domingo, 15 de agosto de 2010

Evidência ou fé ?


Basta uns dias mais quentes e , quais ursos polares hibernados durante os rigores do ultimo inverno, logo reaparecem eufóricos os defensores da teoria do aquecimento global antropogénico .
- Nós não dizíamos ?
Confesso-me farto desta retórica. Tinha prometido a mim mesmo que não ia contribuir nem com mais uma tecla para este peditório, mas ainda não vai ser desta.

Percebe-se que as criaturas que vivem de vender papel e tempo de antena, precisem de matéria prima para variar a estafada ementa de Freeport’s e casos Maddie. Uma pessoa acaba a conseguir conviver com isso, que remédio. Ao que não me habituo é a que iniciativas de informação que deviam ter para consigo mesmas outras exigências, não se inibam tb elas de derivar para o simplismo redutor das análises típicas dos formatos tablóide. Vejam esta noticia na Naturlink para enquadrar o que se segue.

Mudança climática é um conceito que pretende representar a ideia de uma alteração significativa das normais climatológicas de referencia ao longo do tempo num espaço territorial. O que se entende por normais de referência ? Entende-se as médias das observações verificadas num determinado conjunto de anos nesse espaço. Como é que se estabelece qual o conjunto de anos suficiente para definir essas normais? De forma fortuita. Como nos primórdios dos estudos climáticos as séries completas disponíveis eram poucas, começou por se usar grupos de 30 anos e a tradição manteve-se. Mas podiam ser 50 ? Podiam. E se fossem 100 anos ? Bem, quanto maior o numero de anos de cada série, menor a variabilidade entre séries. Dito de outra forma, a manutenção de séries curtas até dá imenso jeito ao desenvolvimento de teorias sobre a variabilidade do clima. Mas são representativas do clima?

A qualidade daquilo que se entende por representativo, não é a mesma de algo a que se possa atribuir uma objectividade inquestionável. Ser ou não ser representativo é um critério como qualquer outro. Muitas vezes a representatividade define-se ao contrário, quer dizer, de acordo com o que temos disponível. Quando o orçamento ou o tempo disponível não dão para recolher mais dados, os que existem têm de bastar. Só quem nunca andou nestas andanças das investigações e dos trabalhos de campo e respectivo tratamento estatístico é que não sabe do que estou a falar. Ora a partir do momento em que o estudo consiga entrar nos circuitos regimentais, torna-se irrelevante se devia ter sido suportado em mais ou menos dados. O que é relevante é que as conclusões sejam aceites e gerem consensos. Isso basta para legitimar muita coisa na metodologia que noutras condições mereceria inúmeros reparos. Mas não basta para transformar um consenso numa verdade objectiva.

No entanto as séries curtas continuam a ser usadas e com elas vêm as incontornáveis armadilhas. Imaginem que estudamos o fenómeno neve em Sevilha. Se as séries em estudo se reportarem ao período de 30 anos entre 1970-2000, não há registo de observações de neve em Sevilha. Conclusão : em Sevilha não neva ? Bem, em 2 de Fev de 1954 nevou e não foi pouco, e em 13 de Janeiro deste ano voltou a nevar à séria. Ou seja, se a série em estudo abrangesse o período 1954-2010, então a probabilidade de nevar em Sevilha já não seria zero. Dirá o crédulo: Ah, mas os cientistas prevêm essas coisas e é para isso que convencionaram os factores de correcção e outras ponderações estatísticas que tais! De facto. Mas continuamos a falar de critérios. E ainda que esses critérios sejam consensuais, repito-me, eles não são a realidade objectiva, apenas a aproximação possível com o actual estado da arte.

O mesmo se passa em relação ao uso de médias estatísticas para o estudo dos fenómenos climáticos. Não é o local nem o autor está habilitado para uma dissertação sobre filosofia da matemática. Mas há nesta matéria coisas elementares que se tende a considerar como adquiridas e estão mal adquiridas.

