terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Economia Social e Solidária

A crise instalada tem trazido à discussão a necessidade de abordagens inovadoras para a economia. A preocupação central de alguns desses ensaios  vai no sentido de evitar ou diminuir os inconvenientes do granel a que se convencionou chamar economia de mercado, e nesse aspecto merecem-me incondicional adesão.

Um dos discursos que tem vindo a fazer caminho, apela para a responsabilidade social e para a solidariedade das empresas. Diz que as empresas devem ultrapassar o primado da remuneração do capital investido e incorporar na sua postura preocupações de carácter social relativas ao bem-estar dos seus colaboradores e de solidariedade para com as comunidades em que se integram. Fala-se então de Economia Social e Solidária. Mas há neste discurso alguns aspectos sobre os quais julgo que vale a pena reflectir.

O primeiro é  a ênfase na distribuição, na necessidade de reflectir socialmente os resultados da actividade empresarial. Tudo indica que quando se diz “resultados” se pretende dizer “produto”. O pressuposto é, supõe-se, que se considera insuficiente a distribuição feito pelos salários e pelo Estado, nomeadamente pela via da tributação dos lucros das empresas e pela consequente prestação de serviços públicos. Então, além do eventual reforço da remuneração do trabalho e em lugar de um maior peso da carga fiscal, e por conseguinte do papel redistributivo do Estado, preconizam-se também esforços acrescidos de intervenção social directa das empresas.

A ideia é simpática. Remete para uma maior peso  da sociedade civil e das economias regionalizadas e de pequena escala na governação. Nada a opor, tudo a favor. Mas há uma questão: é que subentende-se garantido o sucesso das empresas.

Na verdade os discursos a que tenho tido acesso são omissos no que respeita à solidariedade com o insucesso das empresas ou com a  possibilidade de repartição de prejuízos, e não mencionam o que quer que seja no que se refere  à questão de reflectir socialmente os riscos associados à iniciativa empresarial.

No subtexto dessa dupla omissão pode-se ser levado a intuir um certo género de preconceito, fundado no pressuposto de que todos os empresários são capitalistas e, por conseguinte, o risco é algo inerente à sua actividade. Bem, talvez não seja descabida a hipótese de que a maioria dos empresários não sejam capitalistas. Aqueles que estão vocacionados para exercer duradouramente actividade a nível local e regional, menos o serão. E para estes, talvez faça sentido questionar se será legitimo esperar-se deles níveis de suplementares de solidariedade social, quando em contrapartida não se vê que haja quem se chegue à frente para discutir a partilha dos riscos e prejuízos que, quando ocorrem, os empresário assumem a titulo exclusivamente particular.

O segundo aspecto que gostava de abordar é a aragem de "novidade" dos discursos sobre economia social e solidária. A linguagem inovadora pode levar a esquecer ou  a não reparar que há muito as ideias que incorpora estão instituídas e em lugar de relevo no nosso sistema politico-económico. Ou seja, talvez não fosse necessário pedir às empresas que se comportem como misericórdias, uma vez que as soluções institucionais para enquadrar o ideário da economia social e solidária já foram inventadas e existem.

O direito à constituição de associações e de cooperativas, que são por excelência entidades onde se plasma na integra o ideário da economia social e solidária, há décadas que está consagrado na Constituição da República e regulamentado na Lei. E em rigor não se pode dizer que as associações e cooperativas não tenham  expressão  no tecido económico e social português. Outra questão é  perceber que razões têm obstado a que o movimento associativo e cooperativo não se tenham reflectido de forma mais evidente na equidade e na solidariedade social que se desejam.

O hábito instalado de questionar e responsabilizar os Governos pelos insucessos da sociedade fará sentido neste domínio ? Talvez não faça. É possível que as pessoas não se associem na procura de vantagens colectivas estruturais, mas de benesses individuais. É possivel que apenas  condições  de absoluta necessidade sejam capazes de promover a cooperação. Esta hipótese  talvez encontrasse suporte em estudos de caso da relação temporal que associados e cooperantes têm com as suas  organizações mutualistas em Portugal.

