segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Novas Oportunidades

O Henrique Santos sugeriu-me a leitura do seu livro, “ Do tempo e da Paisagem – Manual para leitura de paisagens”. Já encomendei. A ideia é ajudar-me na dificil compreensão de problemáticas e conceitos que obviamente não domino. Estão em causa ideias de património, cultura, paisagem, conservação. E está visto que tirei mau proveito das lições e leituras de O Ribeiro, G R Telles, M Feio , C Carvalho, G Guerreiro. De resto, suponho que para os critérios em uso estes gajos já estejam ultrapassados. E eu também, naturalmente. Um dos aspectos em que melhor se revela esse meu desfasamento face à realidade corrente, é no mau hábito de detestar a mania de usar as mesmas palavras para exprimir coisas diferentes. Há conceitos que se revelam insuficientes, errados, inadequados, e por isso têm de ser alterados. É assim, as coisas mudam. Mas herdei daqueles fulanos que referi a ideia de que até esses só têm a ganhar com palavras novas, para melhor se distinguirem do eventual disparate. Dessa forma, diziam eles, evitavam-se diálogos de surdos, como este que ( aqui...caixa de comentários ) eu e o HPS protagonizamos.

Foram ainda aqueles "dinossauros", maioritariamente extintos, quem me chamou a atenção para o que consideravam dois erros comuns no que diz respeito á forma como nos referimos ao património. O primeiro é pensar que património é sobre natureza ou sobre edifícios, quando é sobre as pessoas e o que elas investem em si, na terra ou nos tijolos. O segundo, é pensar que património é sobre o passado quando é sobre o futuro, sobre o que ficará depois de nós desaparecermos.Dai derivava a distinção que me explicaram entre conservação e preservação. Disseram-me que a preservação visava impedir que as coisas acontecessem , e que a conservação ( coisa ainda mais antiga que a Reforma dos Graco ) tinha a ver com a gestão da mudança no sentido de permitir continuar a colher.


São noções deste tipo que me têm condicionado a reflexão. Por isso, quando ouço falar em politicas de conservação, só me faz sentido pensar nas couves no contexto das estratégias que permitam às pessoas continuar a colhe-las. Quando ouço falar em património, só me ocorre pensar naquilo que as pessoas têm produzido ( cultura - e tanto me faz se são Biblias, sinfonias ou lagares de azeite ) ao longo dos processos que empreenderam para se viabilizarem nos territórios que colonizaram. Estou convencido que Levi-Strauss, mesmo morto, ainda deve ficar de cabelos em pé de cada vez que se fala nesse contra-senso que se plasma na expressão de “património natural”. A melhoria das interacções das sociedades com o território, no sentido de fortalecer as dinâmicas de perenidade, não carece em nada que a natureza deixe de ser conceptualizada como sempre foi pela ecologia humana: como meio e recurso. Dizia-o o H Odum, outro dinossauro extinto, e eu, dinossauro desactualizado mas não extinto, até ver não encontrei abordagem que me fizesse melhor sentido.


Claro que tudo isto está prestes a mudar com a iminente chegada a esta casa da obra de HPS. Já abri na estante espaço para ela. Vai ficar entre o G. Hoyois e o Dolfuss, ao lado deixo o Zonneveld . Assim, se quiserem podem organizar-se para umas partidas de poker. Entretanto, na obvia falta de cv relevante ou de obra publicada capaz de recomendar a quem quer que seja, coisa facilmente constatadas pelo HPS ( e que qualquer aprendiz de mestre das nouvelle ciências de avant-garde como essa coisa extraordinária que dá pelo nome de biologia da conservação que me lesse estes dislates, corroboraria sem hesitações …. ) tudo o que me resta é procurar consolo nos escritos de velhos colegas de tarimba que pelos vistos, tal como eu, tb perceberam tudo mal. A d’Abreu e T Correia, por exemplo, produziram recentemente na UE por encomenda da DGOTDU, um trabalho que intitulam de “Identificação e caracterização de unidades de paisagem em Portugal”, em que definiam a paisagem nos seguintes termos: “ A paisagem é na generalidade do território europeu, uma paisagem cultural, expressão dos diversos recursos ( e condicionalismos, acrescento eu… ) naturais existentes mas tb d acção humana sobre esses recursos. A paisagem natural é aquela onde a articulação dos factores ao longo do tempo não foi afectada pela acção humana, o que é raro na Europa. De forma directa ou indirecta existe em todas as paisagens europeias algum impacte de acção humana."

