sábado, 15 de março de 2008

Big is Possible ?!


No post anterior deixei algumas notas à leitura do Plano Nacional de Acção para a Eficiência Energética . Delas retirei como facto positivo e elemento inovador a louvável introdução da variável eficiência na equação energética, com o saudável propósito de lançar as bases dessa muito necessária alteração de perspectiva e de prática na nossa gestão da energia. Mas exprimi também as minhas reservas em relação à estratégia preconizada. Elas têm a ver com a efectiva eficiência energética marginal das medidas propostas, dado o modo como está gizada a sua prossecução.

Sobraram-me as questões estruturais e é por elas que regresso ao tema.

Noutras oportunidades já defendi neste espaço que a meu ver uma das principais razões da falta de elasticidade do modelo de aprovisionamento e uso da energia da nossa civilização, está associado ao tipo de ordenamento que a estrutura( económico, social, urbano ), e consequentemente à potencia e escala energética que o seu funcionamento implica. Tenho defendido nessas oportunidades que o desconcentracionismo urbano seria um caminho possível para aliviar a pressão dessas dependências. Defendo ainda que esse caminho nos permitiria ao mesmo tempo potenciar as soluções de aprovisionamento alternativo já existentes, tornando mais efectivas tecnologias como a eólica, a fotovoltaica, ou a biomassa. Mas não é por aí que este Plano nos leva, e nessa medida não o considero estruturante da alteração que todos clamam ser necessária ao paradigma de uso que fazemos da energia.

De facto, ele não deixa indicação de que esteja coordenado com quaisquer outros Planos que prevejam corrigir as assimetrias de ordenamento que são também responsáveis pela rigidez do modelo de consumo de energia. Ao não fazê-lo, o Plano agora proposto subutiliza um conjunto interessante de medidas que, se aplicadas numa base regional com particular incidência nas regiões mais deprimidas, poderiam contribuir para corrigir as deformações quantitativas do modelo de consumo de energia. A meu ver, sem a activação das bases desse reordenamento , o Plano será mero paliativo de consciência na forma absurda como pensamos a energia.


Tentarei explicar porquê com a ajuda de algumas das medidas concretas que ele preconiza.

É sabido que a desertificação humana das aldeias, vilas e cidades do interior português, constitui um triplo problema de(1) desestruturação social, económica e patrimonial dessas localizações, (2) de acréscimo da pressão populacional sobre os grandes centros urbanos, (3) de agravamento dos custos de gestão social ( educação, saúde,…) e consequente quebra geral de qualidade de vida. Ora um dos problemas sempre invocados em relação à permanência nos pequenos meios urbanos é a habitação, i.é, o custo acrescido implícito à recuperação urbana de acordo com os objectivos de conforto da modernidade. Tanto assim é que se têm multiplicado os programas ditos de requalificação urbana ( Polis e outros…) na tentativa de travar a degradação de um bem patrimonial que ( supõe-se ) se considera valioso e por isso se pretende preservar. Mas quem conhece os casos de execução sabe que os trabalhos se ficam pelos arranjos exteriores e pela repintura das fachadas . Assim, e apesar dessas obras, aldeias e centros históricos de vilas e cidades ( inclusive das grandes ) continuam evoluindo para desertos humanos.

No entanto, 200.000 caixilhos eficientes, outros tantos recuperadores de calor, 1 milhão de frigoríficos A+ ou A++, painéis solares nos telhados , juntamente a isenções de contribuições autárquicas, sisas reduzidas, rendas ou crédito bonificado, uma melhoria significativa dos transportes públicos, seriam seguramente medidas conjugadas pertinentes para levar muito boa gente a (re)considerar permanecer ou migrar para o interior, sabendo-se como se sabe que a infra-estrutura existe e tem qualidade.

Nesse contexto, as medidas preconizadas no Plano seriam elas próprias dinamizadoras dos pequenos negócios de base local actualmente moribundos ou incipientes, potenciando as economias de pequena escala. Calor verde ? Com certeza ! Mas numa relação de proximidade com as fontes naturais de biomassa, sob pena de se perder em transporte o ganho teórico da esperada eficiência. Caixilhos eficientes ? Muito bem ! Mas produzidos por serralharias e carpintarias locais. Aquecimento solar de água sanitária ? Claro ! Mas adjudicado a pequenas e médias empresas locais. E, já agora, aproveite-se a boleia e relancem-se os CEF’s ( cursos profissionalizantes ) numa ligação que faça sentido com a actividade económica de base local e regional.

