terça-feira, 25 de março de 2008

Luanda 92


Será imprescindível uma pós-graduação em económicas e um mestrado em correntes fortes, com o consequente domínio dos impenetráveis jargões corporativos, para se perceber que o pressuposto de disponibilidade permanente, imediata e em potência, que o nosso paradigma civilizacional incorporou como condição estruturante na sua relação com o uso da energia, é um problema ?

Há quem pense que sim, que é necessário, e defenda implicitamente que há temas que apesar do seu manifesto interesse público, deviam constituir matéria reservada a “especialistas”. Pessoalmente, discordo. Não vejo que a melhoria da racionalidade da governação possa decorrer divorciada da cidadania. Reconheço que o ambiente social dominante de crise da memória e do conhecimento, deixa a cidadania sem as ferramentas intelectuais necessárias para um contributo sólido à boa decisão politica. Mas isso não deve servir de pretexto a excluir da esfera pública o direito de ter opinião. Pelo contrário. Mas ao dever do conhecimento fundamentado das matérias sobre as quais importa que se tenha e se expresse opinião, terá que estar associado o dever não menos importante de tornar esse conhecimento acessível.

Não é o que sucede no caso da energia.

Pessoas habilitadas já disseram de formas bem mais eloquentes do que eu serei capaz, que no actual contexto de consumo não há como olhar para a questão da energia como se houvesse um fix ideal, isto é, um conjunto integrado de modelos de produção e uso acessível, duradouro e inócuo. Do balanço que fazem entre vantagens e inconvenientes das abordagens convencionadas, retiram como corolários a necessidade de diversificar soluções para reduzir dependências. Daí os avanços no sentido das ditas energias alternativas, do lado da produção, e agora em direcção à eficiência energética, pelo lado do consumo. Discutem-se perdas e ganhos económicos destas medidas. Mas a síntese final optimizada não consegue disfarçar que um consumidor de pequena dimensão como Portugal irá continuar a não conseguir resolver mais de 30 % da desejada autonomia para suprir o funcionamento da estrutura de consumos instalada.

Parece-me evidente que quando se chega a este ponto, discutir com um electrotécnico se as perdas na distribuição eléctrica são de 10 % e podem ser de 5 % , ou se os possíveis ganhos com a armazenagem via contra-embalce da energia produzida pelas incontroláveis eólicas são de 2 ou 3 %, constitui uma olímpica perda de tempo ! Além disso, será ainda uma perda de tempo desonesta se se tiver consciência de que não é a mesma coisa acabar-se-nos a gasolina quando nos falta percorrer 70 % de um percurso de 10 km ou de 1000 km ! Ou seja, os 70 % de energia que não vamos conseguir auto produzir no médio prazo, correspondem a um valor absoluto que os números relativos não conseguem exprimir, pois em bom rigor decidir fazer a pé 7 ou 700 quilómetros que faltam para terminar um percurso, são realidades bem distintas, cuja abordagem não pode limitar-se a um exercício de fé numa “boleia” salvífica.

Acreditar que a solução quantitativa para a tranquilidade do aprovisionamento energético aparecerá numa manhã de nevoeiro e insistir na resolução do problema da energia dentro de si mesmo, isto é, como um problema estritamente técnico e económico de meios de produção e eficiência do consumo, é tapar o sol com uma peneira. Sobretudo quando o adjectivo sustentabilidade faz parte do discurso.

A quem genuinamente pensa que não é assim, e continua defensor das virtudes das ocidentais certezas na bondade do modelo de ordenamento centrado em grandes metrópoles concentracionárias e respectiva logística energética ( mais “económica”,como dizem alguns especialistas), gostaria de lhe ouvir a tese revista depois de um estágio de um ano numa cidade como Luanda em 1992.

Lembrei-me de Luanda porque nos está mais “próxima” historicamente. Mas qualquer outra cidade de África poderia ter servido neste exemplo. Podia ter escolhido Kinshasa ou Nairobi. O mesmo conceito de cidade pensado segundo o paradigma europeu e respectivo modelo de funcionamento.