O livro do HPS decerto será capaz de desmontar esta tese e evidenciar sem margem para dúvidas que as AP’s portuguesas são, não só paisagens naturais, como património natural, e que, por conseguinte, faz todo o sentido que a prioridade de conservação nesses territórios deva ir no sentido da biodiversidade, tarefa que cabe ao ICNB segundo os critérios do ICNB, e bitola pela qual se deverá medir a sua eficácia, goste-se ou não.

Com toda a legitimidade, o HPS acha que a melhor forma de promover as interacções conservacionistas que reclama para as agora designadas AP, é através da centralização da decisão politica a implementar. Talvez seja. Mas não deixa de ser uma situação irónica. Durante séculos, houve pessoas maioritariamente analfabetas que, à margem da civilização, à margem da ciência, das academias e dos seus lentes, desenvolveram estratégias de conservação que deram origem a paisagens tão ricas e a formas de habitar tão interessantes que, chegadas ao nosso tempo, toda a gente, arquitectos paisagistas incluídos, acham por bem valorizar. Mas ao mesmo tempo que lhes reconhecem o mérito, declaram os criadores dessas paisagens incompetentes para continuar a fazer o que sempre fizeram – conservá-las! Estranho ? Talvez não seja. Não o será seguramente se, além do mais, se estiver também a confundir conservação com preservação. Mas só o poderei afirmar depois de concluídas as leituras que agora tão gentilmente me recomendam. Embora dinossauro sem obra publicada que me atreava a recomendar, continuo aberto a novas oportunidades.

10 comentários:

Matilde Costa disse...

:)

É claro que presunção e água benta cada um toma a que quer. O que não falta é pedantice a pasto.

Mas indo ao que interessa, se bem o entendo, defende o principio da estabilidade dos conceitos. Coisas como não chamar de "mais-valias" ao que está sobejamente cunhado como "lucros". Estou completamente de acordo. Uma das coisas mais cansativas que existe é quando ao fim de um hora de reunião se percebe que está toda a gente a dizer as mesmas palavras para falar de coisas diferentes.

Paulo T disse...

Uma alusão no texto cujo alcance não atinjo: a referência ao curso de biologia da conservação . Algo contra? O quê ? Porquê ?

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Manuel Rocha

Devemos enterrá-los a todos e abrir os olhos para Ernst Bloch e o mundo da arte. Os portugueses a pensar até assustam os bois! Eles sabem lá o que é o património ou qualquer outra coisa! Um país sem pessoas inteligentes é uma praça de bois!

Manuel Rocha disse...

Matilde,

Pois...:)

Paulo T,

Contra a designação, sim: pomposa e oca, não quer dizer nada. Biologia estuda o individuo e a espécie. Estudar o individuo e a espécie do ponto de vista da conservação tendo por objectivo a biodiveridade, é um discurso trancado, tipo pescadinha de rabo na boca. Quem valoriza a biodiversidade ? É ela que se auto-voloriza ou nós que a valoramos? Quem estuda, concebe, implementa iniciativas de conservação em nome da biodiversidade-valor? Então estamos a falar de biologia ou de ecologia humana ? Pensar a conservação do ponto de vista da espécie ou da biodiversidade, é um non-sense. O resultado são coisas como esta :
http://ambio.blogspot.com/2004/06/o-estado-da-poltica-de-conservao-em.html.
No final quem decide quem fica e quem parte ? Quem é que estabelece os critérios e com base em quê ? De quem são os princípios de utilidade, oportunidade, possibilidade que se impõem? Os da espécie ameaçada ?