Ao nível da geração alternativa que é preconizada no Plano ( crescimento de 10 % até 2015 ), também não se vê que exista uma preocupação de a localizar em resposta a necessidades de abastecimento local. Mas é na pequena escala que ela faz mais sentido. Se a geração alternativa ( eólicas, fotovoltaicas ) fosse um serviço público a não um negócio privado, os pequenos parques eólicos ajustados ao consumo local ( integrados e com reduzido impacto paisagístico) e as politicas locais de uso da energia com recurso a contadores bi-horários e tarifários bem diferenciados em função do potencial de geração local, seriam capazes de reformatar hábitos de consumo que se têm instalado sem critério nem regra.

Assim, embora os autores do Plano se tenham lembrado e muito bem de referir Schumaker, citando-lhe a obra Small is Beautifful, eles não foram depois capazes de localizar as medidas que preconizam por forma a materializar os pressupostos do celebrado economista! Portanto, ou só o conhecem da conotação "verde" ou não lhe captaram a estrutura dos raciocinios! Talvez seja essa a razão porque voltam a insistir em mais uma tentativa de demonstrar que "big is possible" !

22 comentários:

antonio ganhão disse...

Meu caro, em tempos equacionei regressar ao interior... mas percebo que as pessoas imigram à procura do trabalho, dos cuidados de saúde e da escola para os seus filhos.

Neste país que vai ficar reduzido a três ou quatro hospitais públicos está condenado a ser uma grande e desordenada preferia de Lisboa, Porto e Coimbra.

alf disse...

Você tocou no ponto essencial e estamos inteiramente de acordo. é preciso localizar a produção. Mas isso é o oposto de toda a teoria económica que se segue em Portugal desde o 25 de Abril.

Eu já tentei convencer diversas pessoas desse erro tremendo que se faz em Portugal, inclusivamente mostrando-lhe que, afinal, o que os próprios economistas de renome que citavam defendiam era o que eu dizia e não o que elas diziam.

Mas foi sempre inútil.

Pensei primeiro que isso é assim porque os portugueses detestariam os portugueses, sobretudo os que têm poder de decisão.

é bem conhecida a história do balde de caranguejos portugueses, pelo que sabemos que este comportamento lamentável já vem de longe.

O que acontece aqui não acontece noutro paises com a mesma intensidade. Em Espanha ou França, ou na Dinamarca, ou em Itália, ou na Alemanha tomam-se medidas desse tipo.

Aqui há ainda outra questão: os ministérios que temos são ridiculamente incapazes. Eu já pertenci a uma comissão para o desenvolvimento duma área industrial, há muitos anos, e demiti-me rapidamente ao verificar que, para além da boa vontade de um conjunto de pessoas, o ministério da indústria de então não tinha capacidade de fazer nada nem tinha recursos, bases de dados, nada que permitisse que aquela comissão não passasse de tempo perdido. Como não passou.

Mas acho que a esperança que as coisas mudem tem vindo a melhorar, devagarinho mas tem. Parece-me que o turismo tem sido um instrumento útil. A desertificação do interior não é um fenómeno geral, existem alguns polos de desenvolvimento no interior.

Ou seja, não se pode confundir o esvaziamento das aldeias com desertificação. Não é desertificação se as cidades do interior estão a crescer. E as cidades de interior podem crescer em moldes muito mais equilibrados do que as grandes metrólopes. E tem de o fazer para conseguir a qualidade de vida que fomenta o seu crescimento. E, em minha opinião, muitas estão a fazê-lo.

Só que este é um movimento "de baixo para cima" ao contrário do que acontece noutros paises, um movimento que muitas vezes se tem de defrontar com grandes interesses contrários, numa luta donde o governo se ausenta.

antonio ganhão disse...

"...aquela comissão não passasse de tempo perdido. Como não passou."

O quê? Nem uma viagenzita de estudo à pala? Alf, vocês não sacaram nada dessa comissão?

Incompetentes!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

"Reformatar os hábitos de consumo": uma boa ideia! O local contra o global? Quando tiver mais tempo passo por aqui novamente.

Anónimo disse...