Luanda em 92 ilustrava na pequena escala o que acontece à vida duma metrópole pensada para funcionar de acordo com determinados pressupostos de abastecimentos permanentes de energia, quando os ditos falham . Prédios sem electricidade, sem água, sem esgotos, sem elevadores. Colectores de esgotos em afloramento natural nas avenidas com as bombas elevatórias submersas e irrecuperáveis. Lixo acumulado nas ruas com as frotas municipais paralisadas por falta de combustível. Condição zero de serviços públicos. Um deserto de vegetação lenhosa num raio de 20 km. Apartamentos onde tudo quanto era madeira, desde os soalhos às portas, fora usado como combustível de recurso para confeccionar refeições. E depois, a solução: a migração para os musseques onde assim como assim não se precisava de subir às escuras 28 lanços de escadas com um jerrican de 25 l de água à cabeça. Ou seja, a “retirada” para os musseques periféricos como solução de sobrevivência em alternativa a uma estrutura aparentemente perfeita mas que sem energia é inabitável e colapsa na sua função primordial.

Não vale a pena procurar justificações para estes estados caóticos nas questões politicas que os depoletam ou na “natureza” dos seus gestores. Com outros gestores o mesmo sucedeu em Zagreb ou Sarajevo nessa altura. De resto no inverno Russo de Ieltesin também se queimaram mobílias, e sobre o que aconteceu em New Orleans estamos conversados e de memórias frescas, certo ? Portanto não são os “detonadores” que devem merecer a nossa atenção, nem tão pouco os impactos em si, mas os factores que determinam a enorme susceptibilidade do modelo.

Em todos estes casos a questão é a fragilidade de sustentação de um modelo de grande escala quando por qualquer razão não se conseguem assegurar os elevadíssimos mínimos críticos necessários ao funcionamento dos complexos sub-sistemas absolutamente interdependentes que o compõem. Por isso, do ponto de vista da energia que o sustenta, o mundinho que temos vindo a construir é um edifício de tijolos sobrepostos em zona sísmica. Nada mais que isso. E quem já lhe viu algo mais que o jardim do condomínio onde habita, tem facilmente por adquirido que as pessoas se adaptam a quase tudo .Daí que mande sem cerimónias às urtigas qualquer profeta de desgraças. Mas não ser adepto de projecções catastrofistas não significa que se tenha de pactuar com o culto pacóvio do liberalismo burguesinho que nos leva socialmente à recusa de nos adaptarmos por antecipação a uma mudança de paradigma na governança energética. E menos ainda com a falácia justificativa dos estafados dogmas do "economês" de serviço, que insiste em reduzir a equações monetárias a essência da economia e dentro dela da questão energética. Obviamente que também a estes fazia falta um estágio de uma semana inteira tendo por único alimento três mangas, apesar de andar com dois mil dólares no bolso das calças. Nessas alturas percebe-se melhor a artificialidade de certas criações do espírito dos homens, como a suposta universalidade da “lei” da oferta e da procura.


20 comentários:

Anónimo disse...

Muito bem exposto, como é timbre da casa. Discurso que rompe com a tradição consolidada de que o “cliente tem sempre razão”. Insistir como até aqui em adaptar a energia à procura como se não fosse o perfil dessa procura mera derivada do modelo, constitui sério bloqueio a desenvolvimentos em que sustentabilidade não seja apenas figura de retórica. Bem visto ainda o “recado”ao económico, sector que transformou o meio de troca( moeda ) em finalidade independente da existência de recursos. Artificialismo mantido graças à aura de suposta complexidade com a qual se pretende manter controlado o processo especulativo .

Cumprimentos,

Trigo Pereira

antonio ganhão disse...

