior ao que seria de esperar se o velho se mantivesse em funcionamento até ao fim da sua vida útil ?!

- Calor verde – Instalação de 200.000 recuperadores de calor a biomassa, ou seja, a lenha ou sucedâneo. Mas onde ? Em Lisboa ? Com lenha vinda de Portalegre ? Um litro de gasolina ( 10.000 kcal ) na motoserra permite cortar cerca de 30 kg de lenha de sobro. Se lhe juntarmos o custo energético do transporte e distribuição, quantas kcals teria que debitar a lenha por kilo para assegurar a eficiência desta solução ? Não é com lenha mas com biomassa em geral ? Então e as centrais térmicas de biomassa e de cogeração em funcionamento ou projectadas, vão queimar o quê ?

- Substituição de caixilharia convencional por eficiente em 200.000 fogos. De novo a mesma questão: os custos energéticos da retirada e reciclagem do velho, adicionados aos custos energéticos de produção e colocação do novo, são inferiores ao diferencial de consumo previsível para a vida útil remanescente do velho ?

Existem pois nestas medidas algumas indicações que me levam a duvidar se estamos perante um panorama de poupança de energia. Percebe-se, sim, que estão na calha iniciativas que correspondem a consideráveis acréscimos de produção e consumo. No médio prazo terão resultados numa diminuição do consumo energético equiparado. Óbvio. Mas o processo assim preconizado terá uma efectiva mais valia energética? Ou garante apenas a convergência com a “intensidade energética média” dos 27 por via do crescimento do PIB que irá induzir ? Será por isso que já se congratula a comunidade verde-capitalista ?


Voltaremos ao tema !

15 comentários:

alf disse...

Há um novo modelo da BMW que é bestialmente ecológico. Para auemntar a potência do seu motor diesel de 2l, tem um motor eléctrico associado.

Como se faz nos carros de tecnologia híbrida, que não é o caso deste, aqui o motor eléctrico exite para dar uma resposta instantanea de potencia que o diesel não é capaz, o motor eléctrico também serve de gerador nas travagens.

Então a publicidade feita a este carro de mais de 200 cv de potência é que ele é ecológico porque tem um gerador eléctrico que aproveita a energia das travagens... (que deve ser muita, parar um carrão daqueles que atinge velocidades daquelas...)


Ahh, e ainda tem a opção de ser fornecido com um painel solar no tecto...

Tudo isto se resolvia sabe como? Se o petróleo fosse muito mais caro!

(já estou a ver a reacção das pessoas: masi caro? não pode ser, não temso dinheiro para isso! Porque a ninguém ocorre gastar menos, isso não é opção...)

Claro que há um inconveniente... se o bio combustível fica mais caro que o alimento,lá vai tudo cultivar cana de açucar e soja...

Todas as casas novas já são obrigadas a ter isolamento térmico adequado. O abate de carros usados é apenas um convite ao aumento de consumo. Manter um carro em média 8 anos é muito mais económico do que manter 4; não interessa é à indústria automóvel.

Obrigado pelo post.

Anónimo disse...

Questões pertinentes de elevada actualidade para o planeamento energético. Correspondem a problemas de estimativa dificeis de equacionar. Concordo, contudo, que é no seu saldo final que se mede a mais valia energética do plano preconizado. Concordo, também, que o planeamento feito em função de um indicador de natureza flutuante tem reduzido valor estruturante no (re)desenho do perfil do consumo.

Cumprimentos.

Trigo Pereira

Manuel Rocha disse...

Alf,
Exacto.
A minha vizinha Ámélia tem uma 4L de 1988. Tem 33.000 km. Usa-a para ir às compras ou à missa, num percurso casa-vila,ida e volta, que totaliza 15 km e que raramente é feito mais que uma vez por semana.
É com a penalização deste tipo de uso e de carros "velhos" que estamos a pensar resolver o problema da energia ? Sabe-se efectivamente qual o significado agregado da circulação de ligeiros com mais de dez anos ? Ou estamos a dar resposta ao loby da indústria e comércio automóvel que anda fartinho de se queixar com a recessão do mercado ?


