quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Liberdade e ética democrática

Sabe-se que a conflitualidade é inerente á vida, e depende apenas de dois factores : proximidade e tempo. Ponham-se dois individuos fechados dentro de uma sala e dê-se-lhes algum tempo que chegará o dia em que ao bocejo de um responde a chapada do outro.

Como é que os seres que necessitam de viver em comunidade respondem a este primarismo? De uma forma simples: hierarquia e ordem ! Para o efeito criam-se formas de governo e instituições que estabelecem regras para gerir a conflitualidade em bases tais que esta não interfira com os grandes desígnios que essa comunidade, ou alguém por ela, escolheu para o seu futuro.

Ainda assim, a sociedade em funcionamento gera tensões. E alguns modelos sociais incorporaram mesmo soluções para funcionarem como válvulas de escape dessas tensões permitindo a evolução do modelo com o mínimo de rupturas. É o caso do modelo democrático em uso nalgumas sociedades. Nesse modelo, o estatuto de oposição e as eleições periódicas, funcionam ao mesmo tempo como regularizador e elemento de catarse colectiva, com o óbvio intuito de potenciar os ajustamentos em detrimento das rupturas.

No caso muito concreto do actual modelo social Português, penso que poucos países poderão invocar um paradigma tão de acordo com os pressupostos centrais do conceito de Desenvolvimento como a nossa Constituição. O quadro legal que ela originou estará longe de ser perfeito mas também não se pode dizer que seja mau.

Mas não é por estarem bem definidas e cartografadas áreas de reserva agrícola nacional, de leito de cheia , zonas húmidas ou outras reservas, onde a construção só se pode realizar no quadro dos regimes de excepção normais num sistema que não se pretende draconiano, que não se continua a construir nesses espaços condicionados como se tudo fossem excepções. E os exemplos multiplicam-se porque a imperfeição dos sistemas é inerente à imperfeita condição de quem os usa e os gere - pessoas !


Mas que tem isto a ver com liberdade ?

A resposta dá pelo nome de governabilidade. Não há desenvolvimento possível em regime democrático que prescinda de cidadãos livres, conscientes, empenhados, participativos, mas...governáveis. Isto é, que depois de terem participado nas instâncias próprias dos processos de decisão, sejam capazes de exercer os seus deveres de cidadania.

Numa sociedade aberta e plural, a essa capacidade de cada um individualmente ser capaz de assumir os seus deveres de cidadania e entre eles os limites da sua liberdade de forma a não interferir com a dos outros e com o projecto social em que se insere, pode-se chamar ética democrática

Não há equidade social nem sustentabilidade que se aguentem se individualmente não formos capazes de nos respeitarmos mutuamente, às instituições e aos seus agentes, ao meio em que existimos, à cultura a que pertencemos, às culturas com que convivemos.

A quantidade e a qualidade da informação que a escola seja capaz de implantar nos seus alunos sobre estas matérias, vale nada se eles não incorporarem o essencial, uma vez que a ética não se decreta:apreende-se e reproduz-se! Mas admito que será difícil a um aluno de uma escola cujo presidente do órgão de gestão tem por hábito apresentar-se em traje de praia para reunir com os seus superiores hierárquicos, que atende indiscriminadamente o telemóvel esteja onde estiver, ou cujos professores apupam publicamente o Ministro da Educação com mimos irreproduzíveis, apreenda o significado de coisas tão abstractas quanto essenciais, como auto-limitação e fronteiras da liberdade, e as aplique naturalmente quando tal for requerido, na escola ou fora dela.

9 comentários:

antonio ganhão disse...

Irra! E lá me ponho a ler o texto, a ver no que isto vai dar e eis se não quando lá vem a zurrapa habitual da defesa da ministra! Que os professores são ingovernáveis e que só aumentando o numero de alunos por turma permitirá reduzir a violência nas escolas, isto de acordo com o pressuposto inicial defendido pelo autor assessor ministerial, que os professores se lançaram numa catarse colectiva e que assim não existe assessor que resista.

São os ciclos meu caro e pelos vistos o seu está a chegar ao fim com a saída da ministra… hierarquia e ordem, não serão a chave que vos salvará.

Mas quem sabe, talvez o meu amigo queira fundar comigo uma escola de escrita criativa… antes de sair talvez nos pudéssemos candidatar a um subsidiosito… que me diz?

Manuel Rocha disse...

A parte do subsidio parece-me bem António, mas com o nosso gabarito só se fôr um estabelecimento de ensino universitário...

Precisamos de mais alguém para o corpo docente, faça sugestões...

