segunda-feira, 8 de novembro de 2010

O Mundo Está Melhor ?

Este texto do Público tem que se lhe diga. O Jornal tem em tão boa conta a autoridade da ONU que nem sequer se dá ao incómodo de ensaiar uma virgula de critica ao seu conteúdo. Já sabia que as várias corporações sediadas na ONU estão em sintonia e fazem lobby umas pelas outras. Mas é interessante verificar que até na dita periferia contam com zelosos colaboradores . Se o PNUD diz que o mundo está melhor, por que iria um jornal português tentar perceber por que o afirma? Se o PNUD garante que a única coisa capaz de pôr em causa o sentido desse melhoramento são as “alterações climáticas”, por que haveria o mesmo jornal de nos elucidar sobre os fundamentos de tão avalizada sentença? A verdade é que nem sequer nas academias se perde muito tempo a questionar a bondade destas “verdades”, mas não é disso que quero falar agora.

O meu tópico é outro. Eu gostava imenso, confesso, que o relatório do PNUD e as respectivas conclusões de que o mundo “melhorou”, fosse efectiva e não deixasse margem para dúvidas. Mas deixa. E deixa por duas razões.

Em primeiro lugar porque, por muito boas que tenham sido as capacidades de comunicação de Amartya Sen, o conceito de desenvolvimento humano que propôs e a ONU adoptou tem inúmeras fragilidades. Em segundo lugar porque as politicas com que a ONU tem tentado implementá-lo e os critérios com que procura medi-lo ( Indice de Desenvolvimento Humano - IDH ), só têm contribuído para acentuar essas fragilidades.

A principal fragilidade do conceito de desenvolvimento humano, é a sua carga ideológica. Sen pensou o desenvolvimento humano como uma versão melhorada de um paradigma concreto – o paradigma ocidental. Por isso não diverge da ortodoxia progressista e não questiona a ordem instalada como base aceitável para pensar o futuro.

Nesse quadro cartesiano, não admira que Sen tenha dado à produtividade um papel central . É nesse pressuposto que ele propõe o reforço das capacidades do individuo. No entanto as capacidades a que se refere não podem ser vistas em abstracto. A capacitação em concreto perde sentido fora do paradigma que a produz. Ora Sen não assume em abstracto que pessoas mais capacitadas têm melhor acesso a oportunidades de realização. A ideia de entitlement como motor do desenvolvimento, deriva directamente da observação que nos processos vigentes sob égide no paradigma ocidental, as qualificações têm feito  a diferença no acesso às novas oportunidades geradas pela industrialização e terciarização da economia e na mudança que o mundo tem tido.  Mas reflectindo assim, Sen deixa subentender o mundo como uma espécie de feira de oportunidades inesgotáveis e pre-determinadas,   onde basta o domínio dessas capacidades para aceder às oportunidades  que correspondem às expectativas de cada um.
No entanto, as oportunidades não são infinitas. Elas são limitadas, nomeadamente  pelas necessidades sociais e pelos recursos disponíveis. Não serve para muito ser-se profundamente capacitado em agricultura se não se tiver terra para cultivar. Além disso há a questão da conflitualidade entre as expectativas dos indivíduos e as necessidades inerentes ao funcionamento da sociedade. Uma sociedade não é mero somatórios de indivíduos que coexistem num espaço como ilhas  sem relação. Ela cria necessidades próprias que implicam em maior ou menor grau sistemas de divisão do trabalho. Ora não há espaço para todas as expectativas nem todos os desempenhos são igualmente atractivos.

A Europa já vive esse desfasamento entre capacidades, oportunidades e desempenhos. É natural que um licenciado em ensino de biologia que já não cabe no mercado de trabalho tenha relutância em  aceitar  oportunidades por preeencher  na agricultura ou na construção civil, tradicionalmente menos atractivas. Mas a deriva que conduziu a esta estranha coexistência de desempregados de luxo sem utilidade no mercado de trabalho e a importação de mão de obra não qualificada para preeencher as necessidades básicas de funcionamento dos lideres do mundo dito desenvolvido, não aparece reflectida nos critérios de desenvolvimento humano.

Para a ONU, no entanto, as teses de Sen tiveram o mérito de gerar consensos fáceis. Como principio, o reforço das capacidades dos indivíduos não merece discordância. E o PNUD precisava de um paradigma consensual que servisse simultaneamente de justificação para quem lhe financia os projectos e para quem deles beneficia.

1 comentário:

Anónimo disse...

Obrigado pelas reflexões, pelos links, e pelo figurão que vou fazer à boleia do post, lol

Raul