A desresponsabilização ostensiva  de sócios e cooperantes pela   gestão mutualista, remete tem remetido essas  organizações  para modelos de gestão profissional. A partir dai são empresas como as outras, frequentemente dotadas com estruturas profissionais mais empenhadas em manter a porta aberta em nome da preservação do posto de trabalho dos quadros , que na procura do bem comum. Talvez não fosse dificil de verificar a  facilidade que o cooperante típico da adega ou da caixa agrícola,  vende a alma à concorrência por um cêntimo de alcavala no revenue da uva ou dos juros. Para a cooperativa ( a quem os cooperantes se referem sempre na terceira pessoa - "eles" ! ) fica a uva com míldio que o mercado não quer e os empréstimos de risco que a banca comercial recusa.

Os resultados da banalização desta atitude terão tido papel decisivo na reduzida notoriedade e contributo do mutualismo no tecido sócio-económico português, ao ponto de quase se esquecer que existe e procurar-se reinventá-lo? Não faço ideia. Mas uma coisa é certa: o neoliberalismo capitalista não é obrigatório. Por isso me atrevo a sugerir que talvez fosse pertinente reflectir sobre o seu sucesso a par da dificuldade cultural que temos revelado para agir colectiva e duradouramente em abordagens da economia que privilegiem  objectivos sociais.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

(Re)PISA !

Quando eu pensava que sobre o PISA já se tinham dito todos os dislates possíveis, surprise, surprise !

«Um conselho, em especial àqueles colunistas que foram mesmo jornalistas há muito tempo e que há muito tempo confundem jornalismo com telefonemas, almoços e jantares: façam algum trabalho de campo… descubram que escolas participaram no PISA 2009, comparem com as de 2006 e 2003 e depois digam-me lá se desta vez o ranking médio das escolas não foi mais elevado. Não sou dos que acham que a amostra foi maltratada; pelo contrário, acho que desta vez é que a coisa foi tratada com o devido cuidado. Não são estes resultados que são uma enorme surpresa, talvez os anteriores é que tenham sido abaixo do possível.» Paulo Guinote!

Esta autoridade insinua pois, preto no branco, que as amostras anteriores não foram aleatórias. Que de algum modo elas teriam sido manipuladas para revelar resultados fracos numa primeira fase, para depois usar a “realidade” como coroa de louros para as suas politicas. Não estou em condições de discutir a substancia técnica da questão, também não fiz o trabalho de campo nem o de casa sobre a amostragem utilizada. Mas é evidente que se a douta opinião estivesse de facto interessada em questionar a influência nas médias e nos rankings das técnicas de amostragem utilizadas e da sua  eventual manipulação, em coerência metodológica e cientifica, teria de tornar o duplo pressuposto  extensível a todos os países participantes no inquérito, certo ? Então porque não refere isso ? Será que tem em seu poder um “cabo”ainda secreto sacado do Wikileacks revelando que Portugal foi o único criativo do estudo que subornou a malta da OCDE para nos  ajeitar as amostragens em conformidade com uma elaborada cabala? Ainda haverá quem consiga defender que há seriedade neste debate ? Ou será que nos transformamos  numa sociedade de inimputáveis e não dei por isso?

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

O PISA e o Ridículo

O desconforto de quem protagonizou a oposição à ex Ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, com os resultados agora publicados pelo PISA 2009, tem sido notório. Se fosse uma reacção digna, seria apenas isso – um desconforto. Mas não. Como os resultados não estão conforme as teses de descalabro eminente do sistema, então abundantemente defendidas para justificar a oposição às medidas propostas, os seus autores resolveram agora afanar-se na contestação ao PISA.

A maioria, básicos, começaram por atribuir os resultados ao facilitismo da avaliação sem cuidar de perceber que a avaliação é idêntica em todos os países participantes. Os sofisticados, a minoria, optaram por atribuir os resultados ao acaso. A óbvia fragilidade dos argumentos de uns e outros, oportunamente esquecidos de que antes usaram outros PISA como sólido suporte de contestação, foi salva pelos sindicatos, que vieram a público explicar em definitivo o fenómeno: os professores teriam resolvido dar uma chapada de luva branca na Ex-Ministra, arregaçando as mangas e trabalhando ( ?!) .

Poderia ilustrar o texto com vários links mas não gosto de contribuir para potenciar o ridículo de quem a ele assim se expõe. Quando se trata de classes profissionais inteiras, além de desgostoso fico também preocupado. Mas tratando-se de uma classe profissional que tem responsabilidades acrescidas na sociedade do futuro, “desgostoso” e “preocupado” não descrevem cabalmente o que sinto perante a imbecilidade desta reacção.