A ideia de medidas de tendência central, entre as quais se inclui a média, são abstracções com as quais se pretende representar a realidade e desse ponto de vista têm-se revelado bastante úteis. No entanto têm limitações. Não podem ser usadas indiscriminadamente, pois elas não são a realidade. Ontem, 14 Agosto, a temperatura média em Castelo Branco foi igual à de Faro, ambas as cidades com 24,5ºC. Mas enquanto em Castelo Branco essa média se obteve com uma máxima de 33 e uma mínima de 16, em Faro a máxima foi de 27 e a mínima de 22 ! Ou seja, quem se fie nas previsões médias para acampar ao relento, é capaz de acordar a meio da noite a bater o dente nos camping de Castelo Branco. O estudo do clima como parte da biosfera, não se compadece com abordagens estatísticas meramente quantitativas. Hoje, às 10 TMG, Faro e Castelo Branco estavam ambas com cerca de 25º . Mas enquanto em Faro se registava 70% de humidade, Castelo Branco ficava pelos 30%, o que em termos de habitabilidade da mesma faixa térmica faz toda a diferença.

Qual a tese ? Esta: quando se pretende desenvolver estudos sobre o comportamento de fenómenos como as variáveis climáticas, são precisos indicadores para estabelecer comparações. Mas só se pode comparar o que é comparável.

As médias de temperaturas são indicadores comparáveis. Mas os dados com que elas são construídas são comparáveis ? Dados como temperaturas, só se começaram a registar com o advento dos termómetros, uma ferramenta recente. Estamos a falar no máximo de 200 anos de observações, sendo que as sistemáticas são ainda mais recentes, o que, em termos da escala das coisas em que evoluem as variáveis climáticas, nos coloca na infância das observações. Acresce que essas ferramentas com que se recolheram dados durante este tempo, não têm sido as mesmas. Os termómetros abertos dos primórdios não registam o mesmo que os modernos, digitais. Além disso, a leitura a olho , sujeita a todos os possíveis erros, de paralaxe ou de desleixo, que imperou até há pouco mais de uma década atrás, não pode ser comparada com os métodos actuais. Mas essas diferenças são assim tão importantes que impeçam a comparação desses dados ? Os registos manuscritos dos idos de 1900 e as impressões informáticas dos registos digitais das observações de 2000, servem todos na perfeição para caracterizar os climas, para lhes esboçar tipologias. Mas quando se trata de estudar a variabilidade dentro dos climas, o caso muda de figura. É que a variabilidade intrínseca à qualidade dos dados, que está associada às ferramentas e aos métodos de recolha, pode anular a pretensa variabilidade especifica das temperaturas, quando o que está em discussão são diferenças na casa das décimas de grau.

Existe ainda um outro aspecto que tem de ser tido em conta e que tende a ser ignorado nestas abordagens sobre a comparatividade dos dados. Refiro-me aos contextos. Podemos falar da temperatura de Lisboa às 15 TMG sem especificar em que local concreto a obtivemos ? Não ! Agora que até os carros já trazem termómetros, qualquer alfacinha sabe que se ligar a uns compinchas espalhados pela cidade para lhe lerem as temperaturas a uma hora certa, vai obter valores bastante diferentes conforme o local em que se encontrem. Esse aspecto tem sido tido em devida conta nos estudos de variabilidade térmica ? Os registos históricos de temperaturas para Lisboa foram sempre recolhidos no mesmo local ? E, ainda que o tivessem sido, nada mudou na envolvente do posto de observação ? Não existem mais edifícios a alterar as condições de circulação aérea, mais aparelhos de ar condicionado, mais automóveis , mais outros equipamentos que possam ter uma influencia significativa na alteração das condições locais em que se obtêm os registos ? E a ponderação que lhes foi atribuída, foi a suficiente para lhes anular os efeitos ? Como pôde ser objectivamente validada ?

Até aqui estivemos a falar de registos directamente comparáveis, i.é, medidos com instrumentos. No entanto, como se verifica pelas afirmações contidas no artigo que deu mote a este texto, as comparações já vão muito para além disso. Quando se afirma que Moscovo registou nos últimos dias as temperaturas mais altas dos últimos 1000 anos, estamos também a usar aquilo a que os climatologistas chamam medições indirectas. Uma das mais popularizadas recorre ao estudo comparado do crescimento das árvores. Extrapola-se o crescimento observado num ano de temperatura conhecida e infere-se que todos os anos com crescimentos idênticos registaram aquela temperatura. Bem, em igualdade de outros factores de crescimento, como luminosidade e disponibilidade de água e nutrientes, até é possível que sim. Mas houve como monitorizá-los? É que se não houve, convinha não esquecer que não é só da temperatura que depende o crescimento de uma planta. O leitor urbano aproveite o verão e ponha duas couves iguais em dois vasos iguais aí na varanda. Regue uma e deixe a outra à sede, que percebe imediatamente do que estamos a falar.