Trigo Pereira,

Também tenho dúvidas de que para além de finalmente introduzir a questão da eficiência energética no planeamento, este plano apresente mais valias estruturais.


Obrigado a ambos eplos comentários.

Blondewithaphd disse...

Eu dúvidas tenho e muitas, a começar pela mais egoísta de todas: e o quais são as mais-valias de todas essas medidas para mim?
1. Sem transportes públicos como faço os 50kms (100 na ida e volta) de casa ao emprego? Preciso de um carro potente (obviamente gastador, logo poluente) para evitar o desgaste rápido, qual a solução para deixá-lo em casa e ser um dos 50.000 automobilistas que deixam de levar viatura para a cidade.
2. Pensei pôr painéis solares na minha casa, que os não tem de raiz. Não falando das obras necessárias e os incómodos próprios, o equipamento amortizava-se ao fim de 26 anos (estudo da DeCo). Dá que pensar, não dá?

Manuel Rocha disse...

Blonde,

Esta é de facto uma àrea muito árida para uns e muito frondosa para outros.

Somos todos verdes mas há sempre uns melhor regados que outros que ficam com um verde muito mais lustroso.

Nada de novo até aí.De resto são só dúvidas !Estou a alinhavar mais algumas para juntar às suas...:))

Mariano Feio disse...

Amigo Manuel Rocha, vejo que continua em forma e de navalha afiada! Eheh ! Você nãos lhes dá descanso e faz bem ! Realmente esta ideia das trocas à pressa é das tais que não lembram ao diabo ! É como diz: os novos equipamentos até podem gastar menos, mas para os produzir não se gasta energia e não se polui ? Olha que coisa ! Eu faço ideia dos telefonemas e dos e.mail que já devem andar aí de um lado para o outro a fazer "consultas so mercado" para se irem pondo a jeito para esta nova oportunidade, como diz o nosso amigo americano! Ehehe ! Chegue-lhes que eles merecem !

antonio ganhão disse...

Gostei da opção do painel solar no tecto...

Mas Manuel, tanta dor? O que os homens colocam nos pratos da balança sempre me levantou fortes suspeitas... os políticos, esses, só usam balanças cuja escala eles próprios regulamentam!

Existe algo de surrealismo poético na proposta da BMW, teremos nós a capacidade para rirmos de nós próprios sobre estes assuntos sérios?

Tiago R Cardoso disse...

Muito bem, grandes duvidas, um texto a explicar e defender que a colocação em prática de certas medidas gastariam mais energia do que a que se pretende poupar, finalizando com o pessoal todo de acordo.

Concordo no que tem vindo a defender, ao tentar sermos ecológicos, defensores do ambiente, estamos a ir por caminhos e soluções que prejudicam mais do que salvam, quer dizer uma boa parte delas.

A perspectiva da troca do automóvel, mesmo ele estando em condições vai depender,é que essa historia de ele estar em condições tem muito que se lhe diga.

O que é o em condições ?
Não faz barulhos ?
Não tem avarias ?
Só muda o oleo e filtros ?
E mesmo estando em condições, não seram essas condições más para o estado actual?

Não considero que um automóvel com 10 anos, a gasóleo, sem a mínima tecnologia de protecção ambiental, ou seja catalisadores, etc,mesmo não tendo nenhum problema e estando "impecável", possa ser considerado mais vantajoso do que um novo.

O objectivo deveria ser a eliminação de toda essa sucata "em bom estado" que anda por ai, que todos os dias serve para andar 5 kms ou ir comprar o jornal a 100 metros.

O investimento deveria ser no transporte publico, numa rede capaz e funcional. Penalizar de quem quer levar o carro para dentro do escritório, quem acha que andar de automóvel dá estatuto.

Eu volto já...

