quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

A Xuxa


Já havia uns bons tempos que não via a Xuxa. Aconteceu há dias cruzarmos caminhos em frente da Casa Inglesa e logo ali abancamos a pôr a escrita em dia.

A Xuxa anda que nem pode!


Professora efectiva na EB 2/3 nº 10 desde que concorreu ao ensino para evitar a fila de desempregados que se estendia à porta de saída do curso de Embalagem em Papel Celofane de Produtos Horto-Frutícolas de Elevada Sensibilidade Estética (foi o único onde conseguiu entrar com a nota que levava do secundário…), vê com natural apreensão as medidas que a Ministra da Educação tem andado a inventar.
- Malvada mulher!- desabafa a Xuxa visivelmente agastada!

Vinte e sete anos de carreira, dispensada há vinte e dois da componente lectiva, 10º escalão, dois mil e tal euritos ao dia vinte e trés de cada mês, certinhos que nem um fuso, a responsabilidade de assinar as notas de encomenda dos livros para a biblioteca que a Irene lhe prepara (a Irene é a funcionária da Biblioteca da Escola e tem tanto jeito que a Xuxa lhe dá carta branca…) e não é que está em risco de ir parar a um lista de excedentários?!

De luto carregado, a Xuxa não tem falhado uma única das manifestações que os sindicatos têm organizado em Lisboa. Vai na manhã da véspera, dá uma volta pelos centros comerciais, faz as suas compritas, encontra-se com a Luísa à saída do emprego, jantam, cavaqueiam e acabam a noite a dançar rumbas na Salsa Latina (a Xuxa adora os ritmos latino-americanos e já fez tantos cursos de danças de salão quantos pôde…). Na manhã seguinte manifesta-se um bocadito, grita de longe meia dúzia de palavras de ordem, vai almoçar com a do meio que é caloira de Marketing Jornalistico e Assessoria Politico-Económica no Contexto do Aquecimento Global (tudo isto escrito em inglês técnico, bem entendido) e regressa nas calmas, segura de que entretanto a Nhureyeva (a ucraniana…) lhe garantiu a boa ordem doméstica.

A Xuxa é honesta: nunca teve grande queda para dar aulas. E as coisas também não se proporcionaram, essa a verdade. Quando efectivou já estava grávida. E depois de duas gravidezes de risco indefenido consecutivas, respectivas baixas, partos, férias, licenças de parto, artigos e noites mal dormidas, quando ao fim de cinco anos teve de regressar às aulas, não se sentia nada à vontade. Aborrecida, foi ao médico que lhe diagnosticou uma depressão dupla e complexa. Convocada a junta médica presidida pelo Carlos…
- O Carlos?!...
- Sim…então não sabes ?!...aquele amigo do Xavier…
(O Xavier é o consorte da Xuxa…)
a Xuxa conseguiu dispensa da componente lectiva e o António...
- O António ?!...
- Sim... o marido da Vicência (a Vicência é amiga da Xuxa desde o berço e já à data era presidente do Executivo) entregou-lhe a Biblioteca e Deus deu-lhe a Ivone!

Dispostas assim as coisas, logo tinha que ser agora, com as moças já criadas e avó, a meia dúzia de anos da merecida e almejada reforma, que lhe querem por a vidinha de pernas para o ar ?!
- Era só o que faltava !!! Comeram-me a carne?Pois agora roam-me os ossos!

Pagas as bicas e as águas, a Xuxa despede-se apressada. É terça-feira, são duas da tarde, os calores do São Martinho ainda aí andam a convidar à praia e ela ficou de ir buscar mais cedo o neto ao infantário.
- Sabes… tem andado com fastio…e o médico receitou ar do mar….
Já de abalada, Xuxa ainda voltou atrás para um último desabafo.
- Tu já reparaste nos olhos dela quando fala? Parece que deitam chispas! Diaba de Ministra…devia dar-lhe uma dor de barriga tão grande, tão grande, que deitasse a correr e quanto mais corresse mais lhe doesse, e se parasse, arrebentasse !!


Nota do autor: Não sendo esta crónica uma obra de ficção, qualquer semelhança com factos ou personagens da vida real, deverá, no entanto, ser considerada mera coincidência !

