sábado, 8 de dezembro de 2007

Ciência em Contra Ponto - I

O Princípio da Desresponsabilização

A caricatura social do cientista continua delineada por traços de personalidade que remetem para um certo autismo. Pensa-se no cientista como alguém que vive dentro de uma realidade muito própria, alheio ao trivial e muitas vezes destituído até da elementar capacidade para interagir socialmente e resolver as coisas básicas do quotidiano.

É claro que toda generalização é abusiva e qualquer estereótipo é redutor. Mas o personagem do Prof Nasch que o Roussel Crowe personifica no célebre filme “Uma Mente Brilhante”, sendo apenas aquilo que é, é também a ilustração dessa ténue fronteira em que alguns "perdem o pé".

Claro que os cientistas têm de si próprios outra imagem. Quais paladinos da razão eles são os guardiões da lógica e do saber. A tal ponto que alguns não têm mesmo dúvidas de que são a luz num mundo de trevas.

Mais uma vez é evidente que nem todos os cientistas pensam isto de si. Mas há dias, uma ilustre química da nossa praça, ao invocar a “luminosidade científica”, ouviu uma de que não gostou. Houve quem, imagine-se, lhe retorquisse que por essa ordem de ideias então os habitantes de Hiroshima ainda hoje deveriam estar gratos à ciência e a Openheimer pela “luz”com que os retirou da “obscuridade”. Claro que se tratava de um provocação e a Senhora, naturalmente indignou-se. Mas fez mais que isso, considerando logo ali o que acabara de ouvir como um dislate de nonsense para acrescentar que se tratava de uma leitura objectivamente enviesada de factos históricos, rematando com a evidência pública de que fora o Presidente Trumam quem dera semelhante ordem!

É exactamente o subtexto desta resposta o motivo desta arenga.

E qual é ele ? O principio da irresponsabilidade social do cientista.

A ideia de que o conhecimento vale por si independentemente do uso que dele se possa fazer, está longe de ser pacífica. Apesar disso prevalece a ideia anexa de que quem o produz deve gozar de um estatuto especial de imunidade !

Mas o caso é que, ainda usando o famigerado exemplo da Litlle Boy, o Sr Openheimer, enquanto líder do Projecto Manhatan, não se limitou a desvendar os princípios científicos da energia atómica. Ele construiu e testou uma bomba. Não uma bomba qualquer – uma bomba de destruição em massa. E não há argumento de ingenuidade ou autismo científico que possa eximir um adulto de compreender o que estava em causa. Por menos do que isso foram outros condenados em Nuremberga, mas adiante.

Entre os exemplos actualíssimos deste tipo de derivas, podem referir-se os associados à engenharia genética, desde os OGM’s à clonagem. E nestas matérias já nem sequer estamos apenas a falar de um líder e de uma equipa, mas de uma dinâmica que de forma concertada tem vindo a prosseguir objectivos que estão bem longe de se poderem considerar inócuos.

Os cientistas também precisam de comer ? Definitivamente ! Como de resto qualquer mortal. É claro que quando as coisas são postas assim há sempre quem faça demagogia barata e recorde que já houve quem tivesse preferido morrer de fome a viver de barriga cheia como Kapo. Mas o que está em causa é bem mais importante, porque reporta para a formação humana de pessoas que a sociedade especializa e a quem dá um imenso poder. A questão é pois saber se perante a possibilidade de o cientista como pessoa “perder-o-pé”na cegueira da corrida atrás de um Nobel, está a comunidade cientifica preparada para lhe acudir a tempo de fazer com que “o Presidente Truman “ não tenha com que tomar decisões históricas. Ora, como se está a ver no caso dos OGM’s e da clonagem, não está !

3 comentários:

alf disse...

Os cientistas "perdem o pé" por coisas muito mais triviais que o prémio Nobel. A generalidade dos estudos que provam que o tabaco provoca o cancro disto e daquilo, que o colesterol causa ataques cardíacos, que a vacina contra o papiloma virus protege contra o cancro do colo do útero, o aquecimento global, etc, etc, não passam de fraudes encomendadas ou induzidas.

Um cientista é como um jurista; um bom jurista é aquele que é capaz de extrair da lei um parecer de acordo com a encomenda. Serve os interesses de quem lhe paga.

Mesmo a ciência "pura" depende dos dinheiros do orçamento de estado, a Ciência não tem recursos próprios. Desta forma, ou a Ciência faz as investigações e chega aos resultados "convenientes" ou falta-lhe o dinheiro.

É o cientista mais responsabilizável que o operário ou que o engenheiro ou o militar? Acho que é utopia pensar isso.

A situação profissional do cientista é pior do que qualquer outro trabalhador - tem de estar constantemente a submeter projectos para obter financiamento para poder continuar a actividade - e isso significa que está totalmente dependente do financiador. Acho que nenhum profissional tem um vinculo laboral tão inseguro como um cientista, nem tal ausência de perspectiva de carreira ou de futuro. E note-se que ser cientista torna-se uma armadilha, porque depois não se tem alternativa, se não conseguir o financiamento vai fazer o quê? dá-se umas aulitas... mas um cientista não tem de ser um professor, nunca ouvi dizer que o Newton ou o Copernico dessem aulas.

A organização da Ciência é um problema antigo e não se vê saída - ninguém quer a ciência autónoma como ninguém quer os militares autónomos; e se não é autónoma age de acordo com os interesses de quem lhe paga. A maioria das vezes esses interesses serão os da humanidade, ditados por orgãos eleitos democraticamente, às vezes poderão não ser.

A Igreja é autónoma, a Ciência não é. Isso será bom, mau? Não sei.

Manuel Rocha disse...

Oh Alf !!!...Mas que comentário é este ?! Então você chega aqui e esvazia-me num comentário o conteúdo do meu Contra Ponto II ?!

A quem é que me queixo ?
Hum? Hum ?

antonio ganhão disse...

Digamos que os habitantes de Hiroshima não estavam preparados para a luz que os iluminou…

Mas isto das classes tem muito que se lhe diga. No outro dia, em entrevista ao Jornal de Negócios, Pôncio Leão, presidente em exercício da RTP, afirmava que só em Junho os jornalistas tinham aceite submeter-se ao sistema biométrico de controlo de assiduidade.

Estes senhores que são o arauto da moralidade, que denunciam funcionários público e professores, não aceitam para si, as regras de controlo de assiduidade impostas a todos os funcionários da RTP! E tudo isto sem perderem a cara…

A culpa é do Bush, que na altura, não sei bem porquê, lhe chamavam Truman.