Meu caro, retiremo-nos para o musseque, pois há muito que estamos às escuras!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Concordo com muitas coisas que diz. A Papillon é tentada a chamar-me "moralista". Por este caminhar, o Manuel corre o risco de ser "denunciado" como "profeta da desgraça ecológica". Até ficava em boa companhia! :)

Manuel Rocha disse...

Trigo Pereira,

Sim, penso de facto que há certo tipo de ingenuidades que deveriamos tentar ultrapassar com alguma originalidade.


António,

Sim, é bom que haja um espaço de retirada ! Claro que quando não se pensa nisso com tempo em cima da hora tem que se improvisar. Como é o caso de certos musseques...;(



Oh Francisco, mas eu acabo justamente o post a recusar essa etiqueta de catastrofista !!!
:))

Noutras oportunidades já comentamos que a minha postura em relação a estas matérias não alinha pelo peditório geral de "salvemos o Planeta"! Que Belenos me livre de ser uma espécie de reedição "blogada" do Gore, logo eu que até não sou "pró aquecimento global"...:))

Não, nada disso ! Mas confesso que me irrita a falta de originalidade e o raciocinio de "sebenta" na abordagem destas questões. É contra isso que tento chamar a atenção, nada mais ! Isso agora é ser "moralista"?! Por Toutatis !!!
:))

alf disse...

eu vou discordar de algumas coisas, pois foi mesmo para discordar que eu vim ao mundo, e como sei que o manuel até gosta das ovelhas traquinas, sinto-me à vontade para o fazer aqui.

Regressar ao musseque é uma possibilidade em África, onde a natureza tudo providencia. Na realidade, não é preciso casa nem roupa para lá viver. Eu já estive em sítios onde as pessoas não se davam ao trabalho de usar roupa nem podiam perceber para que raio isso serviria.

Mas eu tenho um sogro que vive numa aldeia serrana e garanto-lhe: ele gasta muito mais energia na casa dele do que eu na minha casa urbana. Aquecer uma vivenda é muito diferente de aquecer um apartamento.

E, à medida que vamos subindo na latitude, os custos da dispersão demográfica são cada vez mais óbvios

Na realidade, as casinhas que este pais tem espalhadas por todo o lado custam um dinheirão, em estradas que precisam de ser mantidas, em distribuição de electricidade, água e comunicações, em serviços de assintência médica, social, terceira idade, escolas e transportes escolares, etc.

Tanto assim é que eu até conheço quem tenha estudado a possibilidade de "fechar" as inúmeras aldeias deste pais por causa do que elas custam.

Poder viver numa cidade pequena, ou numa vivenda em terreno próprio é um luxo. Mas isso é só para reformados não é? Tem de se ir para onde há emprego e quem é que vai montar grandes empresas fora dos centros onde há muita mão-de-obra e grandes facilidades de comunicação?

Eu, quando for rico, tratarei de arranjar uma vivenda ali para os lados da Zambugeira... mas isso é tão ecológico como o BMW de 200 cv com o painel solar no tecto..

Isto não invalida muito do que o manuel aqui diz. Aliás, até há pouco tempo media-se o grau de desenvolvimento de um povo pelo consumo energético per capita - um indicador que deve dar aos habitantes dos paises frios a ideia de que são muito avançados.

Um passo em frente será quando o indicador for invertido - quanto mais avançado, menos gasta. Em vez de andarem com cotas sobre o CO2, deviam era pôr quotas ao consumo energético, porque esse é que é o verdadeiro problema, não lhe parece?

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Manuel

Penso que não concordo consigo quando usa o termo "Ocidental". Se identifica o Ocidente com o actual modelo económico, então estou mesmo em desacordo. O Ocidente é uma matriz civilizacional que já passou por diversos modos de produção: o actual é apenas mais um. Criticar modelos económicos é uma coisa, criticar o ocidente é um perigo, porque não vejo como se pode mudar racional e qualitativamente a não ser no seio desta "nossa" civilização.
Sim, também não podemos comparar uma cidade europeia com cidades africanas! Lenine introduziu um conceito interessante: "desenvolvimento desigual", que podemos retomar em sentido mais aberto para salvaguar a integridade do Ocidente. O actual modelo económico pode ser melhorado, mas não pode ser alagado a todos os territórios da Terra. Os não-ocidentais devem seguir os seus rumos culturais...
Mas concordo consigo quando critica essa terrível visão economicista do mundo e a sua linguagem. Ela é uma das responsáveis pelo eclipse da política: não se debate ideias mas números que encobrem interresses de classe.