Se a ciência não se entende no sentido de se tornar inteligível, o que vai acontecer é que os seus pareceres e por conseguinte a sua capacidade de influir na boa govbernança, tenderão a seguir o caminho dos celebrados acórdãos tipo Casa Pia. O granel conceptual não serve nem a conservação nem a biodiversidade. Tudo o que pode servir é a corporação de interesses que se vai consolidando em redor das questões da conservação.


Francisco,

Vc e essa vocação ganadeira... Já não sei que lhe faça ! :)

Paulo T disse...

Agradeço a clarificação. Mera curiosidade: como designaria cursos com o desenho do referido ?

alf disse...

Muito interessante.

Penso que somos uma cultura presa ainda à ideia de que o universo é perfeito e eterno, toda a mudança é obra do Mal - pois se Deus é perfeito, assim o será a sua obra e toda a mudança só pode ser obra do Mal.

Mas é exactamente ao contrário. A Evolução é que tudo cria, é a verdadeira face do Deus, e agir contra ela é servir o Mal...

... nada como um discurso de fundo religioso para entrar na cabeça das pessoas rsrsr

Manuel Rocha disse...

Paulo, não faço ideia de que nome daria a um curso desses, e tenho mesmo dificuldade em perceber-lhe o conteúdo. Se é uma especialização, não faz sentido que seja em “biologia” porque a prática da conservação é tão vasta e variável quanto a própria biodiversidade. Se é um conhecimento transversal, deveria estar apenso a todas as áreas do conhecimento pertinentes que vão muito para além da biologia. Passa-se aqui o que tb acontece na “educação ambiental” . Se as interacções com o meio são uma constante na vida devendo por isso ser transversais a todo o processo educativo, faz sentido uma abordagem na “especialidade” ?
Esta propensão para multiplicar especializações como se todos os problemas fossem técnicos e necessitassem de soluções técnicas, anda a produzir uma ignorância de mundividência holistica que tem tanto de assustador como de hilariante. Mais que uma questão da biologia, a conservação é uma questão filosófica. Fazer passar esta ideia por entre as fileiras da tecnocracia cientifica vigente é que não tem nada de fácil.


De acordo Alf, eu não gosto é de usar "evolução " nesse discurso porque ficamos logo agarrados a uma fortissima conotação ideológica. Parece-me mais objectivo falar de "mudança". É o que é.

Anónimo disse...

Mais uma vez obrigado. Se não for abusar, um ultimo esclarecimento: então como acha que deveriam ser designados os projectos que envolvem espécies ameaçadas ou em vias de extinsão ?

Paulo

Manuel Rocha disse...

Paulo,disponha.

A ecologia americana da primeiro metade do sec XX chamava-lhe "reserve" ( strategy on wolf population reserve...( Adams e outros )) . Era aí que situava métodos e técnica de controlo ( recuperação, repovoamento, recolocação, desbaste ) de populações e de manipulação de habitats de espécies. Nunca li uma tradução numa plavra que fosse plenamente satisfatória, a mais proxima que encontro desse sentido é "salvaguarda". De algum modo é essa a ideia das "reservas". Mas não confundir com "preservar" , que na origem pressupõe não ingerência, desse isso no que desse, era deixar a natureza ( sem homem) seguir o seu curso.

alf disse...

Manuel Rocha, eu compreendo, mas «mudança» também não especifica nada, além de que «mudar» pode ser um processo em si mesmo - por exemplo, muda-se periodicamente de password para evitar que seja descoberta, ou os americanos têm o hábito de mudar regularmente as regras da sua economia (liberalizar, centralizar, separar, concentrar, etc) a fim de combater os abusos de posição - é um «mudar» para garantir que não há mudança (indesejada).

«Evolução» implica «mudança» mas o contrário não é verdade; parece-me que é preciso uma palavra que diga mais do que simplesmente «mudança» e ainda não encontrei melhor do que «evolução», pese embora as conotações que refere.