Considero que na Escola a falta de exemplos de referência é pior que quaisquer insuficiências de preparação cientifica ou pedagógica de muitos professores. Na verdade interessam-me menos os comparativos, sejam os resultados do PISA em ciências, matemática ou literatura , que a formação cívica e humana das criaturas que estão “condenadas” a passar na Escola uma parte muito significativa das suas vidas. A sensatez auto-critica que evita a exposição ao ridículo é uma parte importante dessa formação e cultiva-se pelo exemplo. Mas não com exemplos como este que os professores de novo nos deixam. Não me surpreenderam porque são coerentes com as invectivas ad-hominem em que usavam à saciedade o epíteto de “vaca” ( versão soft ) para nomear o adversário politico. Não me surpreendem, mas continuam a envergonhar-me!



quinta-feira, 18 de novembro de 2010

A Guarda Verde

Quando nos finais dos anos sessenta do século passado Mao-Tsé- Tung achou que a sua revolução estava a descambar, convocou os chinocas mais novitos, passou-lhes para as mãos um livrinho com a sua versão dos mandamentos e mandou-os “reeducar” o povo pela nova cartilha. Ficaram conhecidos por “guardas vermelhos” e a sua intervenção na sociedade chinesa para repor a revolução nos carris que Mao idealizara está bem documentada .

Tal como muitos outros personagens, nem todos célebres, também Mao percebeu que a juventude é um campo fértil para cultivar doutrinas. Como naturalmente lhe falta experiência de vida e tem pressa de mundo, a rapaziada é mais receptiva a soluções idílicas do que a dúvidas concretas. Aprender a questionar sempre dá mais trabalho e requer mais tempo do que a papaguear ideias pré-fabricas. Por isso, independentemente do seu valor intrínseco, qualquer proposta inovadora constitui um plus para a incontornável vocação catequista do activismo juvenil. E daí não viria mal de maior ao mundo se nele não houvesse quem tivesse percebido como usar essa disponibilidade para dar corpo a agendas no mínimo questionáveis.

Poderia pensar-se que actualmente o mundo estaria mais sensato e evitaria esses abusos da idade da inocência, mas não é o que parece. A demonstrá-lo está aí um remake da actuação da guarda vermelha em horário nobre e na televisão pública. Armada de uma cartilha pseudo-científica e motivada pela fantástica ideia de que o planeta precisa de ser salvo, uma simpática miúda camufla-se de tonta e entra pelas casas da malta a etiquetar a eito de “culpado e eco-criminoso” o desprevenido consumidor. E o coitado pasma! Boquiaberto, nem sequer consegue questionar como é que a mesma caixinha que passa o dia a incentivá-lo a comprar tudo e mais alguma coisa, tem o topete de o vir insultar às dez para as dez quando o gajo finalmente se senta em frente ao televisor e se prepara para rematar mais uma esgotante jornada de produção consumindo o telejornal da Felgueira ! Não fosse a estupefacção e decerto punham a moça na rua. Mas não. Revelando um notável estoicismo, submetem-se. E a procissão lá foi fazendo o seu caminho sem que o Sr Paquete de Oliveira dê mostras de ter algo a dizer.

O programinha chama-se “desafio verde” e não é novo mas mudou de atitude! Uma mudança que não passaria de mais um  desvario televisivo se não se desse o caso de várias escolinhas e muitos professores fofinhos apoiarem e promoverem a iniciativa. Acham, dizem, que estão a fazer educação ambiental. Mas o que assim revelam é que são uns imaturos semi-instruidos que não percebem nem o que é educar nem o que é ambiente. Levianamente, estes kidos estão apenas a fazer da escola uma variante verde aos campos de treino onde se doutrinavam as juventudes maoistas. E a contribuir activamente para que o site recentemente criado pela PGR para recuperar a tradição pidesca dos bufos, possa também vir a revelar-se um enorme sucesso para a denúncia verde anónima.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

A Propósito do Azeite

A generalidade das ideias que têm sido propostas para ultrapassar o que tem vindo a ser diagnosticado como ‘estado anémico’ da economia nacional, referem habitualmente a necessidade de obter ganhos na produtividade, de melhorar a competitividade, de desenvolver o potencial de crescimento da economia e por aí, espera-se, fomentar o emprego. Quando se fala destas questões, isso é feito como se fossem obvias para todos as origens dos problemas que se pretende resolver. Ora a discussão especifica mostra que não é bem assim. O debate politico-económico bloqueia na descrição dos factos macroeconómicos, e revela claras insuficiências no entendimento critico das dinâmicas sociais que as politicas concretas induzem a níveis mais desagregados.

