terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Liberdade e auto-limitação

Tal como sucede na moda, de tempos a tempos os discursos também sentem a necessidade de se vestir de novas roupagens.

Um bom exemplo poderia ser a leitura comparada de um programa eleitoral de um candidato autárquico de há trinta anos e de agora. Antes, prometia construir e melhorar estradas. Hoje, diz que irá "concretizar novas acessibilidades e requalificar as existentes".

É evidente que daqui não vem mal nenhum ao mundo, desde que se saiba que no tempo dos Romanos já se construíam e arranjavam estradas, apesar de na altura, ao que suponho, lhes chamarem "vias", para que não se perca demasiado tempo a reinventar uma função que, independentemente do nome e das características, já foi patenteada.


Ora a ideia de progresso social no sentido de um modelo de sociedade justo e duradouro, não é nova nem é de agora.

Roma preocupou-se com a sustentabilidade, JCristo com a equidade. E palavras à parte, entre o paradigma do que hoje se apresenta como "desenvolvimento sustentável" e o ideário Evangélico, de Rousseau ou de Marx, as diferenças não são assim tantas. Quando os patronos dessas concepções falavam numa "sociedade sem classes" , de " igualdade e fraternidade", ou recomendavam que se devia " amar o próximo como a nós mesmos", é evidente que estavam a elaborar sobre preocupações de equidade social

Para o conceito de "desenvolvimento" faltava-lhes ainda a noção de sustentabilidade ? É possível que sim. Mas quando os Romanos divulgaram pelo Império de há dois mil anos regras de afolhamento e rotação de cultivos, poderiam não estar preocupados com a equidade social, mas seguramente estavam preocupados, e muito, com a sustentabilidade do seu modelo económico, cuja organização agrária perdurou até á revolução industrial. Do mesmo modo quando Mao impôs aos chineses uma política draconiana de controlo de natalidade é evidente que estava preocupado com a sustentabilidade duma sociedade que soçobrava a uma tremenda pressão demográfica.

Mudam os tempos, os contextos e as formas de os exprimir. Mas a realidade não muda assim tanto !

Isto para dizer que não me parece que os escolhos ao desenvolvimento estejam na pretensa novidade dos problemas ambientais, ou na insuficiência dos velhos paradigmas. Com uma e outra questão, enchem-se hoje resmas de papel e debatemo-nos em intermináveis diálogos de surdos. Mas o problema, digo eu, é, sempre foi, também de prática política. E em regime democrático tem sobretudo a ver com a leitura e o uso que cada um de nós faz do seu direito à liberdade. Dela, dizia Solzhenitsyn que era um exercício diário de auto-limitação informada.

Mas será assim ?



5 comentários:

antonio ganhão disse...

Sustentabilidade e equidade... nos dias de hoje a equidade não existe e não creio que esteje presente na mente das pessoas e seguramente, muito menos na dos políticos.

Os romanos não tinham que ganhar eleições. Sócrates sim. Por isso temos uma política "just in time", de soluções a vulso, mas de impacto imediato, a sustentabilidade de hoje decide-se no telejornal.

Tiago R Cardoso disse...

E ao mesmo tempo pormos em causa o "poder" instalado, onde tudo está sentado confortavelmente e só aparece para bater palmas.

Eu por exemplo sei até onde escrever, no entanto muitas vezes avanço com algumas "provocações", evidentemente sempre dentro do limite do bom senso, tenho apenas o objectivo de obrigar as pessoas a pensar, concordando ou não com a minha linha de pensamento.

O que eu pretendo acima de tudo é discutir a sociedade.

Muitos políticos e cidadãos comuns andam na onda dos acontecimentos, indo para onde ela os levar, muitos se olharem para o lado e virem uma onda mais "mediática" tratam logo de a apanhar.

quintarantino disse...

A tradição democrática continua a ser a melhor das escolas, mas infelizmente a sobreposição dos interesses económicos aliados à gestão do ciclo eleitoral têm impedido que exista a necessária implementação de um modelo sustentado e que fosse aceite pelos principais actores e intervenientes no tecido social.
Aduzo ainda outra razão: a falta de homens com visão de Estado e capazes de se orientarem por princípios e valores que defendessem o interesse comum.

Manuel Rocha disse...

António:

Em bom rigor só vê Telejornal quem quer. Se os actuais formatos não tivessem audiências duvido que persistissem neles.

Tiago:

Mesmo que o politico seja sério, que pode ele fazer contra as ondas que nós cidadãos alimentamos ? Não é verdade que muitas vezes eles são culpados por ter cão e multados por não ter ?

Quin:

Eu aduzo outra razão: a pouca exigência pessoal que nos caracteriza como cidadãos.

alf disse...

Muito interessante mas... soube-me a pouco! Estou como o Anónimodenome: quero mais!

Andar a abrir o apetite às pessoas dá nisto - querem mais eheheh

Será que isto tem a ver com o post que o Tulito pôs hoje no meu blogue?