quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

A Sustentabilidade das Energias Alternativas

Ao procurar melhorar os seus níveis de bem estar e de progresso, as sociedades ocidentais atingiram níveis de utilização de energia assinaláveis. É um facto.

Contas feitas pelo Eurostat para 2006, davam conta de que a UE a 25 consumia per capita o equivalente a 3,6 toneladas de petróleo, e ainda assim muito longe dos EUA que, com uma capitação equivalente de 7,8 toneladas, liderava o ranking mundial.

Em consequência, por razões de preço, de escassez, ou de origem geográfica, a dependência das fontes de energia que têm suportado a grande fatia destes consumos, nomeadamente as fontes fósseis, constitui um factor de insegurança numa sociedade que, nas últimas décadas, tem visto o seu funcionamento estruturado sob a ditadura desta dependência. As contas do Eurostat indicavam que 52 % da energia consumida na EU a 25 em 2006 era de importação, e essencialmente composta por petróleo, gás e seus derivados que, juntamente ao carvão, constituem cerca de 80 % das fontes da energia consumida na União.

Daí que as energias alternativas tenham entrado com naturalidade no discurso corrente de qualquer frequentador de café, granjeando a simpatia geral. Jornais e telejornais dão ampla cobertura a uma infindável parafernália de especialistas dos mais variados quadrantes, para quem tudo tem solução alternativa. Do etanol ao biodiesel, das eólicas às fotovoltaicas, estas fontes de energia são apresentadas com honras devidas a coisa revolucionária. A tal ponto que se fica com a ideia de que da dependência energética ao aquecimento global, não haverá nada que elas não sejam capazes de resolver.

Há no entanto nesta dinâmica, que por razões nem sempre energéticas e raramente ambientais passou a ocupar lugar central na agenda dos média e do poder, algumas questões sobre as quais vale a pena reflectir. E desde logo o uso indevido que nelas se faz de conceitos capazes de passar para a opinião pública uma imagem distorcida e desfocada da principal questão que efectivamente deveria ser central numa reflexão em matéria de energia: precisamos de fontes alternativas de energia ou de politicas de energia alternativas ?

Os conceitos foram criados para dar sentido à comunicação. No entanto, a escolha de vocábulos para os dizer, ao pretenderem significar o que não significam, acabam por conduzir à criação de autênticos mitos. É o caso do conceito de “alternativo” aplicado à energia.

A qualidade do que é alternativo é atribuída à coisa que pode ser utilizada em lugar de outra. Perante o actual panorama de utilização de fontes de energia, em que claramente predominam as de origem fóssil, quando se fala de “energia alternativa” deveríamos portanto subentender que se alude a uma fonte que pode substituir as fontes fósseis, que são classificadas como “fontes clássicas”. Assim sendo, as fontes ditas “alternativas” teriam de ser capazes de substituir as que se usam, produzindo a mesma quantidade de energia. E as “alternativas renováveis”, teriam, além disso, de ser capazes de se regenerar ciclicamente para assegurar sempre o mesmo nível de disponibilidade. Se as estes requisitos acrescentarmos a necessidade de “fontes limpas”, completa-se o quadro com a necessidade de, da sua produção e uso, não decorrerem impactos irreversíveis.

Ora no caso da Europa a 25, as desejadas fontes de energia alternativas, renováveis e limpas, teriam então de ser capazes de suprir os tais 80 % do consumo energético da União, pois é dessa ordem de grandeza a dependência Europeia de fontes “clássicas” de origem fóssil ( carvão, petróleo e gás natural ) que, como se sabe, não são renováveis nem são limpas.

O esclarecimento dos conteúdos destes conceitos não é um preciosismo semântico, e disso demos conta em posts anteriores em que se tentou abordar a inviabilidade do projecto Europeu de substituir até 2010, 5,75% do consumo de diesel por biodiesel, solução que vem sendo divulgada como alternativa, renovável e limpa.