Uma critica sólida e bem demonstrada.Ultrapassa as lógicas convencionadas e deixa boa nota de que os problemas da factura energética não se resolvem na "especialidade". O pensamento transdisciplinar rareia e a procura de soluções roda dentro de circulos viciosos incapazes da necessária ruptura estrutural. Inclusivê quando a citam sem no entanto a entender, como ilustra no fim.

Cumprimentos

Trigo Pereira

Manuel Rocha disse...

António,

A ideia de que a economia concentrada seria mais "económica", foi um panorama que fez sentido enquanto se pensou na energia como coisa barata e de fácil acesso. Há algum tempo que uns tantos têm vindo a alertar que esse "barato" iria sair caro. À cabeça o tal Schumaker. Mas ainda hoje parece que não lhe entendemos bem a ideia, e pagamos por isso...


Alf,

A variável "localização" há décadas que é interpretada apenas numa perspectiva de "custo" monetário.

Já se percebe que essa "leitura" nos está a sair muito cara. Mas parece complicado abandonar este tipo de via.

Como sublinha o Francisco, "reformatar os hábitos de consumo" pode ser uma via, mas obriga a colocar a cabeça a funcionar fora dos circulos concêntricos em que nos habituamos a olhar para a organização social e económica, como lembra o T Pereira.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

"Desconcentracionismo urbano", "reordenamento territorial", regionalização, regional, local: todos estes termos resumem a sua contra-proposta de eficiência energética, à qual acrescenta a "reformatação dos hábitos de consumo", visando a poupança energética.
Eu defendo que duas grandes cidades, Lisboa e Porto, são suficientes. As restantes cidades deviam seguir outros modelos: pequenas e médias cidades, vilas e aldeias. Mas não é isso que os seus habitantes parecem desejar: todos querem ser "grandes". Daí que Schumaker e sua obra "Small is Beautifful" não sejam compreendidos. E Lisboa não quer perder protagonismo. Já não acredito nos estudos de ordenamento do território. Coloca questões pertinentes mas para as quais não temos ainda respostas ou capacidade para as resolver. Portugal é uma trapalhada...

Manuel Rocha disse...

Confesso que também não acredito no ordenamento, Francisco, até porque se tornou meramente "reactivo" face à velocidade e escala das dinãmicas da modernidade. Ordenar hoje obrigaria a "parar". Nenhum politico com "juizo" se atreve a avançar com semelhante proposta...

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Manuel

Aqui no Porto têm surgido boas propostas de reformulação da cidade. Mas aqui também existem os "velhos do Restelo": dizem mal de tudo, paralisam as obras em curso, enfim não querem mudar nada. E depois fazem-se "amigos" dos desempregados! Os casos do Bolhão ou do Teatro são exemplares.
Desde que foi entregue à exploração privada, o tal teatro tem sido um sucesso. Mas os tolinhos daqui tentam por tudo em tribunal. Devia ser aprovada uma LEI que proibisse esses velhos de manifestar-se na esfera pública ou entrar em qualquer empreendimento, porque são os seus interesses que defendem...

Anónimo disse...

Sim. "Velocidade e escala". Dificil ordenar sob pressão desse binómio.Importa tentar. A análise de ruptura é óptimo exercicio de desconstrução desse universo de mero reinvidicalismo que submerge a capacidade de inovação no processo de decisão. Apanágio de alguns poucos espiritos que conseguem por artes não reveladas manter em forma as asas necessárias a tais voos em espaços não convencionados. Os politicos poderão ter as asas cortadas pela necessidade de ir a votos. Mas haja quem semeie outros ventos para que um dia se possam exercer votos com outra consistência.

Anónimo disse...

Defende bem o seu ponto de vista. Mas a mim, leigo, deixa-me uma dúvida genuína. Dando por boas as suas teses, ainda assim não vejo onde falha a bondade da estratégia governativa. Ficando na questão central deste plano, admite ou não que as medidas preconizadas levem a uma poupança de consumo e a uma redução do crescimento da factura energética?

Obrigado pelo esclarecimento.

Diogo

Manuel Rocha disse...

Francisco,

De acordo mas não assino por baixo da tese de que os serviços públicos têm melhor qualidade se assegurados por privados. Incompetência e falta de qualidade dos serviços derivam de questões concretas do modelo de gestão da coisa e não da sua natureza, "penso eu de que.."...:))


Trigo Pereira,

Junte “potência” ao seu binómio e completamos a “santinha trindade” que governa os nossos tempos….))


