domingo, 2 de março de 2008

Ensino Verde


Be the change you want to see!

A frase acima transcrita é atribuída a Ghandi e invocada com frequência no contexto de um fenómeno que se globalizou a partir da década de sessenta – o activismo ambiental.

Este tipo de intervenção social que, à semelhança de outros activismos se define por privilegiar a prática efectiva de transformação da realidade em detrimento da actividade exclusivamente especulativa, subordinando frequentemente a sua concepção de verdade ou de valor ao sucesso ou pelo menos à possibilidade de êxito na acção ( Toraine ), ganhou aderentes e materializou-se numa série de organizações cuja acção tem sido amplamente reconhecida. Sendo o activismo ambiental raramente coordenado, nem sempre meritório e só ocasionalmente efectivo, é legitimo supor que o seu reconhecimento muito deva à fácil adesão emocional das causas que abraça.

Esta adesão por sua vez é devedora de um fenómeno que lhe tem sido paralelo: a globalização da TV e a mediatização dos acontecimentos em tempo real. De facto, entre a cobertura jornalística em diferido das marchas de Ghandi ou de Luther King e as reportagens em directo dos zodíacos da Green Peace interpondo-se entre os arpoeiros japoneses e as baleias de bossa, não há propriamente diferença de potencial informativo. Mas o meio de divulgação actual ( TV a cores e em directo, revistas a cores de grande circulação ) tem um impacto emocional completamente diferente e sendo a causa “nobre” acrescenta-lhe motivação. Provam-no as audiências das temáticas ambientais e a consequente colagem que a elas tem sido feita pelas estratégias de marketing publicitário da mais diversa ordem.

Assim, entre os média e os activismos ambientais tem-se instalado uma relação que, aparentando ser cooperante, tem frequentes contornos de alguma promiscuidade, uma vez que a produção de acontecimentos ambientais como área de actividade é hoje modo de vida para muitos ambientalistas.

Provêm dessas relações boa parte dos mais diversos formatos de abordagem a problemas tidos por ambientais e que são o suporte em que se apoia com frequência uma das áreas em que o activismo ambiental se materializou de forma incontornável - a chamada educação ambiental. A ela se dedica ( ou diz dedicar-se ) uma infinita parafernália de entidades e personalidades, públicas ou privadas que, agindo a solo ou em parceria, se desmultiplicam em iniciativas do mais variado cariz. Faz-se de facto muita coisa. Importantes recursos humanos e materiais, bem como incontáveis boas vontades, são envolvidos e inevitavelmente, mesmo que seja apenas por arrastamento, algo mudará por isso. Mas…o que é que muda ?

Se as estruturas e os agentes de EA tivessem capacidade ou objectivos de leitura crítica das temáticas e dos formatos em que estas são propostas, é óbvio que poderiam ocorrer desenvolvimentos importantes na atitude com que os cidadãos do futuro irão encarar o outro e os recursos que a todos interessam. Mas não é assim. E a consequência é que em nome do ambiente se assiste a processos que, em lugar de colocarem em causa a essência mesma da dinâmica consumista que lhes induz os impactos negativos, se limitam a sugerir a substituição do cabaz de compras convencional pela sua versão verde, que sugere que se consuma a mesma ou maior quantidade de tudo, desde que apresente uma etiqueta verde qualquer.
Como não há nem é bem vinda qualquer veleidade de questionar o modelo de sociedade de consumo e de produção do supérfluo, não espanta que esta seja a realidade geral da EA, até porque no sector privado são cada vez mais as empresas que a adoptam como estratégia para reverdescer a sua imagem. O que se lamenta é que nem a escola seja capaz de inovar nesse campo, limitando-se a EA que aí é feita a contribuir de forma acrítica para adaptar as futuras gerações de consumidores à nova versão do mundo capitalista – o capitalismo verde !