Manuel Rocha disse...

Meu caro amigo ET,
:)
Você não devia colocar em causa a bondade dos modelos matemáticos dos humanos para prever o futuro numas coisas e achar que são bons noutras.

Ora os modelos matemáticos que tentam explicar o funcionamento da economia, também funcionam segundo critérios que se apoiam em determinados conceitos explicativos mas que não são verdades universais.

Se usar como constante o pardigma civilizacional da actualidade e como variáveis os preços dos factores com que ele funciona, os resultados que obtem até podem ser os que refere. Digo “podem” e não digo “são” porque se entrar em linha com custos marginais não sei se serão…

Basicamente a lógica conceptual em que o Alf apoia a sua argumentação é a de que a casa que gostava de ter na Zambujeira deveria ter 300 m^2, seria feita com tijolo de Leiria , isolamentos fabricados em Ovar, azulejos e pavimentos de Carrara , telha de Valencia,madeiras de Riga, janelas panorâmicas etc e tal. Porque é este o seu paradigma ( faça-se de conta, ok ? ) e aos preços actuais claro que seria um luxo – o seu BMW - e portanto mais cara ( bem...ainda assim depende...) que um apartamento na urbe! Mas e se a casa fosse feita de taipa e madeira locais e tivesse 125 m^2 , não ficaria mais parecida com um 2 CV ? E os beneficios marginais da ocupação do território, quais seriam ?

O caso é que se aceita como bom o sistema dominante de formação de preços, e em lugar de termos uma economia de gestão de recursos, temos uma deseconomia do preço. Dai o dogma de que a vida em cidade representa uma economia global significativa. Gostava de ver essas contas refeitas entrando em linha com os custos de manutenção de um território desertificado ( por exemplo, o custo de manutenção de um dispositivo de combate a fogos florestais ). Percebo que ao liberalismo capitalista interesse bastante essa leitura de curto prazo. Fora isso, demonstre-me os benefícios sociais a médio longo prazo dessa politica numa óptica económica de gestão de recursos e não de gestão monetária, e eu calo-me na horita !

Manuel Rocha disse...

Francisco,

É claro que a referência do texto é para o modo de produção.

Quanto à comparação entre as cidades, nos casos concretos que refiro acho que não só se pode como se deve. As capitais do colonialismo construídas nos anos sessenta não eram cidades africanas, mas cidades europeias em África, atenção ao “detalhe”…:)

O texto não pretende apontar para um modelo universal do que quer que seja. O objectivo é apenas chamar a atenção com casos concretos ( nem todos em África ) para a vulnerabilidade de um modo de vida ( urbes de grande dimensão ) que depende de enormes mínimos críticos de energia para assegurar o seu funcionamento.

Quanto ao rumo dos não ocidentais, eu até concordo consigo, mas repare que onde ainda não somos paradigma, fazemos todo o possível para o vir a ser, portanto….

Anónimo disse...