Os mesmos problemas de escala que se colocam à produção dos biocombustíveis podem ser extrapolados para as restantes fontes de energia ditas alternativas. Porque uma coisa é a natureza da fonte, outra, completamente distinta, o método de extracção do seu potencial energético. De facto, o uso do vento para limpar o trigo numa eira, do sol para o secar ou da água para mover as pedras da azenha que o farinava, poderiam ser considerados usos limpos, porque os impactos inerentes eram facilmente diluídos dada a sua reduzida escala. Mas, quando daí se passa para os aerogeradores, para as barragens hidroeléctricas ou para os campos de painéis fotovoltaicos, o panorama muda completamente. Muda porque se trata de uma tecnologia de aproveitamento diferente. Muda pela natureza dos processos industriais associados à respectiva construção, seja pelo tipo de matérias primas que utilizam, pela incorporação massiva de energia que o seu fabrico e instalação pressupõem , ou ainda pelos impactos directos que têm no ambiente dos territórios em que são localizados ( acessos viários e de rede eléctrica ). Mas muda sobretudo pela escala pressuposta, que conduz a rupturas permanentes. Em grande escala, impactos que poderiam ser resolvidos pelos ciclos naturais e por conseguinte toleráveis, deixam de o ser.

Nessa acepção, não são limpos os impactos directos dos campos de aerogeradores , nem das barragens sobre as bacias hidrográficas em que são construídas. Não são limpos os impactos indirectos decorrentes dos processos de fabrico nem do betão das barragens, nem das ligas metálicas dos aerogeradores, nem dos componentes dos painéis fotovoltaicos, nem de toda a logística associada ao seu transporte, instalação e operação. Também não é limpa a energia nuclear, pois além dos riscos associados à sua exploração, continua por resolver o destino dos lixos radioactivos que produz. Mesmo em relação ao eventual desenvolvimento da tecnologia da combustão do hidrogénio, que não tem dióxido de carbono mas apenas água como subproduto, e que por conseguinte e nessa acepção, poderia ser considerada uma fonte de energia limpa, importa que se diga que o processo de produção, quer de hidrogénio quer dos motores que o utilizam, é tudo menos limpo. Todos têm impactos e impactos significativos, que vão muito para além da emissão de CO2 e outros gases com efeito de estufa! E se produzidos em grande escala esses impactos tornam-se incomportáveis!


A abordagem das questões associadas às fontes de energia ditas alternativas padece pois de vários vícios.

O primeiro é considerá-las como alternativa por oposição aos combustíveis fósseis, ditos clássicos, quando na prática o seu uso é anterior a estes. Se exceptuarmos o nuclear e o hidrogénio, elas são antigas. O que mudou não foram as fontes, mas a tecnologia de aproveitamento , o uso e a escala em que são solicitadas !
O segundo, é que são apresentadas como alternativas em relação às fontes fósseis quando, no estado actual do conhecimento da ciência e da técnica, mesmo juntando todas as soluções que têm sido preconizadas e ignorando os seus impactos , elas não seriam capazes, por razões de inviabilidade intrínsecas à escala pressuposta, de suprir nem o modelo de utilização vigente, nem os níveis de consumo instalados com base nos combustíveis fósseis.
O terceiro, é serem consideradas renováveis, quando na prática as quantidades em que é suposto serem produzidas são de tal ordem que, ou não há espaço, ou não há vento, ou sol , disponíveis para as suprir.
O quarto, é que, pela mesmas razões de escala, estas fontes de energia também não são limpas. Os meios de produção, exploração e distribuição que envolvem, mantêm ou conduzem a impactos que estão para lá da capacidade de suporte dos sistemas em que se situam.
Em quinto e último lugar, porque mistificam a questão energética. O problema energético da humanidade, e muito em particular das sociedades ocidentais, não é um problema de fonte, mas de consumo.


A discussão centrada na procura de fontes de energia alternativas corre, por isso, o risco de funcionar como fait-divers para essa outra realidade muito mais contundente e determinante que tem que ver com modelos e padrões de consumo irracionais, e que só se resolve com políticas alternativas que claramente ponham a tónica na sua redução.


No caso da energia, essas políticas passarão pelo uso de fontes diversificadas, implicando revisão urgente de critérios de ordenamento do território; passarão pelos preços ao consumo, por soluções arquitectónicas e de engenharia; passarão eventualmente por miríades de outras questões técnicas, económicas ou financeiras; mas por onde não podem deixar de passar é pela revisão do paradigma da sociedade de consumo e pelo controlo do Estado sobre os sectores estratégicos da economia. A menos que se esteja a ver o Comendador Joe Berardo ou o Senhor Américo Amorim preocupados com a sustentabilidade energética do nosso modelo social…

15 comentários:

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Começo a ficar entusiasmado com a sua causa: De facto, precisamos de políticas de energia alternativas que, como diz, pomham a tónica em modelos e padrões de consumo "irracionais". O modelo de consumo vigente é absolutamente irracional a diversos níveis e não podemos sacrificar tudo para fingir viver numa sociedade de "mocinhos satisfeitos" que apenas satisfaz realmente o ego desses capitalistas. Este capitalismo está cada vez mais irracional.
Porém, penso que não fazemos mal em explorar essas novas energias, aliás antigas, apesar de não serem limpas. Isso não é incompatível com as novas políticas de restrição do consumo irracional. Os dados que refere são elucidativos: tanto petróleo per capita! E ainda por cima de "cabecinhas vazias"! Não faz sentido!
A educação é a via, desde que apoiada politicamente. Neste ponto, penso que a eliminação das humanidades, das artes e da pesquisa científica fundamental (diferente da encomendada), a que assistimos, pode ser destrutiva! O problema é que nunca tivemos bons "intelectuais" e professores nessas áreas, devido em parte à corrupção vigente nos mecanismos de recrutamente e à degradação do ensino após 25 de Abril! Os politicamente ambiciosos colonizaram todo o ensino e eles são ignorantes! É por isso que não acredito nas reformas da educação em curso e não percebo como o PS mantém algumas cabeças laranja à frente, precisamente aquelas que destruiram a educação, sobretudo nos governos de C. Silva!
Os partidos estão corrompidos. Ontem, ouvi Jorge Coelho branquear o caso "casino de Lisboa"!!!! Só uma catástrofe natural selectiva nos pode salvar! :))

alf disse...

Tudo isto é inteiramente verdade mas o foco do problema está mal equacionado na minha opinião.

O Problema é: como manter e aumentar a qualidade de vida gastando menos energia.

Porque se tomamos como objectivo simplesmente "gastar menos energia", rapidamente aparecem pessoas a defenderem as soluções do costume, como as que, de facto, estiveram por detrás das guerras mundiais. Soluções do tipo: se se exterminarem uns milhões já se corta no consumo de energia. Soluções que advêm da ideia que o mal do planeta é existirem Humanos, os recursos são escassos, isto não chega para todos, vamos acabar com os outros antes que fiquemos pendurados.

Portanto, esta é a questão: "Como gastar menos energia aumentando a qualidade de vida?"

Sugestões?

alf disse...

Manuel, parece-me que este post tem muito a ver com o meu post de hoje "As Fases da Vida" (fase IV)... embora possa não ser óbvio. Não é plágio nem estamos combinados eheheh... mas estamos a colaborar bem!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Alf

A maneira como coloca o problema "como manter e aumentar a qualidade de vida gastando menos energia" é muito conservadora. Aceita a noção ideológica de "qualidade de vida", ao mesmo tempo que pretende aumentá-la. O mesmo modelo que nos leva à ruína! :)

A Comunidade disse...

Alf
A solução é mesmo acabar, não com os outros, mas com os próximos.

Manuel Rocha disse...

Carissimos Comentadores,

Juntamente ao meu sincero obrigado pela V participação nesta discussão, agradeço que tenham na devida conta que este post não pretende ser um manifesto "anti-alternativas" ! Nada disso ! A questão aqui é a mistificação a que essa designação nos pode conduzir ( e conduz ) ao fazer crer a muito boa gente que há capacidade efectiva para substituir ( com a tecnologia disponivel ) os niveis de consumo de energia existentes pelos mesmos niveis de produção a partir dessas tecnologias. Não há ! E muito menos se o quisermos fazer de forma "renovável" e "limpa". Porquê ? Razões de escala ! Tão simples quanto isso.

Anónimo disse...

Não sei se não seria teoricamente possível substituir os consumos clássicos actuais por energias alternativas, desde que se produzissem os meios de as obter (painéis, eólicas, barragens, etc), se conseguissem ganhos de eficiência significativos (fotovoltaicas e ondas/maré) e as adaptações óbvias nos tipos de máquinas que as utilizariam.
Mas de certeza que seria caro, mas mesmo muito caro e com consequências óbvias (falta de terrenos para produção agrícola, problemas ecológicos sérios, etc) face a uma possibilidade, reduzida, (ou pelo menos de dimensão/impacto questionável) de tal acontecer com o recurso até á quase exaustão dos combustíveis clássicos.
Quando estes estiverem quase exauridos as alternativas passarão a fazer automaticamente jus ao nome.

Manuel Rocha disse...

Pois, Osvaldo, esse é um raciocinio válido.

Mas um destes dias que tenha vagar e disposição para isso, sugiro-lhe o seguinte exercicio académico: pegue por um lado nos consumos de energia de uma pequena metropole como Lisboa; do outro lado duplique as performances das tecnologias alternativas hoje conhecidas ( desde os biocombustiveis às eólicas e fotovoltaicas...); transforme o resultado não em custos, como sugere, mas apenas em áreas de ocupação e depois conte-me a surpresa que teve....:))

Manuel Rocha disse...