Diogo,

A resposta à primeira questão é “duvido” e à segunda “duvido muito”.

Duvido porque boa parte das medidas previstas estão desenhadas apenas numa perspectiva de poupança no consumo final, não contabilizando os inevitáveis custos energéticos associados à sua implementação( reciclar o velho e fabricar novo tem custos energéticos ). Continuo a duvidar porque delas não decorre uma mudança estrutural significativa, i.e, em valor absoluto não se prevê que se consuma menos em 2015 do que se consome actualmente, e o previsto reforço em 10 % da capacidade de produção própria deixa-nos ainda assim com 70 % de dependência externa ( estamos a falar de algo como 2,3 x 10 à sexta Toneladas Equivalentes de Petróleo (TEP).

Duvido muito porque não ouço ninguém prevendo senão o aumento do preço dos combustíveis. Alguém sabe quanto vai custar a energia em 2010 ? Portanto estamos a falar em menos 1% de quanto, exactamente ?

Blondewithaphd disse...

Ai Manuel, que grande Utopia!

Eu vivo no interior e o preço a pagar por uma ilusória melhor qualidade de vida é absurdamente grande. Tenho as tais tarifas bi-horárias e comportamentos muito "environment-friendly" que trago do estrangeiro (onde sempre tive um pé e onde, inclusivamente, o lixo que deixamos À porta é inspeccionado e pagamos multa se deitarmos uma folha de papel com a matéria orgânica). Porém, a energia em tarifa bi-horária não me impede de pagar contas faraónicas em electricidade, de tal sorte que presumo que esta solução não compensa. Não vou entrar no que se passa com o que pago de imposto sobre resíduos porque fico já mal-disposta. Eu que evito produzir lixo ao máximo!!! Dantes pagava-se de acordo com a área habitacional (estava feita!), agora paga-se de acordo com os consumos de água (feita estou porque, como penso que posso dar um contributo à produção de O2, recuso a ideia pavorosa de ter uma casa com pavimento à volta).

Ordenamento do território? Neste país? Feitíssima estou!!! Aqui nesta província andamos há uns bons 5 anos a discutir o novo PDM e cada vez percebo menos. Só sei que é tudo uma pandilha de gente mesquinha com interesses imobiliários e muita vontade de "tramar" o resto da malta (e por resto da malta cá está a feliz contemplada com uns quantos hectares que, neste momento, nem se sabe bem se vão para reserva agrícola, área industrial ou área urbanizável)!
Portugal no seu melhor! Ou, como alguém dizia, o interior profundo e ostracizado (às portas da capital).

Desculpe os desabafos.

Manuel Rocha disse...

Blonde,

São bem vindos esses desabafos!
:)
Percebe porque escrevi algures num comentário que não acredito em "ordenamento" nesta dinâmica ? Exacto ! Porque é "reactivo" às pressões das tais "pandilhas". Ora por "aí", onde habita ( 50 km de Lx, certo ? ) qualquer veleidade de fazer "contra-corrente" de ordenamento é utópica. Nem mais. Mas isso não é "interior". Não se corrige uma assimetria metroplolitana a 50 km do seu centro. Para isso temos de ir à procura dos três digidos. Até porque com o tipo de infraestrutura existente, as "distâncias" são medidas em "tempo". Hoje, Setubal não está "mais longe" do Marquês de Pombal que Algés. Mas a menos que exista por aí alguma solução escondida para resolver parte que se veja dos tais 70% de dependência energética de fontes externas, não seria sensato começarmos a "fazer o pé às botas"?

Manuel Rocha disse...

Blonde,

Mas deixando de parte a minha "utopia" descentralizadora ( absolutamente irrelevante para o caso ), diga-me: vê que o Plano proposto conduza a uma qualquer poupança real do que quer que seja ?

Anónimo disse...

Se bem entendi o que aqui tem vindo a ser escrito, a questão "bi-horária" proposta adopta o método mas não o modelo, e adopta-o enfatisando a localização. Compreendo que numa localidade adjacente a um parque fotovoltaico, seja sugerido o consumo diurno, em linha com a maior produtividade potencial da instalação. Considero desta ordem as reflexões que nos são propostas, de um vincado pragmatismo tecnico-conceptual.

Cumprimentos.