Concretizo.

Há dias foi inaugurada em Ferreira do Alentejo (FA) uma unidade industrial que é descrita como um dos maiores e mais modernos lagares de azeite do mundo. Uma capacidade instalada para processar mais de 900 t de azeitona por dia produzindo qualquer coisa como 200 mil litros de azeite, são números impressionantes. Para se ter uma ideia do que isto significa repare-se que junto à Estação do Crato está em funcionamento um lagar convencional, que era modelar há 25 anos, mas que processa numa campanha o que este de Ferreira poderia processar num dia. E, dado importante, enquanto o lagar do Crato dá trabalho permanente a uma dezena de empregados e temporário (durante a campanha ) a outros tantos, ao de Ferreira do Alentejo bastam quinze pessoas para operar a unidade !

Portanto, por comparação, os ganhos de produtividade são inquestionáveis e, por arrasto, a competitividade do produto final só pode beneficiar por isso. Mas e o emprego ?

Por si só a desproporção observada nas necessidades de mão de obra bastaria para fazer soar algumas campainhas de alarme quanto ao real impacto da produtividade e da competitividade da industria, neste tempo das novas tecnologias, na resolução de problemas estruturais de excedentes de mão de obra. Mas o caso é que os efeitos das novas tecnologias no emprego na fileira do azeite, não se limitam ao sub sector da transformação.

Os 10.000 ha de novos olivais intensivos que irão alimentar o lagar de Ferreira, também estão naturalmente desenhados para maximizar a produtividade e a competitividade. Quer isto dizer que só no que à apanha diz respeito, um operador e a respectiva máquina de nova geração colhem num dia o que uma equipa de 12 pessoas colhe numa semana num sistema de mecanização convencional ( vibradores, aspiradores, crivos mecânicos, toldos…) que há 25 anos representava o topo de gama.

A comparação poderia prosseguir para montante ou para jusante porque tem inúmeras ramificações. Deixo apenas uma para exemplificar. O método de controlo de infestantes nestes olivais intensivos já não são as ovelhas , mas os herbicidas aplicados mecanicamente pelo mesmo operador que antes andou a fazer a colheita, e que é o mesmo que controla a fitossanidade e a fertirrigação. Não havendo ovelhas, além dos pastores, também tenderão a desaparecer os tosquiadores, os “roupeiros” ( fabricam o queijo ), os veterinários e por aí adiante.

Então não se mudava nada ? A questão não é essa. A mudança é inevitável. O que não é inevitável é que seja liderada pelo modelo económico vigente como se fosse uma entidade com vida própria impossível de controlar.

Enquanto nos anos sessenta e setenta do século passado a industria e depois os serviços foram autenticas ‘esponjas’ para absorver o excedente de mão-de-obra que a mecanização gerou na agricultura, a automação e a informatização que entretanto se desenvolveram estão também elas a gerar excedentes de empregos. Só que agora afectam todos os sectores de actividade e desapareceram as antigas almofadas de amortecimento.

A demografia tem tempos lentos de resposta à mudança. Esse tempos têm sido claramente ultrapassados pela velocidade que a modernidade conseguiu instalar nos métodos de produção e nos modelos convencionados de organização da economia. No caso português, ainda que o potencial de crescimento da economia possa não ter ainda sido atingido, é possível que os reajustamentos nos desequilíbrios entre disponibilidades e necessidades de mão de obra já não possam ser feitos apenas pela (re) qualificação dos trabalhadores. A tendência do paradigma económico vigente tem sido consistente: cada vez precisa de menos gente para funcionar.

