terça-feira, 16 de novembro de 2010

A Propósito do Azeite

A generalidade das ideias que têm sido propostas para ultrapassar o que tem vindo a ser diagnosticado como ‘estado anémico’ da economia nacional, referem habitualmente a necessidade de obter ganhos na produtividade, de melhorar a competitividade, de desenvolver o potencial de crescimento da economia e por aí, espera-se, fomentar o emprego. Quando se fala destas questões, isso é feito como se fossem obvias para todos as origens dos problemas que se pretende resolver. Ora a discussão especifica mostra que não é bem assim. O debate politico-económico bloqueia na descrição dos factos macroeconómicos, e revela claras insuficiências no entendimento critico das dinâmicas sociais que as politicas concretas induzem a níveis mais desagregados.

Concretizo.

Há dias foi inaugurada em Ferreira do Alentejo (FA) uma unidade industrial que é descrita como um dos maiores e mais modernos lagares de azeite do mundo. Uma capacidade instalada para processar mais de 900 t de azeitona por dia produzindo qualquer coisa como 200 mil litros de azeite, são números impressionantes. Para se ter uma ideia do que isto significa repare-se que junto à Estação do Crato está em funcionamento um lagar convencional, que era modelar há 25 anos, mas que processa numa campanha o que este de Ferreira poderia processar num dia. E, dado importante, enquanto o lagar do Crato dá trabalho permanente a uma dezena de empregados e temporário (durante a campanha ) a outros tantos, ao de Ferreira do Alentejo bastam quinze pessoas para operar a unidade !

Portanto, por comparação, os ganhos de produtividade são inquestionáveis e, por arrasto, a competitividade do produto final só pode beneficiar por isso. Mas e o emprego ?

Por si só a desproporção observada nas necessidades de mão de obra bastaria para fazer soar algumas campainhas de alarme quanto ao real impacto da produtividade e da competitividade da industria, neste tempo das novas tecnologias, na resolução de problemas estruturais de excedentes de mão de obra. Mas o caso é que os efeitos das novas tecnologias no emprego na fileira do azeite, não se limitam ao sub sector da transformação.

Os 10.000 ha de novos olivais intensivos que irão alimentar o lagar de Ferreira, também estão naturalmente desenhados para maximizar a produtividade e a competitividade. Quer isto dizer que só no que à apanha diz respeito, um operador e a respectiva máquina de nova geração colhem num dia o que uma equipa de 12 pessoas colhe numa semana num sistema de mecanização convencional ( vibradores, aspiradores, crivos mecânicos, toldos…) que há 25 anos representava o topo de gama.

A comparação poderia prosseguir para montante ou para jusante porque tem inúmeras ramificações. Deixo apenas uma para exemplificar. O método de controlo de infestantes nestes olivais intensivos já não são as ovelhas , mas os herbicidas aplicados mecanicamente pelo mesmo operador que antes andou a fazer a colheita, e que é o mesmo que controla a fitossanidade e a fertirrigação. Não havendo ovelhas, além dos pastores, também tenderão a desaparecer os tosquiadores, os “roupeiros” ( fabricam o queijo ), os veterinários e por aí adiante.

Então não se mudava nada ? A questão não é essa. A mudança é inevitável. O que não é inevitável é que seja liderada pelo modelo económico vigente como se fosse uma entidade com vida própria impossível de controlar.

Enquanto nos anos sessenta e setenta do século passado a industria e depois os serviços foram autenticas ‘esponjas’ para absorver o excedente de mão-de-obra que a mecanização gerou na agricultura, a automação e a informatização que entretanto se desenvolveram estão também elas a gerar excedentes de empregos. Só que agora afectam todos os sectores de actividade e desapareceram as antigas almofadas de amortecimento.

A demografia tem tempos lentos de resposta à mudança. Esse tempos têm sido claramente ultrapassados pela velocidade que a modernidade conseguiu instalar nos métodos de produção e nos modelos convencionados de organização da economia. No caso português, ainda que o potencial de crescimento da economia possa não ter ainda sido atingido, é possível que os reajustamentos nos desequilíbrios entre disponibilidades e necessidades de mão de obra já não possam ser feitos apenas pela (re) qualificação dos trabalhadores. A tendência do paradigma económico vigente tem sido consistente: cada vez precisa de menos gente para funcionar.

