A crise instalada tem trazido à discussão a necessidade de abordagens inovadoras para a economia. A preocupação central de alguns desses ensaios vai no sentido de evitar ou diminuir os inconvenientes do granel a que se convencionou chamar economia de mercado, e nesse aspecto merecem-me incondicional adesão.
Um dos discursos que tem vindo a fazer caminho, apela para a responsabilidade social e para a solidariedade das empresas. Diz que as empresas devem ultrapassar o primado da remuneração do capital investido e incorporar na sua postura preocupações de carácter social relativas ao bem-estar dos seus colaboradores e de solidariedade para com as comunidades em que se integram. Fala-se então de Economia Social e Solidária. Mas há neste discurso alguns aspectos sobre os quais julgo que vale a pena reflectir.
O primeiro é a ênfase na distribuição, na necessidade de reflectir socialmente os resultados da actividade empresarial. Tudo indica que quando se diz “resultados” se pretende dizer “produto”. O pressuposto é, supõe-se, que se considera insuficiente a distribuição feito pelos salários e pelo Estado, nomeadamente pela via da tributação dos lucros das empresas e pela consequente prestação de serviços públicos. Então, além do eventual reforço da remuneração do trabalho e em lugar de um maior peso da carga fiscal, e por conseguinte do papel redistributivo do Estado, preconizam-se também esforços acrescidos de intervenção social directa das empresas.
A ideia é simpática. Remete para uma maior peso da sociedade civil e das economias regionalizadas e de pequena escala na governação. Nada a opor, tudo a favor. Mas há uma questão: é que subentende-se garantido o sucesso das empresas.
Na verdade os discursos a que tenho tido acesso são omissos no que respeita à solidariedade com o insucesso das empresas ou com a possibilidade de repartição de prejuízos, e não mencionam o que quer que seja no que se refere à questão de reflectir socialmente os riscos associados à iniciativa empresarial.
No subtexto dessa dupla omissão pode-se ser levado a intuir um certo género de preconceito, fundado no pressuposto de que todos os empresários são capitalistas e, por conseguinte, o risco é algo inerente à sua actividade. Bem, talvez não seja descabida a hipótese de que a maioria dos empresários não sejam capitalistas. Aqueles que estão vocacionados para exercer duradouramente actividade a nível local e regional, menos o serão. E para estes, talvez faça sentido questionar se será legitimo esperar-se deles níveis de suplementares de solidariedade social, quando em contrapartida não se vê que haja quem se chegue à frente para discutir a partilha dos riscos e prejuízos que, quando ocorrem, os empresário assumem a titulo exclusivamente particular.
O segundo aspecto que gostava de abordar é a aragem de "novidade" dos discursos sobre economia social e solidária. A linguagem inovadora pode levar a esquecer ou a não reparar que há muito as ideias que incorpora estão instituídas e em lugar de relevo no nosso sistema politico-económico. Ou seja, talvez não fosse necessário pedir às empresas que se comportem como misericórdias, uma vez que as soluções institucionais para enquadrar o ideário da economia social e solidária já foram inventadas e existem.
O direito à constituição de associações e de cooperativas, que são por excelência entidades onde se plasma na integra o ideário da economia social e solidária, há décadas que está consagrado na Constituição da República e regulamentado na Lei. E em rigor não se pode dizer que as associações e cooperativas não tenham expressão no tecido económico e social português. Outra questão é perceber que razões têm obstado a que o movimento associativo e cooperativo não se tenham reflectido de forma mais evidente na equidade e na solidariedade social que se desejam.
O hábito instalado de questionar e responsabilizar os Governos pelos insucessos da sociedade fará sentido neste domínio ? Talvez não faça. É possível que as pessoas não se associem na procura de vantagens colectivas estruturais, mas de benesses individuais. É possivel que apenas condições de absoluta necessidade sejam capazes de promover a cooperação. Esta hipótese talvez encontrasse suporte em estudos de caso da relação temporal que associados e cooperantes têm com as suas organizações mutualistas em Portugal.
A desresponsabilização ostensiva de sócios e cooperantes pela gestão mutualista, remete tem remetido essas organizações para modelos de gestão profissional. A partir dai são empresas como as outras, frequentemente dotadas com estruturas profissionais mais empenhadas em manter a porta aberta em nome da preservação do posto de trabalho dos quadros , que na procura do bem comum. Talvez não fosse dificil de verificar a facilidade que o cooperante típico da adega ou da caixa agrícola, vende a alma à concorrência por um cêntimo de alcavala no revenue da uva ou dos juros. Para a cooperativa ( a quem os cooperantes se referem sempre na terceira pessoa - "eles" ! ) fica a uva com míldio que o mercado não quer e os empréstimos de risco que a banca comercial recusa.
Os resultados da banalização desta atitude terão tido papel decisivo na reduzida notoriedade e contributo do mutualismo no tecido sócio-económico português, ao ponto de quase se esquecer que existe e procurar-se reinventá-lo? Não faço ideia. Mas uma coisa é certa: o neoliberalismo capitalista não é obrigatório. Por isso me atrevo a sugerir que talvez fosse pertinente reflectir sobre o seu sucesso a par da dificuldade cultural que temos revelado para agir colectiva e duradouramente em abordagens da economia que privilegiem objectivos sociais.