Trigo Pereira

Blondewithaphd disse...

Manuel,
Ignorantemente não sei o que é "fazer o pé às botas"? Pormo-nos a mexer? Mas, seja como for, mexendo-nos ou não, até agora nada mudou. Perdão, mudou e muito. Nestes últimos 3 anos é só construir, construir, construir. acho que nos vamos suburbanizar proximamente, mas apostar nas infraestruturas isso é que não!

Quanto à pergunta que me deixa, acho que só pode ser de retórica:)

Agora os crashes na energia eléctrica são constantes e, no Verão, a pressão da água canalizada vai-se abaixo, isto quando não falta a água! Poupança? Sim, só se for esta poupança manhosa à custa dos cortes! Como vê estes são uns 50kms para os confins do universo conhecido!;)

A Comunidade disse...

"200.000 caixilhos eficientes, outros tantos recuperadores de calor, 1 milhão de frigoríficos A+ ou A++, painéis solares nos telhados"
A racionalidade económica/energética não pode ser aplicável ao consumidor final. Este consomoe apenas porque tem rendimento para tal. Só começa a fazer contas - se é que as opções expostas são as mais racionais!- se lhe faltar o dinheiro ao final do mês. Mesmo as empresas enquanto mantiverem os accionistas satisfeitos não se preocupam com a procura de ganhos de eficiência.

"juntamente a isenções de contribuições autárquicas, sisas reduzidas, rendas ou crédito bonificado, uma melhoria significativa dos transportes públicos, seriam seguramente medidas conjugadas pertinentes para levar muito boa gente a (re)considerar permanecer ou migrar para o interior, sabendo-se como se sabe que a infra-estrutura existe e tem qualidade"
Se a estrutura existe e tem qualidade porquê dar benesses como rendas bonificadas e outros que tais?

"Tenho defendido nessas oportunidades que o desconcentracionismo urbano seria um caminho possível para aliviar a pressão dessas dependências. Defendo ainda que esse caminho nos permitiria ao mesmo tempo potenciar as soluções de aprovisionamento alternativo já existentes, tornando mais efectivas tecnologias como a eólica, a fotovoltaica, ou a biomassa"
Pensando apenas em termos de energia eléctrica, a localização das infraestruturas produtoras/armazenadoras não é relevante. O custo e perdas de transporte são baixas devido à elevada capacidade de carga - desde que o consumo esteja concentrado!
Calro que se estivermos a pensar em usar lareiras o custo de transporte e armazenamento para metrópoles (além do fumo)desaconselha este uso.

"(...)uma das principais razões da falta de elasticidade do modelo de aprovisionamento e uso da energia da nossa civilização, está associado ao tipo de ordenamento que a estrutura( económico, social, urbano ), e consequentemente à potencia e escala energética que o seu funcionamento implica."
Não concordo. Excepto para grandes ou muito grandes metrópoles, sai mais barato ter consumo concentrado do que ter N infraestruturas disseminadas. O problema com as grandes metrópoles por-se-á mais talvez ao nível da ineficiência do transporte automóvel/de massas.

"Ora um dos problemas sempre invocados em relação à permanência nos pequenos meios urbanos é a habitação, i.é, o custo acrescido implícito à recuperação urbana de acordo com os objectivos de conforto da modernidade"
Não concordo. O problema não é a falta de qualidade. E a recuperação urbana é pouco significativa, mas "toda" a gente constrói casas de 200m2 na periferia, sem contar com os que pretendem "viver no campo" e lhes é permitido construir a 2,3,5 km da malha urbana consolidada - um bom exemplo da falta de racionalidade económica/energética/gestão de resíduos, etc face ao desejo de "mostrar riqueza/bem-estar(?)" e ter de usar aquecimento para uma sala de 50m2 quando se tivesse 12m2 tal seria muito menor.
O problema é mesmo a alteração da definição dos "objectivos de conforto da modernidade".

"Assim, e apesar dessas obras, aldeias e centros históricos de vilas e cidades ( inclusive das grandes ) continuam evoluindo para desertos humanos."
Tal deve-se à especulação imobiliária. Não se percebe porque é que se constrói e constrói quando há casas em excesso. Mas qualquer terreno para construção vale um balúrdio. Ou melhor, não valerá nada assim que houver consciencialização de que não tem qualquer utilidade, nem agrícola.