No limite, este desacerto entre a economia e a demografia, não se exprime apenas no desemprego e nos custos sociais directos que acarreta, nem se resolve apenas com mais crescimento capaz de gerar receitas bastantes para assegurar á população que não encontre colocação no mercado de trabalho subsídios que lhes permitam fruir de níveis de vida aceitáveis. Esse desacerto tem outros custos que aparentemente têm sido insuficientemente ponderados. Entre eles os custos culturais de longo prazo associados às rupturas que se têm produzido com saberes consolidados nas soluções tradicionais de ocupação e aproveitamento do território. Está  por demonstrar se, a prazo, o somatório desses custos não irá ultrapassar os ganhos de competitividade e produtividade que actualmente se procuram.

Ou seja, confirmando-se o que já se sabia, isto é, que os modelos económicos liberais entregam à volatilidade emocional dos mercados a regulação dos desacertos entre a dinâmica da população e a gestão dos recursos, talvez fosse sendo tempo de trazer á discussão ideias inovadoras para dar corpo a um paradigma e a um modelo de governança que, tendo as pessoas como prioridade, fosse capaz de gerir com o mínimo de rupturas a velocidade a que se processa a mudança.

A aposta na manutenção e na melhoria das condições de operação dos lagares e olivais existentes, seguramente que não iria maximizar as possibilidades que as novas tecnologias implementadas em FA trouxeram ao sector do azeite. Mas muito provavelmente desempenhariam melhor o papel de gerir de forma optimizada o processo de mudança das regiões olivícolas em que se inserem.





sábado, 13 de novembro de 2010

Meio cheio ou meio vazio ?


Há três formas  de descrever um copo meio de água: a realista, que constata  que o copo está meio;  a optimista , que o descreve como  quase  cheio;  e a pessimista.  Perante um copo meio,  o opinativo lusitano não tem dúvidas: ‘é evidente que o copo está  vazio’ -  dirá !

Exagero ? Veja-se aqui:  62% dos investidores, pode deduzir-se,  não acredita que Portugal entre em incumprimento de divida; mas a noticia é que  38% acredita que irá entrar em incumprimento!!

Ou seja, para a opinião publicada na  Lusitânia, nunca irá  bastar que Portugal esteja a fazer uma boa prova na corrida do   paradigma de prosperidade em que nos inscrevemos. Não é relevante  que PT esteja no pelotão da frente, que se encontre no grupo dos países mais desenvolvidos e com melhores níveis de rendimento e qualidade de vida que,  de acordo com vários  critérios internacionais, tenha vindo a ganhar lugares  de forma consistente  nas  tabelas dos rankings que se inventam para medir essas coisas. Não! O que importa é que PT continua   entre os “piores” da Europa. E enquanto houver 1% de opinião negativa sobre qualquer coisa, ela terá  sempre prioridade nas agendas sobre  os restantes 99% de opiniões positivas.

Quem não conheça a alma lusa, poderia ser levado a olhar para esta  estranha disfunção  como uma coisa positiva. Pensaria: gajos exigentes, estes lusitanos, que só se dão por contentes com o pleno e o primeiro lugar de todos os pódios. Mas estaria  enganado. Se amanhã PT aparecesse em primeiro lugar nalguma coisa, o mesmo gajo que hoje brada que somos um ‘atraso de vida’, afiançaria “que isso se deveu a uma manipulação estatística” qualquer e a responsabilidade, claro, seria  dos “objectivos eleitoralistas do sócrates” que na altura estivesse de serviço. Ou seja, para o especialista na pinocada opinativa que prolifera na opinião publicada na costa atlântica  da Ibéria, o último lugar de Pt numa tabela qualquer é uma  espécie de certificado de garantia da qualidade e isenção de uma estatística.

A persistência desta postura,  não só deforma a realidade como actua sobre ela, criando um mal estar difuso em que assenta   uma percepção pessimista da história e do futuro. Pode haver má vontade ou interesses esconsos nesta abordagem. Mas estou convencido aquilo que  melhor a explica é o  provincianismo. O pessimista luso à solta nos média,   é por definição um provinciano semi-instruído e sem mundo.

Nos últimos anos essa sub-espécie  de gente  que tem do mundo a ideia do seu  próprio  umbigo, que diz que conhece a Alemanha porque esteve num fim-de-semana de chuva  em Berlim,  e que conhece França porque no regresso o avião fez escala em Orly, deu um salto evolutivo: deixou o sofá onde costumava mandar bocas sobre a táctica de Jesus nos clássicos no Dragão, sentou-se em frente do computador e descobriu o meio ideal de reprodução assexuada com que sempre tinha sonhado para evacuar sem grande esforço as suas frustrações: a  blogosfera e as caixas de comentários.