14 comentários:

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

O capitalismo verde! Sempre o capitalismo na sua infinita maleabilidade... De facto, a educação ambiental tem os efeitos contrários: gestores e consumidores do verde.
Cada vez estou mais convencido que o problema são as próprias pessoas. Estamos completamente mergulhados num oceano de gente que não pensa, não memoriza, não sente, não vive... Metabolismo total! A solução deve ser radical e ir ao próprio homem. O inverso do humanismo do jovem Marx.
Bom texto! :)

Rita disse...

Olá Manuel,
Pessoalmente, acho que qualquer formação especializada devia incluir uma parte de técnicas pedagógicas para facilitar a transmissão de conhecimentos básicos ao público leigo na área. Por exemplo, a falta de "cultura científica" em Portugal tem muito a ver com o facto de quem trabalha nessa área se dedicar exclusivamente à ciência e não existirem programas de educação ambiental, científica, etc. Se temos um museu de Arte Antiga excepcional, porque não temos um Museu da Ciência com a mesma dimensão? Os cientistas estão enfiados nos seus nichos e a única obrigação pedagógica que têm é dar aulas a quem já escolheu essa via de formação. Para o público, nicles. Isso fica nas mãos da nova espécie de "sanguessuga ambiental", o formado em ciência que não arranja maneira de exercer e por isso decide viver à conta de empresas que querem ter uma bela fachada de responsabilidade ambiental, ou de autarquias que andam todas entusiasmadas a gastar toneladas de papel para implementar Agendas 21 e depois deixam ficar os projectos na gaveta. Para mim, não é diferente de um médico que tirou o curso e a partir daí só se dedicou a passar receitas, sem fazer o mínimo de formação para se actualizar. E é uma espécie que está a proliferar qual Acácia em território português mas que eu bem gostava de ver extinta! E sabe que mais? Vou iniciar um projecto que está dividido entre estudar microorganismos inexplorados do subsolo dos Açores e desenvolver conteúdos para sensibilizar o pessoal das ilhas para a riqueza em biodiversidade que ali têm. Cientistas respondem ao público. Mas adivinhe lá.... metade do projecto é financiado por uma Univ dos USA...

alf disse...

A Escola tem a grande preocupação de enfiar ideias nos cérebros "verdes" das criancinhas. Enchê-las, enchê-las, para que não sobre espaço nenhum para as perigosas ideias próprias, autónomas.

O que a Escola deveria ser capaz de fazer era ser um espaço de diálogo de ideias diferentes, de sistematicamente apresentar pontos de vista contraditórios, porque não há verdades absolutas.

Isso é algo que se pratica em escolas dos EUA, é metodológico nessas escolas.

Uma escola devia preparar o aluno para ser autónomo, para ter pensamento autónomo, para ser capaz de desenvolver autonomamente a sua actividade em vez de apenas ser empregado de outrem; mas parece-me que é exactamente o contrário.

É exactamente como diz manuel: a ecologia tornou-se um forma de ... promover o aumento do consumo.

Nós temos de aprender a decidir pela nossa cabeça e NUNCA fazer o que nos dizem para fazer. Qual é o pai que tem a coragem de ensinar isso ao filho? "Livra, que ele depois pode não me obedecer..." pois, o problema começa em casa...

Manuel Rocha disse...

Francisco,

A solução não sei qual é, mas estou como o poeta :não sei por onde vou, sei que não vou por aqui !

;))

Rita,

É isso mesmo ! Não se consegue fazer uma pedagogia sobre temáticas que não se dominam nem divulgar adequadamente o que se sabe quendo falta a pedagogia. Mas o mais importante nisto tudo continua a ser a capacidade de se pensar sem ser pelos lugares comuns adequadamente publicitados pelo sistema e seus fazedores de opinião. Houvesse pensamento autónomo e capacidade critica e pelo menos seria possivel trabalhar as margens com alguma qualidade...

Manuel Rocha disse...

Alf,

Exactamente !

Ser capaz de ensinar a questionar mesmo quando não se têm as respostas. Antes isso que fazer de pessoas papagaios amestrados que respondem acriticamente e em coro às maiores idiotices apenas porque legitimadas pelo pivot do telejornal da véspera!...

Blondewithaphd disse...