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Bem, não podemos exigir ao governo planos perfeitos. Sempre é melhor ter um plano de eficiência energética do que não ter nenhum. além disso, tudo pode ser aperfeiçoado.
Quanto ao problema de fundo que aqui transpira, o capitalismo deve ser talvez criticado pelas "pessoas" que produz e, se assim for, a crítica deve visar as próprias pessoas e exigir a sua "transformação". Quase todos se desculpam, de modo a justificar o seu comodismo, mas ninguém arrisca e faz alguma coisa para mudar. O capitalismo tardio "infantiliza" os seus "consumidores". Estes protestam e reivindicam "mais do mesmo". Com pessoas deste tipo só nos resta aguardar o "pior cenário". :(

Anónimo disse...

Bom,também tenho direito a propor medidas...

- Acabar com a iluminação nocturna em estabeleciemntos comerciais
- Acabar com a iluminação noctura, ponto (Ok talvez temporizada por detectores de presença ou muito reduzida em noites de luar).
- Fazer radiais a todas as vilas, cidades, etc, ou outros estrangulamentos que prejudicam o tráfego automóvel de passagem
- Obrigar a entrada no mercado de arrendamento de uns 500 mil casas devolutas para permitir a mobilidade emprego/casa a curta distância sem ter que atravessar o Tejo, p.e
- Liberalizar completamente o transporte publico por táxis - além de baixar os preços havia mais empregos e não haveria necessidade de deixar o carro a ocupar estacionamento
- Proibir totalmente o uso de aparelhos de ar condicionado (não de ventilação)

.....
.....

Manuel Rocha disse...

Mariano,

Seja bem aparecido! E não seja mauzinho que não há ninguém que não goste de uma "nova oportunidade"...:))

Blue,

Os cálculos até estão mais ou menos feitos. No caso de substituição de lâmpadas, caixilhos ou frigorificos seria sensato que as medidas fossem aplicadas num sistema de trocas em fim de vida útil durante um periodo qualquer, se o objectivo é mesmo o de poupar energia. A menos claro que já esteja resolvido que serão equipamentos importados e por isso não se tenha entendido que não se deve contar no balanço com a energia incorporada no fabrico!Bem...no meu tempo de liceu tive uma professora de geografia que entendia que não tinhamos nada que considerar o Volga o maior rio da Europa porque ao tempo não tinhamos relações diplomáticas com a URSS.
:))

António,

Essa da "dor" não percebi...:(
Você anda mesmo criativo...:)))

Tiago,

Eu percebo o seu ponto, mas que se diga claramente o que justifica a medida e deixemo-nos de disfarces de "poupança de energia", que diabo !!!
O Plano tb prevê medidas ao nivel dos transportes...mas é como vê...não são proporcionalmente tão ambiciosas.

Manuel Rocha disse...

Francisco,

Eu não exijo planos perfeitos, por Toutatis !!!

Mas se me querem mandar por estrada daqui até Praga, porque é que me estão a dar a carta rodoviária dos USA ?!

Está a ver onde quero chegar ?

Pois !

Fora isso, nada contra....até porque o público vai consensualizar facilmente com este Plano, uma vez que ele não introduz quaisquer ropturas...De facto, embora assuma que vai aumentar a pressão nas renováveis reconhece que não excederão os 30 % ( potência isntalada ) em 2015 !
Portanto, os 70 % restantes....

Pois !

Manuel Rocha disse...

Osvaldo,

Há também medidas previstas ao nivel do estado e administração local.
No caso das generosas iluminações públicas, não sei se se pensa na substituição da floresta de candeeiros novinhos em folha que têm andado a semear a eito, por outros também novinhos em folha mas com painéis fotovoltaicos incorporados...

Manuel Rocha disse...

Blue,

A resposta que te deixei tem um NÂO a mais...desculpa...:)

..." importados, e por isso se tenha entendido...."

antonio ganhão disse...

A dor de não mudar o mundo, a partir de uma acto tão natural como a pastorícia... existe muito de pastor, em quem quer ser seguido.