5 comentários:

anonimodenome disse...

por mera coincidência também conheço a Chucha, de chuchar no erário público, não estás a ver? aquela que é amiga da Dª Cunha?
Mas o mal todo não é da responsabilidade directa do professorado, eles também são vítimas do sistema e de todos os Mistérios da desEducação.
Há dias um prof. de Física escreveu uma carta aberta, de horrores, ao Presidente da República. Ele não tem culpa.
No meu tempo ninguém era assim. Na primária havia uma professora que respeitavamos. Mesmo que não gostássemos dela tínhamos receio da sua régua. Para uns não precisava de usar, para outros zurzia volta e meia. Antipedagógico mas era eficiente.
Agora, até os pais vão bater nos profs e depois ainda recebem o Rendimento Mínimo Garantido e vivem numa casa cedida pela Câmara.
Passam os alunos para se verem livres deles. Um estudo europeu, publicado muito recentemente, sobre a aprendizagem e desempenho a nível de matemática,ciências evidência um Portugal muito na cauda da Europa.

A DªChucha apenas imita e aproveita os facilitismos que vêm das orientações superiores.
Ela é que foi esperta. Dar aulas ? Livra.

a carta pode abrir-se aqui:
http://educar.wordpress.com/2007/11/05/carta-aberta-ao-senhor-presidente-da-republica-portuguesa/

Nota: hoje fiquei a saber que na Finlândia os livros são da escola e o professor é o mesmo nos seis primeiros anos de escolaridade. Apoio sem reservas.

O seu post está muito bem conseguido.

antonio ganhão disse...

Mas por aqui só existem apoiantes do Sócrates?

Ó Anónimodenome, o mesmo professor por seis anos? E se for uma nulidade? E quantos alunos existem numa turma na Finlândia? Quantos?

Quanto ao autor do post, começo a desconfiar que é um daqueles professores destacados para o Ministério...

Manuel Rocha disse...

Li a carta, meu caro anónimodenome.

Obrigado.

É claro que qualquer generalização é abusiva e qualquer estereótipo redutor. Com esta salvaguarda, tentarei ser sintéctico a comentar o seu comentário.

Culpo eu os professores pelos males do ensino ?
Não !
Mas também não os desculpo.

Somos em todos os dominios o reflexo do que somos como sociedade. Pais, professores, governantes, todos terão culpas no cartório. O que me custa é observar a corporativisação de certo tipo de "cadernos reivindicativos" sob uma lógica de vitimização que considero abusiva. Até porque a escola tem efectivamente hoje autonomia e meios para fazer muito mais do que aquilo que faz. A questão é que é normal que quem não seja disciplinado, tenha dificuldade em disciplinar; quem não é organizado, pode ter dificuldade em organizar; quem não sabe, pode não ter como ensinar; quem não respeita, terá problemas em dar-se ao respeito; etc...

Ser professor não será fácil. Mas ser professor não é um género de serviço militar obrigatório. Concorre quem quer !

A analogia com o que se passa dentro de certas policias, é inevitável. Qualquer cabecinha elementar percebe que a missão do policia não é apenas multar cidadãos pacatos. Mas o que parece quando se ouvem certas reinvidicações das corporações do sector é que só depois de terem chegado a funções de facto é que os policias se apercebem que lidar com a criminalidade acarreta riscos fisicos...

alf disse...

Este Bolinas é um balão de oxigénio na blogoesfera! Ando aqui a perder-me na leitura dos vários posts e não resisto a comentar este.

Eu também conheço uma Xuxa, com uma história muito parecida com esta; e já tenho comentado em vários blogues de professores que fazem muito mal em fazer coro com as Xuxas nas críticas à Ministra.

Em vez de queixumes e críticas sistemáticas, o que eu gostaria de ver era os professores a proporem medidas para melhorar a situação - mas isso nada; manifestações só mesmo contra as aulas de substituição. Os bons professores andam enrolados na conversa das Xuxas.

Em minha opinião, falta uma organização de classe aos professores. Isso existe, de alguma forma, em todas as classes profissionais, no mínimo há uma comissão que representa as pessoas em questões não sindicais junto dos respectivos patrões.

O post está magnífico, muito bem concebido, muito bem construído.

antonio ganhão disse...

Depois deste comentário do Alf, desisto! Vou ler o blog da Xuxa.