I think your text clearly reveals why I changed from an environment crusader to an environment-friendly person and that pretty much sums up my interference in environmental positions. I think I got fed up with all that boosting show off that leads nowhere.
Good points in clear speech, as always!

Anónimo disse...

Temos por aqui assistido a verdadeiros debates de ideias e a apresentações brilhantes.

Esta, como sempre, não foge à regra, não escamoteia questões nem nos mostra um autor a refugiar-se atrás de banalidades politicamente correctas.

Quanto à questão da EA confesso que, numa primeira leitura, apressada e em diagonal fiquei esperançadíssimo ... aquelas letras, assim em grande, destacavam-se e levaram-me a pensar que o Manuel nos ia brindar com dois dedos de prosa sobre a mui ilusre Eugénio de Almeida e as suas divinais colheitas.

Mas depois, vendo que por ali andava Gandhi e se falava em verde, pensei que não podia ser. Não se ia estar a falar de maduros com verde em destaque de abertura.

Reli e cheguei à conclusão que o Manuel agora se dedica a temas de ficção-subversiva-científica.

Então o amigo quer que as escolas façam o quê?

Eduquem verdadeiramente para as questões ambientais?

Manuel, o refúgio a que se dedicou longe da Humanidade, desculpe-me a franqueza, fez-lhe mal, homem de Platão.

Então se as escolas quase não ensinam nada de préstimo, ainda você quer que eduquem?

Décadas e décadas de "eduqûes" e de escola inclusiva não se deitam assim fora sem mais nem quê. E ainda levantava o problema de não se saber em que ecoponto se depositava!

Tenho para mim que se chegou a um estado de vegetativa estupidez tal que nem foi preciso nenhuma conspiração capitalista para nos por acéfalos até nas questões ambientais.

Simplesmente aproveitaram a onda e estão a cavalgar a mesma. E a maioria, esmagadora, cretina a aplaudir!

Manuel Rocha disse...

Os comentários do Quint são sempre uma mais valia neste espaço, e este não só não foge a essa regra como ainda por cima é divertido ...:))

Ora tudo o que o amigo diz é extremamente pertinente. Mas dá-se o caso que quando desço do meu refúgio na montanha e chego à cidade, encontro pessoas verdadeiramente empenhadas em causas mas a quem faltam os meios para as defender porque não têm instrumentos analiticos para as compreeender. E, pior, nem se apercebem disso! Porque uma coisa é dizer que nos limitamos ao eduquês, outra dizer porquê e procurar caminhos alternativos dentro da própria pratica pedagógica.

Ora se nesta matéria nos for possivel ter algum tipo de acção, mesmo que marginal, cumpre-se o nosso dever de cidadania.

Nem sempre o Mundo muda aos solavancos, não é verdade, Blonde ? A mudança também pode ser o resultado de sementeiras feitas nas margens do presente. As alternativas que sobram, ou seja, desistir ou dispender energias em redor das pobres agendas mediáticas que nos tentam preencher os dias e os neurónios, é que não me parece opção. E penso que Eugénio de Andrade concordaria comigo. Que acham ?

Anónimo disse...

A Produtora VIDEOMEDIA está neste momento em fase de pré produção de um programa televisivo para RTP2 sobre a reciclagem.

Sinopse do Programa: ‘DESAFIO VERDE’ é um programa de entretenimento com factos reais e cerca de meia hora de exibição que mostra que não é necessário ser extremista para ser amigo do ambiente. A equipa do’DESAFIO VERDE’ entra na casa dos telespectadores cheia de’armas’ ecológicas, transforma a num paraíso limpo e verdejante e,durante este processo, educa as famílias e dá-lhes dinheiro.

Todas as semanas, ‘DESAFIO VERDE’visita uma família diferente e faz a auditoria do seu lixo e da energia que consomem vcom a ajuda de uma ‘calculadora ecológica’ criada pelo programa. A família analisada é, depois, confrontada com a terrível verdade acerca do seu impacto a longo prazo no planeta. “DESAFIO VERDE” é um programa de informação que transforma o nosso já existente sentido ecológico, convertendo-nos num ambientalista do futuro.