Uma "central" de produção fotovoltaica pode fazer sentido num monte alentejano a 10km da linha de tensão mais próxima. Caso contrário é um contrasenso económico - a electricidade é seis vezes mais cara.

A questão do armazenamento da energia eléctrica é dificil mas possível com recurso a barrargens e contra-embalses. Mais, certamente será possível optimizar os equipamentos produtores de acordo com as curvas de uso históricas. Mas todos os produtores quererão vender o mais possível. Estes estão-se borrifando para o uso racional de energia. Não sei como funciona a resposta/pedido de energia mas será por leilões horários de energia?

Manuel Rocha disse...

Blonde,

Gostei da dúvida :))

Vamos lá a esclarecé-la...
No tempo em que as botas se faziam de couro rijo, um homem antes de começar a usá-las regularmente tinha de as começar a calçar aos poucos, na volta de casa, evitar grandes caminhadas, para "as fazer ao pé"...assim o pé calejava nos sitios certos e o couro amaciava qb...:))
É essa a minha metáfora, ou seja, na eventualidade de uma alteração brusca das condições de uso da energia vai "doer" e muito, porque o não estamos preparados...:((


Blue,

A adaptação de que estamos a falar, implica a meu ver paradigmas e modelos de gestão que se estruturem em ruptura com as soluções que nos trouxeram até aqui. Não sei se isso será possível pela via "reformista"...


Osvaldo,

Obrigado pelo excelente comentário.
Volto para a devida resposta mais tarde que ela requer tempo...:))

Manuel Rocha disse...

Ora bem, Osvaldo, então vamos lá a isto, seguindo os seus tópicos por odem…..:)


1. Concordo consigo, mas repare que os meus argumentos não fazem a defesa das medidas do PNEF. Limito-me a dizer que se “não localizadas” e dispersas por todo o território conforme se deduz do projectado, então é que não corresponderão de todo a qualquer tentativa de dar conteúdo estrutural a uma politica de poupança de energia. O resto segue essa linha.


2. Porque no contexto económico deprimido em que se encontram a maioria dos povoados do interior, habitar longe do local de trabalho corresponde a uma desvantagem objectiva que leva a maioria a procurar a proximidade do trabalho. Fomentar vantagens apreciáveis para habitar o interior pode desencadear economias de pequena e média escala e por essa via inverter a actual tendência de desertificação. Pacotes de medidas como as preconizadas pelo PNEF se direccionadas para essas localizações, podem constiruir, juntamente a outras em circulação, a resultados consistentes. Caso contrário, limitam-se a servir para estatísticas de desempenho numérico sem expressão territorial.


3
4 De acordo. Mas de quanto estamos a falar quando nos referimos a perdas admissíveis ? De 5, 10 % ? E quanto é isso em GW ? E se as juntarmos ás perdas de geração, nomeadamente da térmica, de que valores estamos a falar ao fim de um ano ? E porque é que todo o sistema TEM de estar em carga e em tensão 24 sobre 24 horas ? Não serão deste género os reais “calcanhares de Aquiles” da politica energética ? E não é apenas na pequena média escala que eles se podem ultrapassar ?


5.
6 Precisamente ! Por isso falo nos pequenos centros, nomeadamente históricos, mas no pressuposto que no “outro lado” ( da expansão de PDM’s) terá que se meter travão nessas dinâmicas de desordenamento…
Outro problema é que se pretende viver fora da malha com o mesmo tipo de infraestrutura…Viver no campo não tem ( não devia…) ser visto como mera variante
“rural” do modo de vida urbano, não era ?
Claro que nestas coisas o controlo da pressão imobiliária sobre a “terra” é uma peça chave de ordenamento.

7. Exactamente. Não sou apologista dos “campos fotovoltaicos” enquanto mega estruturas de produção. Mas se há sítios onde acho que a tecnologia faz sentido é nessas condições e não numa localização qq a bombear para a rede …

8. Armazenagem ?Sim! Mas atenção. Isso é válido apenas para as barragens de “fio de agua” ( quase todas a norte do Mondego). Nas outras ( e nessas em anos secos )não se safa pq na estação seca tem que manter os caudais ecológicos.E em Outono / Inverno normal o problema não se põe pq a situação de descarga é a normal. Logo a solução “armazenagem” tem limites objectivos. Curioso é que apesar de muitos falarem do assunto nunca encontrei um estudo em cenário concreto sobre isso…

9. A dinâmica da resposta/ pedido deve estar “reservada” ( tal como muitas outras matérias…) ao conhecimento dos deuses eléctricos! Também já a procurei e pedi, mas nada…”Indisponível!”.