No limite, este desacerto entre a economia e a demografia, não se exprime apenas no desemprego e nos custos sociais directos que acarreta, nem se resolve apenas com mais crescimento capaz de gerar receitas bastantes para assegurar á população que não encontre colocação no mercado de trabalho subsídios que lhes permitam fruir de níveis de vida aceitáveis. Esse desacerto tem outros custos que aparentemente têm sido insuficientemente ponderados. Entre eles os custos culturais de longo prazo associados às rupturas que se têm produzido com saberes consolidados nas soluções tradicionais de ocupação e aproveitamento do território. Está  por demonstrar se, a prazo, o somatório desses custos não irá ultrapassar os ganhos de competitividade e produtividade que actualmente se procuram.

Ou seja, confirmando-se o que já se sabia, isto é, que os modelos económicos liberais entregam à volatilidade emocional dos mercados a regulação dos desacertos entre a dinâmica da população e a gestão dos recursos, talvez fosse sendo tempo de trazer á discussão ideias inovadoras para dar corpo a um paradigma e a um modelo de governança que, tendo as pessoas como prioridade, fosse capaz de gerir com o mínimo de rupturas a velocidade a que se processa a mudança.

A aposta na manutenção e na melhoria das condições de operação dos lagares e olivais existentes, seguramente que não iria maximizar as possibilidades que as novas tecnologias implementadas em FA trouxeram ao sector do azeite. Mas muito provavelmente desempenhariam melhor o papel de gerir de forma optimizada o processo de mudança das regiões olivícolas em que se inserem.





9 comentários:

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Excelente! Dá a impressão de que somos governados por pessoas que não sabem pensar e avaliar o impacto dos projectos lançados: aliás esse é o nosso problema nacional. Não temos sido bem governados!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

A competitividade passa pela qualificação humana e aqui - neste domínio - nada foi feito realmente: o sistema bloqueia a competência. :(

Mariana Capela disse...

Gostei muito do post. É importante questionar o valor social da "modernização" tal como vem sendo interpretada. Mas não é fácil. Frequentemente as pessoas que mais clamam contra os impactos da modernização são as mesmas que a reinvidicam. Como bem demonstra neste post, entregue a si mesma a modernização produz regressão.

Lino Camacho disse...

Muito bem visto.
O segundo comentário do Saraiva de Sousa deixou-me logo a pensar na situação do meu vizinho Ventura. Com 55 anos e muito qualificado em electricidade e mecânica, vive há mais de 20 anos da reparação de lectrodomésticos. Vive, não, vivia. Porque desde que se tornou mais barato deitar o avariado fora e comprar um novo em lugar de reparar o velho, que vive do ordenado da mulher que trabalha nas finanças. Qualificação não lhe falta. A competitividade é que não quer saber disso para nada.

José Luiz Sarmento disse...

Mais ócio. Menos mitificação do trabalho como um objectivo moral em si mesmo. Menos dependência do trabalho assalariado como fonte única de rendimento. Menos estanquicidade na divisão entre trabalho e lazer. Melhor remuneração do "capital social" (o reformado que toma conta dos netos para que os filhos trabalhem também "produz"). Mais valorização do estudo como trabalho que é.

antonio ganhão disse...

E a solução? 10% da população trabalha e o restante recebe o RSI?

Anónimo disse...

Muito pertinente este tópico !

Faltou-lhe dizer que este cenário não era de todo o que se esperava quando se projectou o Alqueva. A ideia é que o regadio iria absorver a mão de obra crónicamente excedentária no Alentejo. É como se vê.

J Brito

alf disse...

assino por baixo o que diz o José Luis Sarmento. Trabalhar para sobreviver não é um objectivo, é uma necessidade da qual nos queremos ver livres. Quem é que quer trabalhar num lagar? Só quem não tem alternativa.

Queremos é tempo para realizar sonhos, trabalhar em obra que nos preencha.

A questão por resolver é que a divisão de riqueza pelo emprego não se adapta ao novo cenário que desejamos; este é que é o problema, não sabemos como dividir a riqueza produzida.

joshua disse...

Um punhado de ricos amuralhados na maximização dos seus lucros. Uma multidão alastrante de pobres sem qualquer alternativa.