Para alguns  lusitanos, a  blogosfera está para a cidadania da mesma forma que a travessia a pé da Ponte 25 de Abril está para a maratona de Lisboa: não se precisa correr, quanto mais treinar . Basta aparecer, mandar umas bocas,   falsear  isto,  insultar os do costume,   para se fazer prova de vida. Outros que se cansem a fundamentar o que argumentam  que a fina-flor da bloga lusa cá ficará à espera  para dar a sua opinião. Avalizada, claro, pelos consensos dos 38% .



quinta-feira, 11 de novembro de 2010

O Desenvolvimento Humano segundo a ONU

Desde 1990 que o principal instrumento de divulgação da actividade do PNUD passou a ser o seu Relatório . Nele, além das bases filosóficas que norteiam a Instituição e das estratégias a que recorre para as implementar, o PNUD tenta aferir a evolução do estado do mundo através de um índice que cunhou com a designação de IDH ( índice de desenvolvimento humano ).

Inicialmente este índice foi construído com três indicadores centrais :
.longevidade (da esperança média de vida infere o estado da saúde );
.conhecimento ( aferido pela taxa de alfabetização para refectir a capacidade de cada um potenciar o seu governo);
.padrão de vida (estimado pelo PIB per capita, para dar conta da produtividade e do poder de compra )

Resultava da natureza destes indicadores que os países com maiores IDH eram naturalmente os ricos cujos cidadãos chegassem alfabetizados a velhos.

O reconhecimento de que esta trindade era claramente insuficiente para exprimir as fundações filosóficas do paradigma do PNUD, que remete também para a equidade, sustentabilidade e autonomia, levou a progressivas alterações das suas bases de cálculo. O Rendimento Bruto per capita substituiu o PiB per capita, o conhecimento passou a incluir a escolarização, e foram introduzidos outros factores de correcção, nomeadamente para a equidade e para a sustentabilidade.

Contudo, ainda assim, o IHD continua a ser melhor nas favelas do Rio de Janeiro que nas aldeias do Alto Xingu! E como a correcção da sustentabilidade se calcula com base em indicadores tão improváveis como as emissões de carbono, a percentagem de áreas protegidas e a poupança, Cabo Verde tem visto o seu IDH cavalgar posições a reboque de algo tão pouco sustentável como são as remessas dos seus emigrantes. Pela mesma lógica, não será por ter na exportação de recursos não renováveis ( petróleo ) a sua principal fonte de receita, que a Noruega verá em risco a sua liderança mundial do ranking IDH.

Por conseguinte, o que o Relatório publicado pelo PNUD faz, é produzir uma imagem do mundo a partir de um perspectiva ideológica standardizada pelo paradigma ocidental que adoptou. Pode-se discutir até à exaustão a objectividade dos critérios ou as boas intenções subjacentes, trabalhar na melhoria de indicadores ou dos instrumentos de medida. Mas nada disso retira à agenda do PNUD a sua propensão universalista, arrefece o ideário missionário de muitos dos seus mentores, ou dilui o carácter corporativo em que se tem enquistado.

Apesar disso, seria de esperar algum pudor na facilidade com que, apoiado nos crescimentos do IDH, O PNUD decreta o que significa melhoria de qualidade de vida, bem estar social ou felicidade. Assumir que o conhecimento que importa tem na escolaridade a sua fonte de eleição, pressupor que a boa economia é a do consumo, acreditar que a saúde como conceito holístico se exprime na longevidade, além de ideológico é profundamente redutor.

Não viria daqui mal de maior ao mundo se no limite este género de concepções não tivesse qualquer possibilidade de contaminar as decisões politicas. Ora como essa possibilidade existe, não será de estranhar que um destes dias alguém se lembre de transferir para as favelas do Rio de Janeiro os povos do Alto Xingu , com o argumento de os  subir no ranking IDH. Infelizmente a história mostra que mesmo as narrativas absurdas, quando incansavelmente repetidas, tendem de algum modo a materializar-se.