Manuel disse
"Será imprescindível uma pós-graduação (...) para se perceber que o pressuposto de disponibilidade permanente, imediata e em potência, que o nosso paradigma civilizacional incorporou como condição estruturante na sua relação com o uso da energia, é um problema ?"
Só será um problema se a disponibilidade não for (quasi) permanente. Com a globalização é perfeitamente possível que ocorram soluços: tipo o Irão explodir em chamas, mas temos sempre a Nigéria (ou vice-versa). Creio que não se prevê minimamente uma crise brusca no fornecimento se pensarmos a nível global.
Diria ainda que não há alternativa. Embora se possa pensar num qualquer modelo alternativo seria preciso fazer o downsizing e enveredar pelo novo paradigma. Quem optar por tal via perde no curto prazo mesmo que a nova via pudesse ter vantagens face à actual (esta é uma das razões porque acho que Quioto ou similares não têm qualquer viabilidade MESMO QUE fosse verdade que as temperaturas subiam 1ºC/década devido ao CO2 antropogénico).
Temos ainda que a energia pode ser fornecida e utilizada de múltiplas formas, pelo que a casa de tijolos sobre fundo sísmico tem várias ligações entre os tijolos, não cairá às primeiras, embora localmente (Luanda, Kosovo, etc) possa ruir.

"(...) o ambiente social dominante de crise da memória e do conhecimento, deixa a cidadania sem as ferramentas intelectuais necessárias para um contributo sólido à boa decisão politica. (...) Mas isso não deve servir de pretexto a excluir da esfera pública o direito de ter opinião. Pelo contrário. Mas ao dever do conhecimento fundamentado das matérias sobre as quais importa que se tenha e se expresse opinião, terá que estar associado o dever não menos importante de tornar esse conhecimento acessível."
Este é um post completamente novo!!

"(...). Mas a síntese final optimizada não consegue disfarçar que um consumidor de pequena dimensão como Portugal irá continuar a não conseguir resolver mais de 30 % da desejada autonomia para suprir o funcionamento da estrutura de consumos instalada."
Qual é o problema? Podemos contrapor que um dado produtor com superavit de energia nos forneça em troca de outros serviços ou bens que nós em que sejamos nós superavitários.

"(...) discutir com um electrotécnico se as perdas na distribuição eléctrica são de 10 % e podem ser de 5 % , ou (...) constitui uma olímpica perda de tempo !"
Pelo contrário, significam uma mais valia para empresa distribuidora e ganhos/unidade de energia gasta para o consumidor final (se esta melhoria de eficiência se reduzir nos custos). O problema pode ser que os recursos que o utilizador final poupa são muitas vezes gastos em ... mais energia!!

"Além disso, será ainda uma perda de tempo desonesta se se tiver consciência de que não é a mesma coisa acabar-se-nos a gasolina quando nos falta percorrer 70 % de um percurso de 10 km ou de 1000 km ! Ou seja, os 70 % de energia que não vamos conseguir auto produzir no médio prazo, correspondem a um valor absoluto que os números relativos não conseguem exprimir, pois em bom rigor decidir fazer a pé 7 ou 700 quilómetros que faltam para terminar um percurso, são realidades bem distintas, cuja abordagem não pode limitar-se a um exercício de fé numa “boleia” salvífica."
O raciocinio não me parece válido. Assume que se tem de chegar ao fim da estrada. O conforto (onde presumivelmente se gasta a maior parte da energia) não faz parte das nessidades básicas do Homem. Podemos não poder pagar o ar condicionado ou ir passar férias ao Algarve (assumindo que a gasolina ficou ao preço do ouro) mas conseguiremos chegar ao emprego se se juntarem 4 pessoas no mesmo automóvel.

"A quem genuinamente pensa que não é assim, e continua defensor das virtudes das ocidentais certezas na bondade do modelo de ordenamento centrado em grandes metrópoles concentracionárias e respectiva logística energética ( mais “económica”,como dizem alguns especialistas), (...)"
Haverá certamente alguma função a N variáveis (electricidade, petróleo, segurança, tempo perdido em deslocações, meios de transporte públicos, investimento na "metrópole", etc, etc) quantificadas monetariamente cujo resultado (um dado custo per capita) será uma função com possivelmente vários mínimos (várias soluções optimizadas de tamanhos/características) e zonas de atracção. No entanto tal falhará muitas vezes devido à estupidez muitohumana (e da evolução em geral) do pensar a curto prazo: se A ficou rico porque construiu um prédio de 10 andares, no ano seguinte temos 500 novos prédios construídos e poucos novos ricos, ou há empregos na cidade X logo temos uma migração em massa para X, que geram problemas, cujas tentativas de solução levam a mais problemas e no final temos qualquer coisa menos optimizada.