Blue,

O tripé que sugeres é válido.

Mas para que funcione há pressupostos de reordenamento do espaço e da actividade económica que talvez se revelem complicados.

Assunto para próximo post...:))

alf disse...

Meus caros

Creio que ainda não se focaram bem no problema. Como o Manuel Rocha muito bem mostra, o problema da energia não pode ser resolvido com as "alternativas". Só há uma solução: gastar menos energia .

Mas, é claro, ninguém quer gastar menos energia porque associa isso a diminuir a sua qualidade de vida. Então entra-se em raciocínios desviantes e culpabilizantes dos outros, do sistema, dos capitalistas, etc.

Não querem centrais nucleares? Não usem os elevadores, por exemplo, assim não é preciso tanta electricidade. Baixem a iluminação das escadas, ponham um interruptor em cada piso que só acende esse piso. Ahhh, não querem prescindir dos elevadores, nem do ar condicionado, nem de ir de carro para o emprego, nem das férias no estrangeiro? Então têm de ter centrais nucleares!

Agora decidam-se, não podem é querer tudo e não pagar o preço

Ou podem?

Bem, podemos começar a pensar nessa linha. Se calhar, há soluções que nos permitem ganahr qualidade de vida e poupar energia.

As casinhas autosuficientes e isoladas no campo saem caríssimas em termos energéticos - é o combustivel para ir e vir, só para ir ao mercado são 50 km, é preciso estradas e uma data de coisas, até centros de saude...

Sai muito mais barato concentrar as pessoas em metrópoles de dimensão equilibrada. Organizadas de forma racional, só que ninguém ainda conseguiu descobrir qual é a melhor racionalidade. Mas começa por aqui a racionalização do consumo de energia.

Estão de acordo comigo em como a questão é: como gastar menos energia mantendo a qualidade de vida? o recurso Às alternativas não é uma solução, é um paliativo, como o Manuel mostra.

Tiago R Cardoso disse...

Já no post anterior comentei e concordo consigo, neste momento o grau de desenvolvimento tecnologico é muito inferior ao que é exigido por essas normas e pressões que são feitas para a substituição dos combustíveis fosseis.

No caso especifico do Biodisel, levado ao patamar do salvador do mundo.

Seria importante referir e insistir, como o Manuel tem vindo a fazer, que para se conseguir o que se pretende com este "salvador2 do mundo, teríamos de entrar numa infernal corrida a cultura intensiva, passaríamos a um esgotamento dos terrenos, à ocupação de diferentes terrenos com uma mesma cultura. Esgotados, passaríamos para outros países, situação que começa já acontecer no Brasil, onde o derrube da floresta está a ser intensificado para transformar os terrenos em zonas agricultas.

Concordo que precisamos de conseguir urgentemente acabar com a dependência do "fóssil", no entanto não podemos nem devemos, avançar por um caminho que tentado salvar o doente acabamos por o matar na mesma.

alf disse...

Bluegift

Ooops, saíu-me mal o comentário! Ele há momentos infelizes... O que eu quiz dizer é que vivermos em moradias no campo, mesmo que muito ecológicas, seria um desastre ambiental.

O peso das deslocações é tão grande que há que procurar soluções que minimizem o deslocamento das pessoas, para o trabalho, para a escola dos filhos, para o lazer.

Antigamente isso seria possivel porque a vida tinha outros parametros, para alguns melhores que hoje, mas a maioria não está diposta a trocar. Mas mesmo antigamente isso tinha custos ambientais.

A questão não está em a casa ser ecológica, está na organização das pessoas e do território. Evidentemente que as casas devem ser o masi ecológicas possivel

antonio ganhão disse...

O Manuel é um desmancha-prazeres!

Estavamos no bom caminho com o biodiesel, os aero-geradores e os paineis solares que vão ser instalados em Beja!

Em breve teriamos excesso de energia alternativa! E vem o Manuel dizer que não. E logo surgem propostas de extermínio colectivo...

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Parece que não falamos todos a mesma "linguagem". Uma ou outra dissonância opinativa! Que venha o próximo post! :)

quintarantino disse...

Manuel, perdoa a minha preguiça ...
eu bem te percebo e bem te entendo, mas fico sempre cá com a minha "pulgazita" atrás da orelha ... afinal, onde vamsos encontrar, e em que modelo, a salvação?