Existem ainda outras referências indirectas para avaliar climas passados. Uma delas são os registos históricos. Mas mesmo esses devem ser lidos com algumas cautelas. Um dos argumentos usados como prova daquilo a que se convencionou chamar o período quente medieval na Europa, são as crónicas relativas ao cultivo de vinha no Sul de Inglaterra. Em princípio isto queria dizer duas coisas para aquela região na alta idade média: ausência de geadas no período vegetativo e cúmulo de temperaturas suficiente para a maturação da uva. Podemos então usar esta informação como indicador de uma época com temperaturas mais elevadas que as actuais ? Podemos, mas como hipótese, apenas isso ! É que nem todas as variedades de videira têm a mesma exigência de carga térmica para a maturação da uva. No campo das hipóteses e sem outras informações adicionais, o cultivo da vitis naquela região, tanto poderia ter decorrido do uso de uma variedade adaptada como da existência de um período climático efectivamente mais quente.

Concluindo que isto já vai longo.

Quando me informam que nunca tinham sido medidas em Moscovo temperaturas tão altas como as dos últimos dias, eu não tenho por que duvidar. Assim será. Mas também sei outras coisas. Sei que é a primeira vez em mil anos que elas são medidas com recurso a termómetros digitais. Também sei que a metrópole não existia há mil anos, que nunca foi tão grande. Sei ainda que não é normal Moscovo estar cercada por incêndios nas turfeiras que estão a arder porque têm vindo a ser sistematicamente drenadas. Não falo das ruas entupidas por tantos carros como os moscovitas de há duas décadas nem se atreveriam a sonhar, nem dos compressores térmicos que nasceram no exterior dos prédios como cogumelos. Nisso Moscovo é como qualquer outra metrópole. Portanto, eu até posso comparar os registos das temperaturas, pois posso. Mas honestamente não posso ir daí para qualquer outro lado porque tudo mudou no onde e no como elas são obtidas. Dizem-me que estamos perante provas de mudança climática. Bem, ela até pode estar em curso, mas usar o calor em Moscovo ou o frio em Buenos Aires como se fossem provas disso, transforma a suposta evidência numa anedota.

Sabe-se que os climas mudam. Sabe-se que mudaram várias vezes ainda antes dos homens terem aprendido a andar de gatas, quanto mais a queimar petróleo. Está em curso uma mudança climática de indução antropogénica ? Pode ser que esteja, como também pode ser que o clima seja uma entidade em mudança permanente. À partida qualquer teoria é legitima. O que não é honesto é procurar demonstra-las comparando o que não é comparável atolando as cabeças em abstracções falaciosas. A terra não tem um clima, tem climas. Além da diversidade regional, sabe-se que há nos climas variabilidade interna, e que as mudanças, que acontecem, quando acontecem, têm impactos bem distintos. Nalguns contextos há quem beneficie com elas, noutros quem saia prejudicado. Mas é essa a natureza mesma da mudança. São raras aquelas em que todos saem ganhadores. Eu percebo que possa haver quem ache que tem nesta matéria uma boa oportunidade para, perante a ameaça do “inferno”, levar as turbas irresponsáveis a inflectir inúmeras atitudes desastrosas com que vêm habitando o território. São almas bem intencionadas e ainda bem que existem. Mas então façam-me um favor: dispam a bata com que andam disfarçados de gente da ciência e assumam-se de vez como o que são, catequistas, que não percebem a diferença entre um facto, uma evidência, uma prova, e uma crença.

1 comentário:

antonio ganhão disse...

Arrependei-vos! Gosto mais das teorias do caos, nada como uma visão fatalista do futuro para que eu não tenha que me incomodar em corrigir os meus comportamentos.