"Em todos estes casos a questão é a fragilidade de sustentação de um modelo de grande escala quando por qualquer razão não se conseguem assegurar os elevadíssimos mínimos críticos necessários ao funcionamento dos complexos sub-sistemas absolutamente interdependentes que o compõem."
Daí a necessidade de diversificação: a produção eólica, embora, na minha opinião, já chegue; mais pontes para Lisboa, desconcentrar os locais e horários de trabalho, etc.

"Mas não ser adepto de projecções catastrofistas não significa que se tenha de pactuar com o culto pacóvio do liberalismo burguesinho que nos leva socialmente à recusa de nos adaptarmos por antecipação a uma mudança de paradigma na governança energética."
E a proposta de solução é... (só aceito soluções economicamente mais vantajosas do que as actuais :)

"Obviamente que também a estes fazia falta um estágio de uma semana inteira tendo por único alimento três mangas, apesar de andar com dois mil dólares no bolso das calças. Nessas alturas percebe-se melhor a artificialidade de certas criações do espírito dos homens, como a suposta universalidade da “lei” da oferta e da procura."
Ao final de uma semana a andar teria encontrado alguém para quem os dois mil dólares tivessem valor. A questão do valor intínseco do dinheiro e da confiança que é preciso para que este funcione é algo que mal consigo vislumbrar. E já estou há uns anos à espera de uma crise na Bolsa superior à de 1929, bem como a contar com a desvalorização completa dos edifícios devido ao excesso de oferta.

"O caso é que se aceita como bom o sistema dominante de formação de preços, e em lugar de termos uma economia de gestão de recursos, temos uma deseconomia do preço. Dai o dogma de que a vida em cidade representa uma economia global significativa. Gostava de ver essas contas refeitas entrando em linha com os custos de manutenção de um território desertificado ( por exemplo, o custo de manutenção de um dispositivo de combate a fogos florestais ). "
A sociedade capitalista é individualista. Vide a problemática do Dilema do Prisioneiro (Teoria dos Jogos).

Alf disse
"Tanto assim é que eu até conheço quem tenha estudado a possibilidade de "fechar" as inúmeras aldeias deste pais por causa do que elas custam."
A ideia parece-me interessante e defensável. Poderiam facilmente ser reconvertidas em aldeamentos turísticos para estadias de uma semana :)

"(...)Um passo em frente será quando o indicador for invertido - quanto mais avançado, menos gasta. Em vez de andarem com cotas sobre o CO2, deviam era pôr quotas ao consumo energético, porque esse é que é o verdadeiro problema, não lhe parece?"
Como dizer a alguém que ganhe 5000 euros/mês: não podes usar ar condicionado e a cilindrada do teu automóvel não pode exceder os 1000 cc!

Manuel Rocha disse...

Osvaldo,

Basicamente estamos de acordo.
Há algumas linhas de raciocinio que o Osvaldo segue que não levaram em conta uma das condições que deixo no texto e de que toda a gente fala imenso : sustentabilidade !

Como esta para mim se define em termos energéticos ( input / output energia ), é como eu digo: retirem-na do discurso oficial que eu altero logo o meu ...:))

A metáfora dos 700 km por percorrer é relativa à sustentabilidade energética dos modos de vida futuros, e não necessáriamente a um "destino".

É nessa linha de raciocinio que continuo a achar que andamos a discutir "amendoins" e o respectivo "preço", por definição sempre conjuntural.