Para que serve reciclar? Lavo a loiça à mão ou na máquina? Como posso poupar mais? O que é melhor para o planeta? ‘Desafio Verde’ é um programa da RTP que dá resposta a todas estas perguntas e mostra aos telespectadores que cada vez que reduzimos o consumo de energia e água, não só poupamos dinheiro,como também contribuímos para salvar o planeta.
Ser mais ecológico é ser mais económico.
in http://www.amcpn.com/?p=118

Estou para ver a razoabilidade da calculadora ecológica...
E como as qualificações da população portuguesa não são grande coisa, dizem as estatísticas, o grau de profundidade e de explicações deve ser muito profundo.
Espero ainda que, como vão mostrar que vamos poupar dinheiro promovam também umas noções de economia tais como amortizações, custo de oportunidade, etc...

Será que devo dar o benefício da dúvida?

Manuel Rocha disse...

Osvaldo:

Beneficio da dúvida ? Sempre ! Há sempre a possibilidade de que alguém comece a pensar e daí siga por sua conta e risco por viagens mais ousadas. Além de que se os apresentadores tiverem o necessário conhecimento para lidar com a informação associada, é sempre possivel questionar comportamentos de consumo que em conjunto não se podem considerar
irrelevantes.

Claro que a receita " salvar o planeta porque até dá dinheiro" é um caminho um pouco enviesado para chegarmos à consciência ecológica que pretendemos. Basicamente promevem-se meia dúzia de paliativos de consciência por uma causa tão emocional quanto absurda - a "salvação" de um planeta que já cá anda há milhões e vai continuar a andar depois destas conversas. Além de que não será preciso ser bruxo para prever os conteúdos das publicidades intercalares, não é ?...:))

Rita disse...

Osvaldo... gostava de o informar que em minha casa pagamos mais de aluguer de contador+taxa de RSU do que de consumo efectivo de água... bem como em casa de várias pessoas que conheço e que reaproveitam a água de várias maneiras. Ambientalismo=economia de certeza...

Anónimo disse...

Olá Manuel !

Estava com colegas em redor de alguns dos seus textos. É curioso que a primeira reacção de quem o lê é idêntica à que eu própria tive, ou seja, de se ser levado a pensar que o autor é mais um teórico treinador de bancada. Percebe-se depois nas suas linhas que domina muito bem as matérias que aborda e que tem sobre elas uma perspectiva muito lúcida. Mas como nem todos temos a sua formação ( e história de vida, possivelmente )temos sérias dificuldades em romper o cerco mediático a que se refere e enveredar pelas estratégias de educação critica que sugere. O nosso problema, de professores que se interessam, é também saber "como" fazer a diferença contra o tremendo peso das ideias feitas que se propagandeiam por tudo quanto é lado, pelo que todas as sugestões que possa dar-nos nesse sentido serão muito bem vindas.


Matilde Costa,Anabela Reis,Joana Cabrita e Pedro Santos

Tiago R Cardoso disse...

gosto de modas, é giro, alegram, dão assim um ar moderno, cheio de prá frente, dai ter adorado essa do capitalismo verde.
Subitamente, se calhara assim não tão súbito, o pessoal anda todo verde, é o povo, é o patrão, nós somos fixes muito verdes, quando na realidade não passa de um sou verde na moda, só para parecer porreiro.

Aliás vou mais longe, tem muito individuo ai que se diz ecologista só para ser moderno, quando na realidade nem sabem do que se trata, faz-me lembrar um partido que anda por ai e que na realidade não passa de uma copia em pequeno de outro.

Enfim é o que temos e o que gramamos.

Manuel Rocha disse...

Matilde e Colegas,

Obrigado a todos pelo comentário e pela simpatia.
Acabo de publicar um novo post com abordagens mais concretas. Espero que sirva...:)

Tiago,

Sim, é moda, mas nós não a "apoiamos", certo ?

:))

Blue, Carissima:

Deixo-te um desafio à tua altura: um post sobre o teu conceito de "alternativa eficiente". Força nessas teclas !

:))