domingo, 17 de outubro de 2010

Preservação


Na actualidade, a gestão do território e as preocupações que lhe estão associadas, são devedoras dos problemas que acompanharam a colonização da América do Norte. Vagas de gente ávida de rápida riqueza colocada perante enormes mananciais de recursos quase inexplorados e equipada pela crescente potência que a revolução industrial disponibilizava, produziram uma pressão tal sobre o novo território que os efeitos da sobre-exploração se tornaram rapidamente visíveis e o seu controlo um imperativo. Há registos dessa preocupação pelo menos desde 1876. Elas conduziram ao primeiro documento legal conhecido na modernidade com um vincado cunho de conservação, o “Forest Resource Act”, de 1891, que levou, em 1905, á criação do actual USFS. O lema desta instituição é claro quanto ao propósito da inciativa: "Caring for the land and serving people", que é como quem dizia que no interesse das pessoas e do futuro era imperativo cuidar dos recursos. Algumas décadas depois, na sequência do desastre ecológico que ficou conhecido como "dust bowl years", a situação repetiu-se, com o actual URCS , originalmente criado em 1935. Já não se tratava de cuidar apenas das florestas e de conservar a sua capacidade de se regenerar para continuar a produzir , mas de o fazer também em relação aos solos antes tidos por inesgotáveis mananciais agrícolas, para que pudessem continuar a permitir colheitas.

Portanto, na modernidade, a conservação reinstituiu-se fiel à melhor tradição da antiguidade : manter os ciclos de produção ao serviço das comunidades humanas, introduzindo no uso do território regras pensadas para gerir os recursos de forma a que fosse possível continuar a usá-los para deles obter algo de forma duradoura.


Politica distinta desta foi a adoptada em 1872 quando o Senado Estado Unidense aprovou a lei que instituíu o YNP. Lendo a Lei, salta à vista a diferença do propósito . O que se pretendeu com o YNP foi evitar que, à semelhança do que ia acontecendo no caminho para oeste, a colonização também transformasse completamente aquele território . Yellowstone foi declarado território a preservar, i.é, a manter tal qual estava independentemente do eventual interesse económico na exploração directa dos seus recursos naturais.

Ou seja, problemáticas e propósitos distintos deram corpo a ideologias e a estratégias de intervenção opostas: uma, a conservação, incorpora a mudança e procura geri-la ; a outra, a preservação, procura evitar a mudança . Nas décadas seguintes a gestão do território e o desenvolvimento do conhecimento, particularmente da ecologia, iria ser marcado por esta dicotomia.

Por conseguinte, ao contrário da conservação, a preservação foi concebida com uma lógica conservadora e de não ingerência para evitar a mudança, e em seu nome empreenderam-se medidas no sentido da salvaguarda da possibilidade de um determinado território prosseguir o seu caminho à margem da intervenção do homem. Contudo, raramente os homens se têm limitado ao papel de observadores dos processos que pretendem preservar. Entre outras, por esta razão simples: cedo se percebeu que afinal a mudança também é independente da acção humana e muitas vezes essa mudança revela mesmo "ideias próprias" e segue caminhos bem diversos daqueles que os homens gostariam. De tal forma que se desencadearam e têm-se sucedido as intervenções de cariz “preservacionista”, isto é, tendentes a evitar que a natureza faça a aquilo que sabe fazer melhor: mudar. Na ressaca, a ideia inicial da preservação acabou por esvaziar-se do seu sentido original. A não intervenção como estratégia de gestão do território, transformou-se num mito disfarçado. E o conceito original de preservação entrou em mutação rápida para se adaptar a uma imensa parafernália de práticas de gestão de espécies, habitats, ecossistemas. Neste processo abunda quem procure reconstruir o conceito e legitimar a ingerência, referindo-se à "preservação" de ecossistemas ou da biodiversidade, no sentido de os manter. Mas faz sentido falar de preservação quando nos referimos aos projectos da LPN no Campo Branco que envolvem a abetarda ?

1 comentário:

Anónimo disse...

É apreciável este seu trabalho de clarificação de conceitos. Reconheço toda a pertinência ao pressuposto com que o faz: se não falamos a mesma linguagem como nos podemos entender para resolver os problemas ?

Luis Nobre