Quanto à Ministra a eventual saída não me afecta uma vez que a minha assessoria é vitalicia ( herdada de um tio sem filhos...)

Quanto aos professores, nem imagina como tenho pena deles, coitados ! Dos alunos idem aspas, e dos papás e das mãmãs destes nem lhe falo...

Mas que mais se poderia esperar de um socrático ?!...

antonio ganhão disse...

Meu caro Manuel, uma das muitas qualidades que partilho consigo é seguramente a da humildade, claro que estava a pensar mais no tipo pós-graduação (pré-Bolonha, bem entendido.)

quintarantino disse...

É evidente que a convivência social gera conflitualidade entre pessoas; por razões de territorialidade, hierarquia, diferença de opinião.
Naturalmente que existem temas que podem gerar um maior confronto entre pessoas.
Não sendo propriamente defensor da máxima cristã que devemos dar a outra face, pois há casos em que a resposta se impõe, sou dos que, normalmente optam pela contenção ou resposta adequada com tempero quanto baste.

No plano do respeito institucional, obviamente que sou defensor das instituições (pessoas colectivas) mas que isso não invalida que se possam lançar críticas fundadas, assertivas e legítimas às pessoas singulares que, naquele momento, ali as representam.

Já agora, fica a questão para reflexão: e quando a instituição não respeita as pessoas?

Manuel Rocha disse...

Quint:

Quando a instituição não respeita as pessoas, assite a estas o pleno direito à indignação, assim haja autoridade moral para isso.

Porque esta questão de nos indignarmos, para que não passe por mera encenação de choro de crocodilo, pressupõe, penso eu que não se tenha telhados de vidro.

Ora o Quint sabe que não falta por aí quem se indigne defendendo direitos quando sempre desprezou olimpicamente o cumprimento de deveres elementares.

Depois há outra questão complementar que é a da participação em organizações informais mas que têm capacidade de influenciar a vida pública. Ora, precisamos de comentar qual a assiduidade média a uma assembleia de pais ou de cóndóminos ?

O que pretendi chamar à discussão nos dois últimos posts, em boa parte inspirado pelo que tenho lido nas Ideias Soltas, é essa ideia que tenho de que como cidadãos valemos pouco. Não votamos, não participamos, não organizamos, acomodamo-nos e depois, queixamo-nos. Primeiro foi culpa da Primeira Republica, depois do Salazar, a seguir vem o COPCOM, o Mário Soares, o Cavaco, ....

Quer dizer...será que não nos está a escapar nada ?!

Como instituição a sociedade também tem que se respeitar, para merecer o respeito de si mesma. E isso passa pelo desenvoilvimento de uma consciência cívica que não cresceu. Há dias dei-lhe o exemplo da carruagem de comboio que vai cheia e onde um só gajo se dá ao luxo de espancar demorada e metódicamente uma mulher indefesa perante a apatia geral. Como é que quem lá vai dentro pode depois exercer o seu direito à indignação se amanhã se sentir desrespeitado ?!

Fátima Lopes disse...

Tem toda a razão Manuel,

A desresponsabilização generalizou-se.

Um tema que foi muito bem abordado por José Gil no seu "Portugal hoje o Medo de Existir" quando fala da não-inscrição.

Creio que o 25 de Abril trouxe um efeito semelhante ao rebentar de uma válvula. Todas as repressões derivaram num hedonismo e individualismo exarcebados. Em vez de agir por um país agora é mais bolos! (umbigo)

alf disse...

Credo manel! Então o pessoal ía agora participar, exercer os seus deveres e direitos de cidadania??? E depois? Hã? Sim e depois? Como é que podiamos dizer que a culpa era o governo?? depois a culpa do que estivesse mal seria nossa!!! Tschh tcshh... tem pai que é cego...

Os professores por exemplo, veja se lá se caem na asneira de se organizarem, de terem uma associação qualquer que os qualifique como parceiros sociais?

Bem se esforçou o amigo J. Sarmento (http://legoergosum.blogspot.com/)
mas qual o quê! Um sindicato comunista com o mesmo poder instituido desde que me lembro é que é a "voz" dos professores!

Se eu estivesse no Ministério, acho que preferiria entender-me com uma associação de alunos do que com o sindicato dos professores... pelo menos sempre encontrariamos alguns objectivos comuns, sempre há alunos que querem aprender...

Manuel Rocha disse...

Aleluia !!

Finalmente alguém toca no que dói:

Sindicalismo ou corporativismo ?

Quem quer fazer um post sobre o tema ??

Anónimo disse...

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