A Comunidade disse...

Manuel
Umas achegas
2 - Mas viver mais próximo do emprego implica investimento em habitação própria ou arrendamento (caro regra geral).
Pontualmente verifica-se falta de satisfação de pedidos de emprego no interior!
Por isso uma das minhas sugestões no post anterior.

4 - As perdas no transporte de electricidade serão mínimas - a resistência dos fios condutores é baixa e o transporte é feito em alta/muito alta tensão. Mas talvez fosse interessante saber algo mais sobre esta questão.
As perdas por inefici~encia na geração térmica não t~em qualquer significado. Por mais elevadas que sejam a energia eléctrica assim produzida é MAIS barata que usando processos eventualmente mais eficientes mas de custo inicial elevado (eólicas, fotovoltaica) e que, na fase actual da tecnologia não se conseguem amortizar sem preços administrativos - leia-se subsídios. As centrais de biomassa então devem ser uma estragação de energia...
A tensão nas linhas não é constante! A produção procura que haja uma tensão de 220V/230V mas se houver demasiada carga (motores, resistências eléctricas em geral) vai fazer baixar esta tensão e é necessário ligar mais produtores ao sistema - as barragens têm grandes vantagens porque o pôr em operação e fechar são processos de poucos minutos. As eólicas são muito instáveis. O fotovoltaico tem variações mais ou menos estimáveis ao longo do dia, e as térmicas têm tempos de operação possivelmente bastante longos (embora se possa cortar completamente o combustível de uma central de ciclo combinado é capaz de demorar umas horas até o calor existente ser convertido em energia eléctrica).
Se a carga baixar o que acontece é que a tensão vai subir, ou seja o nooso grelhador de 1000W vai aquecer mais do que o costume...
Suspeito que haverá ao longo de todo o sistema eléctrico sistemas capazes de amortecer tanto picos de tensão (tipo grelhadores gigantes) como quebras de tensão (algo como condensadores e/ou baterias).
Toda esta problemática leva ao seu comentário 7.
Quanto á pequena/média escala possivelmente será mais difícil prever o que acontece em média no que respeita às necessidades diárias/sazonais de energia.

8 - Não é preciso caudal ecológico (já agora tenho as minhas sérias dúvidas que haja controlo sobre as novas barragens - principalmente para as pequenas de rega - que a isso estão obrigadas. Creio que para as antigas tal não é obrigatório). Pode-se imaginar apenas dois tanques a alturas diferentes, ou seja estruturas criadas de raíz para armazenamento eléctrico.
De qualquer modo quando uma barragem produz energia a quantidade de água que liberta deverá ser superior ao caudal ecológico pré-defenido, pelo que a água em "excesso" poderá ser bombeada do contra-embalse para a localização inicial.


Em jeito de conclusão, solicitam-se aos Engenheiros Electrotécnicos - ramo Correntes Fortes - que lêem este blog o favor de corrigir/complementar as (des)informações prestadas.

PS - Mais duas sugestões para eficiência energética:
- Limitadores de velocidade com três posições para os automóveis
- Liberalização completa do nº de horas de trabalho diário (não do semanal) e do horário de entrada/saída - acabar com as horas de ponta.

Anónimo disse...

Respondendo à sugestão do comentário anterior e uma vez que sou de "correntes fortes" e laboro na distribuição, devo dizer que as imprecisões técnicas que por aqui tenho lido não são significativas. Confesso até que isso me espanta por se assumirem como não especializadas. De significativo tenho apenas a dizer que as perdas na geração térmica são bastante mais elevadas do que aqui se disse. Estamos a falar de uma razão útil que raramente ultrapassa os 40 % ( energia potencial queimada / energia gerada consumida ).
De interessante esta linha de refexão da questão energética tem o facto de não a fazer em dólares ou em euros, mas em potencial calórico.
Segui a sugestão aqui deixada há algum tempo, tenho lido alguns trabalhos de David Pimentel, e é verdade que se trata de uma abordagem completamente diferente que vale a pena fazer. E para isso as pequenas imprecisões não têm a minima importância.