quinta-feira, 11 de novembro de 2010

O Desenvolvimento Humano segundo a ONU

Desde 1990 que o principal instrumento de divulgação da actividade do PNUD passou a ser o seu Relatório . Nele, além das bases filosóficas que norteiam a Instituição e das estratégias a que recorre para as implementar, o PNUD tenta aferir a evolução do estado do mundo através de um índice que cunhou com a designação de IDH ( índice de desenvolvimento humano ).

Inicialmente este índice foi construído com três indicadores centrais :
.longevidade (da esperança média de vida infere o estado da saúde );
.conhecimento ( aferido pela taxa de alfabetização para refectir a capacidade de cada um potenciar o seu governo);
.padrão de vida (estimado pelo PIB per capita, para dar conta da produtividade e do poder de compra )

Resultava da natureza destes indicadores que os países com maiores IDH eram naturalmente os ricos cujos cidadãos chegassem alfabetizados a velhos.

O reconhecimento de que esta trindade era claramente insuficiente para exprimir as fundações filosóficas do paradigma do PNUD, que remete também para a equidade, sustentabilidade e autonomia, levou a progressivas alterações das suas bases de cálculo. O Rendimento Bruto per capita substituiu o PiB per capita, o conhecimento passou a incluir a escolarização, e foram introduzidos outros factores de correcção, nomeadamente para a equidade e para a sustentabilidade.

Contudo, ainda assim, o IHD continua a ser melhor nas favelas do Rio de Janeiro que nas aldeias do Alto Xingu! E como a correcção da sustentabilidade se calcula com base em indicadores tão improváveis como as emissões de carbono, a percentagem de áreas protegidas e a poupança, Cabo Verde tem visto o seu IDH cavalgar posições a reboque de algo tão pouco sustentável como são as remessas dos seus emigrantes. Pela mesma lógica, não será por ter na exportação de recursos não renováveis ( petróleo ) a sua principal fonte de receita, que a Noruega verá em risco a sua liderança mundial do ranking IDH.

Por conseguinte, o que o Relatório publicado pelo PNUD faz, é produzir uma imagem do mundo a partir de um perspectiva ideológica standardizada pelo paradigma ocidental que adoptou. Pode-se discutir até à exaustão a objectividade dos critérios ou as boas intenções subjacentes, trabalhar na melhoria de indicadores ou dos instrumentos de medida. Mas nada disso retira à agenda do PNUD a sua propensão universalista, arrefece o ideário missionário de muitos dos seus mentores, ou dilui o carácter corporativo em que se tem enquistado.

Apesar disso, seria de esperar algum pudor na facilidade com que, apoiado nos crescimentos do IDH, O PNUD decreta o que significa melhoria de qualidade de vida, bem estar social ou felicidade. Assumir que o conhecimento que importa tem na escolaridade a sua fonte de eleição, pressupor que a boa economia é a do consumo, acreditar que a saúde como conceito holístico se exprime na longevidade, além de ideológico é profundamente redutor.

Não viria daqui mal de maior ao mundo se no limite este género de concepções não tivesse qualquer possibilidade de contaminar as decisões politicas. Ora como essa possibilidade existe, não será de estranhar que um destes dias alguém se lembre de transferir para as favelas do Rio de Janeiro os povos do Alto Xingu , com o argumento de os  subir no ranking IDH. Infelizmente a história mostra que mesmo as narrativas absurdas, quando incansavelmente repetidas, tendem de algum modo a materializar-se.


8 comentários:

Matilde Costa disse...

Polémico, como sempre !
:)

antonio ganhão disse...

Meu caro, sabe quantos cooperantes sustentam os diversos programas do PNUD? Eu já fui consultor ao abrigo do PNUD 10... e o IHD sempre me preocupou.

Anónimo disse...

Normalmente não há muito tempo para olhar em detalhe para a construção destes indices e para os indicadores que os produzem. Tem-se de confiar. Mas é como diz. Estas supostas radiografias dão imagens muito retorcidas das coisas.E põem-nos a olhar para o mundo pelo funil do costume.

Florbela

alf disse...

alguém que eu conheço que viveu uns anos na Dinamarca diz que é um povo pouco feliz mas muito convencido de que é feliz porque satisfaz os indicadores de felicidade... são uma espécie de felizes por decreto, porque alguma sumidade definiu a felicidade a partir do seu tipo de vida e depois as pessoas pensam que são felizes. Mas não são.

Os habitantes da favela do Rio, ao tomarem conhecimento destes indicadores, também vão começar a pensar que têm um estilo de vida elevado e a afirmar isso mesmo nos inquéritos.

Há um mérito que ninguém pode tirar à escola - o de que destitui as pessoas de pensamento autónomo.

Assim chegamos a um admirável mundo novo onde as pessoas se consideram felizes por viverem conforme os critérios que foram definidos obedecendo a certos designios. SE é possível convencer toda a gente durante todo o tempo de que estamos em pleno aquecimento global, tudo é possível.

O problema é que também não sei como se podem fazer as coisas de outra maneira... os humanos são um bicho com muitas limitações e se não são controlados sai asneira...

José Luiz Sarmento disse...

Eu acho que tem razão em tudo o que diz sobre o PNUD, mas pergunto se será possível ou imaginável algo de melhor que não resulte duma paulatina evolução.

A felicidade não é mensurável, de acordo; mas a vida está cheia de coisas que não são mensuráveis mas precisam de ser aferidas, e isto só pode ser feito indirectamente através de indicadores sempre arbitrários, mas o menos arbitrários possível.

PS.: Obrigado pela sua visita ao meu blogue, que me permitiu ter conhecimento do seu.

Manuel Rocha disse...

Obrigado a todos pelos comentários. Notem que as minhas criticas ao IDH não são feitas no sentido de expor as suas fragilidades para concluir que é inútil. O que pretendo é chamar a atenção para a necessidade de não ser lido e usado( como de resto qualquer indice ...) com a mesma atitude com que nos referimos a medidas com a objectivade do kilograma padrão ou do metro linear.

Carlos Sério disse...

Claro que haverá muita gente que não gosta do RDH. No fundo são aqueles que não aceitam algumas posições ideológicas nele expressas tais como: …”Estas observações evocam a brilhante expo¬sição de Karl Polanyi, há mais de 60 anos, sobre o mito do mercado auto-regulador – a ideia de que os mercados poderiam existir num vácuo político e institucional. Em geral, os merca¬dos funcionam muito mal no que toca a asse¬gurar o fornecimento de bens públicos, como a segurança, a estabilidade, a saúde e a edu¬cação.”
Todos os neoliberais não podem de modo algum estar satisfeitos com o relatório e o IDH

Manuel Rocha disse...

Caro Ruy,

Concordo com as palavras de Polany. Da parte do comentário que é da sua lavra, discordo: não é preciso ser liberal ou neo-liberal para não gostar de certas posições ideológicas expressas no IHD.

Obrigado pelo comentário.