De resto, se a tal estupidez muitohumana ( ou será apenas ganãncia imediatista ? ) de que o Osvaldo bem fala não fizesse parte de todo o processo, estariamos sem assunto. O caso é que faz. Sempre fez. É por isso que considero que quem acredita nas virtudes da extensão do liberalismo aos serviços públicos estruturantes ( como a produção / distribuição de energia ) faz parte da solução e não é mais uma variável para o problema é no minimo muito cândido...:)

Que somos individualistas, Osvaldo, já sabemos. Mas quem responde pela gestão do social terá de fazer contra-corrente, não ?

antonio ganhão disse...

Bem, eu já me sinto a viver num musseque, mas Manuel e Alf decidam-se! Afinal o que fazemos?

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

A "sustentabilidade" refere-se apenas a garantia da reprodução do sistema capitalista, pelo menos no discurso oficial. Porque o capitalismo é na sua dinâmica de crescimento anti-ecológico, portanto, destrutivo! As políticas do ambiente raramente vão à raíz dos problemas: a natureza, aliás tudo para o capitalismo, é um meio de criar maiores lucros. Pior, mera fonte de matéria-primas... Tudo o que nasce morre...

Anónimo disse...

Gostei do post e dos comentários. Nestes encontram-se intervenções verdadeiramente interessantes, mas também algumas ingenuidades.
Será que ainda há quem pense que os relatórios públicos de produção e distribuição de energia, como da EDP ou da GALP, são idênticos aos relatórios internos ?
Surprise, surprise! Não são!E quais deles figuram nos relatórios oficiais ? Nem uns nem outros - exactamente ! Sabem para quantos dias temos reservas? Pois é!
Os cenários que se pintam nunca conseguem incluir todas as varáveis importantes para a manutenção do que existe quanto mais para o futuro! Aí então é mesmo um assunto de fé.
Desculpem a colherada.

A.S.Pires

alf disse...

Manuel, eu ia agora fazer uma casa dessas se fosse rico! Que trabalhêra! Eu comprava uma das casinhas que lá existem em frente da praia homessa!

Os custo de que falo não são os custos de construcção, são os de manutenção - já viu o que será preciso para aquecer uma casa daquelas?


Dirá que posso passar frio como os meus avós; mas isso é diminuir a qualidade de vida. Para isso tb posso passar frio em Lisboa e subir pelas escadas em vez de usar o elevador.

E claro que eu não penso que os modelos matemáticos funcionam bem em economia. É mesmo uma área de flagrante insucesso. Como se vê pela actual crise...


Em relação às quotas de consumo de energia, e respondendo ao Osvaldo Lucas, eu esclareço melhor: vender energia é um negócio, dá lucro a quem vende; o preço elevado pode forçar os consumidores individuais a serem algo mais eficientes; mas não pressiona os governos a tomarem medidas globais de eficiência energética.

O problema que o Manuel Rocha tem vindo a levantar é um exemplo disso mesmo. A questão do ordenamento do território, dos meios de trasnporte colectivo, gestão do transito, etc têm grandes consequências no consumo energético. Mas os governos só se vão preocupar efectivamente com isso se estiverem sujeitos a pressões fortes nesse sentido.

Não estando, acontece o que está a acontecer: pequenas medidas avulsas e mais ou menos inconsequentes.

Portanto, eu estou inteiramente de acordo com o manuel rocha de que o problema do consumo energético é gravíssimo e tem de ser seriamente estudado, a nivel do Estado, e vai ser preciso fazer opções de fundo.

Até dei uma sugestão: quotas de consumo de energia por pais, ou em função do PIB, algo no género do que se faz em relação ao precioso CO2.

A minha dúvida estabelece-se apenas em relação a algumas soluções que ele me parece defender. Mas devo dizer que são duvidas de palpite, não fiz contas.

Anónimo disse...

Manuel,

Quando li o titulo do post fiquei felicissima, pensando que ia ler uma prosa apologética da cidade onde nasci...e sai-me "isto" ( risos ). Estou desconsoladissima!

Agora na parte séria, tive relatos bastante mais detalhados do colapso a que o Manuel alude, e se bem que a maioria de nós tenha tendência para deitar as culpas para cima do desgoverno daquela gente, não posso deixar de pensar que se o elevador do meu prédio deixasse de funcionar por algum tempo eu não teria como continuar a viver no nono andar que habito, bastaria isso, quanto mais se também não houvesse àgua e se os esgotos não funcionassem.

Matilde

Anónimo disse...

ASPires
"Será que ainda há quem pense que os relatórios públicos de produção e distribuição de energia, como da EDP ou da GALP, são idênticos aos relatórios internos ?
Surprise, surprise! Não são!E quais deles figuram nos relatórios oficiais ? Nem uns nem outros - exactamente ! Sabem para quantos dias temos reservas? Pois é!"

Questão de escolha(s) múltipla(s)
a) A informação não é relevante para a população em geral
b) É obrigatório por lei escrever qualquer coisa
c) Como só uma ou duas pessoas sabem a verdade é possível ocultar os valores reais
d) Muitas pessoas sabem a verdade mas consideram que não é relevante
e) É por causa dos pequenos accionistas
f) Os Revisores Oficiais de Contas só vêem números
g) Ao Estado só interessa os 20% do IRC
h) _______ (fill in the blanks)

Alf
"Mas os governos só se vão preocupar efectivamente com isso se estiverem sujeitos a pressões fortes nesse sentido."
Mas a energia é dos principais contribuintes a nível de imposto!!

"Até dei uma sugestão: quotas de consumo de energia por pais, ou em função do PIB, algo no género do que se faz em relação ao precioso CO2."
Hummm, pagamento de energia em escalões como a água, e/ou mais cara a partir das 23:00 p.e., parece-me possível para consumidores individuais. Mas tendo em conta a estrutura de custos (face ao rendimento disponível) das famílias não creio que a procura versus preço fosse muito elástica.
A única maneira de poupar parece-me ser por imposição legal a cortar no não possa ser considerado pessoal, ou se o for que atinja a população como um todo.
Ou então compramos quotas de MWh! :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Enfim, Portugal é uma FALSA ESTATÍSTICA! Que beneficia apenas os seus "dirigentes"! A manipulação dos cálculos é uma prática terrível: uma mentira corrupta. :(

el.sa disse...

Manuel,
A forma como apresentas a sustentabilidade rompe com algumas das ideias que tinha ou vou tendo sobre a energia.
Do ponto de vista global, sinto mesmo que precisava de um curso superior para debater esta questão com conhecimento de causa.
na perspectiva individual, as tuas exposições têm contribuido para lhe atente mais na questão da "energia"...
Beijinhos civicamente energéticos***

el.sa disse...

Errata:
Onde se lê "na perspectiva individual, as tuas exposições têm contribuido para lhe atente mais na questão da "energia"..."
Deveria ler-se:
"Na perspectiva individual, as tuas exposições têm contribuido para que atente mais na questão da "energia"..."
Beijinhos corrigidos :) ***

Manuel Rocha disse...

Feitixeira,

Quem é curioso e não gosta de andar por aí em rebanho trilhando apenas os carreiros que os outros fizeram, encontra sempre novos percursos por desbravar.

Discordo da necessidade do curso superior. Acho mesmo que pode até ser um empecilho, pois empreender estas viagens munido da "artilharia clássica", é o mesmo que ir fazer montanhismo de sapatinho de vela..:)Basta que não se perca a capacidade de questionar, que se dê uso ao espirito critico e não se aceitem os argumentos de autoridade como "verdades universais"...:)


Osvaldo,

Gostei da ideia do mercado de MWh...:) Se o "Rei do Carbono" ( ex-greenpeace, ao que consta... ) ouve falar disso, larga já a sementeira de ferro que anda a fazer no Pacifico e vem rentabilizar essa nova "oportunidade global"...:)))


Francisco,

Tem a certeza que os "dirigentes" são todos nacionais ? Eu não teria...